Uma reflexão sobre a África e a sociedade brasileira. Este foi o assunto que o Prof. Dr. Dagoberto Fonseca abordou no evento que teve como tema Africanidades e Implicações da Lei 10.639/03, em discussão durante a 7ª Semana da Educação de Campinas. A Lei em questão dispõe sobre a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas públicas e particulares do ensino fundamental e médio.

A temática é associada à Meta 8, relacionada à Elevação da Escolaridade/Diversidade e Meta 22, que se refere às relações Étnico-Raciais – O Negro e o Indígena Brasileiros, ambas inseridas no Plano Municipal de Educação de Campinas (PME).

Durante a discussão que lotou o restaurante Saberes e Sabores, com uma plateia interessada e participativa, Dagoberto Fonseca provocou um diálogo estabelecendo uma relação da importância da África para a sociedade brasileira e, neste sentido, a relevância da própria Lei 10.639/03 para a população. “A Lei só é importante se a gente conseguir enxergar a relevância que a África tem para a sociedade brasileira e para a sociedade mundial. Minha abordagem esteve vinculada à ideia de que não há humanidade sem a África, já que o homem tem origem africana. Portanto, independentemente da cor da pele, religião ou orientação sexual, o homo sapiens é um afrodescendente”, explicou.

Outro tema de discussão do evento foi o escravismo no Brasil. “Não é possível falar especificamente da sociedade brasileira sem falarmos do crime do escravismo. Minha palestra focou em uma preocupação com a mudança nos paradigmas para que possamos verificar a necessidade de olharmos para a África e para nós mesmos enquanto brasileiros”, disse.

Implantação

De acordo com Dagoberto, a Lei 10.639, que entrou em vigor em 09 de janeiro de 2003, não está totalmente implantada e existem obstáculos para sua efetivação ligados à dificuldade da população em ter um olhar para a diversidade.

“O primeiro obstáculo é termos uma sociedade marcada fundamentalmente pelo racismo. Nós temos que considerar a dificuldade de uma Lei que chega muito tarde, em pleno século 21, quando deveria se dar no século 20. Outro agravante é que nossa sociedade é profundamente marcada por uma visão cristã, que enxerga no cristianismo a única possibilidade de dizer a verdade. E tudo isso gera uma dificuldade em trabalhar o conteúdo sobre a população afro-brasileira e africana em sala de aula. Pretendi então fazer uma reflexão para pensar que o desafio da Lei está justamente na dificuldade da gente olhar a diversidade e enxergar as diferenças, e não fazer disso a desigualdade e estabelecer um vínculo com a marginalidade”, frisou Dagoberto.

Formação de professores

Outro assunto abordado pelo Prof. Dr. Dagoberto Fonseca foi a falta de formação de professores nesta área de conhecimento. “Poucas pessoas dominam esse conteúdo. É necessário ter formação para professores para que haja um corpo maior de docentes capacitados para essa área do conhecimento”, avaliou.

Sobre os tipos de abordagens das questões sobre africanidade em sala de aula, Dagoberto ressaltou dois tipos de trabalho pedagógico possíveis. Segundo ele, há a possibilidade de abordar o assunto de maneira disciplinar. Esta ideia está presente principalmente nas universidades federais, que fizeram contratações de professores fundamentalmente na área de ciências sociais e história, para ministrar essa disciplina. Nas universidades estaduais paulistas, por exemplo, na USP, UNESP e Unicamp, o que se tem feito é um trabalho que tem caráter mais transdisciplinar e que faz com que o conteúdo possa ser trabalhado em diversas disciplinas.

“Nós não vamos estabelecer qual abordagem é mais importante, significativa ou melhor, até porque não temos a implementação da Lei de maneira efetiva, então não há como medir isso. O que é razoável é que a gente consiga fazer com que esta área do conhecimento possa estar vinculada a todas as disciplinas do currículo, como é a proposta da Profª Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva*”, explicou.

Diante de todas as dificuldades para a implementação da Lei 10. 639/03, ainda há um longo caminho a ser percorrido para que as conquistas sobre o tema sejam de fato efetivadas. “Ainda estamos aquém no que se refere à implantação da Lei, mas estamos dando passos para chegarmos a um processo que ainda deve levar muitos anos”, concluiu Dagoberto.

Sobre o palestrante

Dagoberto Fonseca possui graduação em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1987), mestrado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1994), doutorado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2000), pós-doutorado em Educação pela Universidade de Campinas (2009) e Livre Docente em Antropologia Brasileira pela Faculdade de Ciências e Letras-UNESP-Campus de Araraquara (2014). Atualmente é docente da Faculdade de Ciências e Letras – UNESP, Departamento de Antropologia, Política e Filosofia, Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais – Campus de Araraquara; membro do Programa de Pós-Graduado Dottorato in ScienzeUmane da l’Universitàdegli Studi di Perugia (Itália).

* A professora foi conselheira da