(Por Ariany Ferraz)

“Meu sonho é entrar para o RH”, disse Amanda Queiroz, 35 anos. A jovem com síndrome de down, que já trabalhou em outras empresas em diferentes vagas, agora quer atuar numa nova área e a expectativa por uma oportunidade adequada é grande. Milhares de pessoas como Amanda aguardam a inclusão no mercado de trabalho para vagas que considerem perfil vocacional e desejos. E por isso a metodologia do Emprego Apoiado existe há mais de 30 anos, seguindo a principal premissa de que toda pessoa com deficiência pode trabalhar desde que exista acessibilidade e os devidos apoios. Desta forma, o assunto foi pauta do III Encontro Nacional do Emprego Apoiado. Realizado em Campinas/SP, na UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São Paulo,  reuniu diversas organizações e profissionais para promover a troca de experiências e conhecimento sobre a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho utilizando o método do Emprego Apoiado.

Confiante, Amanda já contou com o apoio da instituição Ceesd no trabalho anterior, quando teve o acompanhamento através do Emprego Apoiado. A metodologia promove a inserção no mercado de trabalho, de forma assistida, valorizando as habilidades e potencialidades de cada pessoa e se trata de uma tecnologia social utilizada com sucesso em países como Espanha, Canadá, Portugal e EUA. É aplicada de forma personalizada, com o acompanhamento individualizado, desenvolvimento técnico e adequação do ambiente de trabalho, oferecendo todos os apoios necessários, incluindo acessibilidade dos espaços, elementos e relações sociais. Para promover uma inclusão de qualidade, a lógica do método é incluir primeiro, depois capacitar. Desta forma, o processo se dá em três fases: ‘Perfil Vocacional’, ‘Desenvolvimento do Emprego’ e ‘Acompanhamento pós-colocação’.

O tema que precisa da atenção da sociedade, principalmente das empresas, foi posto em evidência nos dois dias de evento. Promovido pela Anea (Associação Nacional do Emprego Apoiado), que fomenta ações em prol da inclusão no trabalho das pessoas com deficiência, o encontro levantou diversas questões e destacou dados de mercado. “O mercado de trabalho para pessoa com deficiência tem crescido sim apesar das dificuldades. A pauta da diversidade como um todo tem chegado às empresas. Está crescendo! E vários estudos demonstram que o uso das etapas do Emprego Apoiado torna mais eficaz a colocação”, comentou Oswaldo Barbosa, presidente da Anea. Objeto de sua tese de doutorado, Oswaldo explica que  o fato de ser uma metodologia é uma das principais vantagens, pois tem um passo a passo, um roteiro e uma linguagem de fácil adaptação para empresas. “Nossa pauta para 2019 é trabalhar com um legislação. Acreditamos que deve ter uma política pública que incentive isso no país”, destacou.

Questão defendida também por Romeu Sassaki, fundador da Anea e consultor sobre educação inclusiva, emprego apoiado e reabilitação profissional. “Temos dois projetos de lei, um para reconhecimento da profissão e uma outra orçamentária, pois em todos os países que têm Emprego Apoiado existe um orçamento nacional e nos mostra que se houver um financiamento suportado pela lei, funciona melhor”, enfatiza Romeu sobre a necessidade de criar leis que fomentem a área de atuação.

Ativista das causas da pessoa com deficiência desde 1979, Romeu tem uma longa história e está atualmente finalizando um livro que está sendo escrito em parceria com diversas pessoas da área. Ele contou que a década de 80 foi uma época de início da disseminação do Emprego Apoiado no país e uma fase de estudo e conhecimento, e considera que hoje já estamos avançando na implementação. “A colocação de pessoas com deficiência no mercado existe no Brasil há mais 60 anos, mas só quem conseguia entrar no mercado eram pessoas com deficiência leve.As pessoas com deficiência severa ou com maior comprometimento ficavam de fora e a metodologia tradicional não funcionava. O Emprego Apoiado é muito bacana porque consegue colocar no mercado de trabalho quem a metodologia tradicional não conseguia. A maior vantagem é a produtividade das pessoas que nós colocamos”, esclareceu Romeu.

Incluir com qualidade

O primeiro dia de evento contou com a participação de instituições que aplicam a metodologia e de empresas que já executam as parcerias com cases de inclusão.O responsável pelos processo de inclusão, Willian Araújo, coordenador de Recursos Humanos na rede Vitória Hotéis, apresentou dois cases bem sucedidos, um deles de um colaborador que há 4 anos trabalha em um dos hotéis, começou como auxiliar de hospedagem, na recepção, com atendimento, bagagem e arrumação da recepção e depois de se identificar com a área de alimentos e bebidas  buscou a profissionalização e hoje atua no restaurante. “Hoje ele é peça fundamental no preparo das refeições”, pontuou Willian.

Outra história recente é a do Gustavo, que em 6 meses já cresceu e mudou de cargo. “Ele está indo muito bem e além do que era esperado, graças a todos esse recursos que o Emprego Apoiado tem proporcionado para nós  com a parceria do Ceesd. O preparo foi fundamental e o Ceesd demonstrou um grande diferencial no acompanhamento nesse programa de inclusão. Total apoio com recursos, ideias, criatividade e uma equipe multidisciplinar preparada para fazer o processo de sensibilização com os colaboradores”, contou Willian.

“Não é incluir para cumprir cota. Queremos que essa pessoa que foi excluída pela sociedade e pelo mercado de trabalho venha trabalhar conosco e sinta sim que faz parte do meio e que pode e deve ser como qualquer outro colaborador”, chamou a atenção a assistente social Therezinha de Jesus Teixeira, da empresa Motiva Contact Center.

Para Livia Rech, psicóloga no CEESD e membro do conselho administrativo da Anea, o Emprego Apoiado tem trazido grandes avanços para a inclusão. “Uma oportunidade muito legal de contribuir, trazer esse evento para Campinas para que as pessoas daqui possam entrar em contato com a metodologia. E o que mais me motiva é poder contribuir para que mais pessoas possam ter acesso a ela, principalmente usuários”, disse Lívia. Ela também apontou a importância do evento para debater a necessidade de melhorias em pesquisas para fomentar indicadores de qualidade que identifiquem bons programas de emprego apoiado.

“A gente sempre vem para poder aparar as arestas, ver o que se pode modificar, quais são as novidades, as experiências que outras instituições trazem para que possamos melhorar cada vez mais o trabalho”, afirmou a participante Kátia Regina Ladewig coordenadora do Centro de Educação e Trabalho da Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE), localizado em São José/SC. Segundo ela o Emprego Apoiado potencializa as colocações e tem rendido excelentes resultados com aplicação da metodologia na instituição, citando que de 2002 a 2015 foram incluídas mais de 360 pessoas com deficiência. Porém, Kátia pontua que são enfrentados muitos desafios como o preconceito das empresas e a necessidade de conscientizar também as instituições que atendem as pessoa com deficiência, reforçando que elas têm condições de estar no mercado de trabalho desde que tenham apoio. “É preciso a conscientização de que sempre existirão tarefas na empresa que podem ser desenvolvidas por qualquer um e que essas pessoas têm potencial produtivo, que realmente são como qualquer profissional, desde que a empresa se adapte a alguns detalhes”, reforçou.

A jovem Júlia Carneiro, terapeuta ocupacional, soube do evento nas redes sociais. “É um tema que chama bastante a minha atenção. Eu não conhecia essa metodologia e acho que  tem muito a contribuir para a inclusão efetiva. Você ouvir um profissional falando é legal, mas quando é o usuário falando fica mais nítido o resultado”, disse.O colega de profissão, Danilo de Faria, revelou que nunca havia visto nada tão bem estruturado e com tantos resultados positivos. “Achei bem interessante e é algo que a gente tem que levar, precisa compartilhar”, declarou.

Lab Inclusão

Dentre as organizações participantes, a Associação de Educação do Homem de Amanhã – AEDHA (Guardinha) e a Sorri Campinas levaram a experiência do projeto Lab Inclusão para o palco. A iniciativa do programa Mobilização para Autonomia (MOB) da Fundação FEAC é executada pela Sorri Campinas, que realiza a inclusão de pessoas com deficiência acima de 18 anos via CLT, e a Guardinha, por meio da Aprendizagem Profissional para jovens de 16 a 24 anos.

“Ficamos muito felizes de poder participar! Ouvimos especialistas como o Romeu, por exemplo. Essa troca com todos os envolvidos é muito rica. Já realizamos há 30 anos a inclusão, mas é sempre interessante rever o que estamos fazendo e rever nossas crenças limitadoras. Porque o mundo e os conceitos mudam, a tecnologia tem ajudado cada vez mais. A importância de se discutir, se identificar o potencial de melhoria e inovação é fundamental”, ressaltou Nilza Montanari, orientadora profissional no projeto Lab Inclusão na Sorri Campinas.

“O Lab Inclusão tem um trabalho inovador em Campinas e busca aumentar a empregabilidade e incluir as pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Queremos também formar uma rede que dissemine essa metodologia, que há anos tem dado muitos resultados positivos no mundo, sendo inclusive reconhecida como política pública. Precisamos avançar no que tange à essa questão, pois essas políticas irão respaldar a atividade, fomentando ainda mais a tão necessária inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho”, observou Regiane Fayan, líder do Programa MOB.

Entenda como funciona o Emprego Apoiado

Entre as três etapas de aplicação da metodologia, o Perfil Vocacional é a primeira fase de avaliação, com entrevistas e acompanhamento para observar as habilidades vocacionais, interesses e capacidades. E são identificadas também as necessidades de apoio da pessoa. Além do usuário, a família participa e é orientada durante o processo.

Num segundo momento, de ‘Desenvolvimento do Emprego’, são mapeadas as vagas de acordo com o perfil vocacional, adequando se necessário a vaga e viabilizando as adaptações com o empregador, para reduzir todas as barreiras existentes. Após a contratação, os processos de trabalho são mapeados e é elaborado um plano individual de treinamento e inclusão social.

Na última fase de ‘Acompanhamento’ pós-colocação, são realizadas visitas e intervenções nas empresas e ofertado suporte de instrumentos específicos para avaliação do processo de desenvolvimento de cada pessoa. O monitoramento permite observar a adequação das atividades e melhorias e depois, progressivamente, o técnico que acompanha se distancia a fim de que a pessoa consiga autonomia e independência na empresa.

Mercado de trabalho

A falta de acessibilidade, barreiras arquitetônicas, de comunicação e atitudinais, como o preconceito e o despreparo das empresas para receber pessoas com deficiência, são alguns dos principais desafios para inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho. A Lei de Cotas, n° 8.213/1991 determina que todas as empresas brasileiras com mais de 100 empregados são obrigadas a contratar um percentual de pessoas com deficiência (de 2% a 5%  do total de funcionários). O não cumprimento resulta em multas.

Estudos da pesquisadora Guirlanda Maria de Castro, da Unicamp, mostram que se a Lei de Cotas fosse cumprida totalmente poderia garantir, no Brasil, aproximadamente 730,1 mil empregos para as pessoas com deficiência. Porém, com os dados analisados, somente 49% dos postos disponíveis estavam preenchidos por pessoas com deficiência. Em Campinas são mais de 153 mil pessoas com deficiência em idade de trabalho. Porém, estão ocupadas apenas 51,5% das 6,3 mil vagas potenciais disponíveis, de acordo com a Lei de Cotas.

Existe ainda uma estratégia que foi lançada em 2008 pelo Ministério do Trabalho e Emprego para potencializar a inclusão de pessoas com deficiência na Aprendizagem Profissional, o Projeto Piloto de Incentivo à Aprendizagem Profissional. Nele é possível firmar um Termo de Compromisso com o Ministério do Trabalho e Emprego adiando a cobrança da multa relativa a Lei de Cotas caso essas vagas não sejam preenchidas. Diante da assinatura é possível preencher vagas de aprendizes com pessoas com deficiência e mantê-las por até dois anos, com contratação posterior, uma forma de experienciar a relação.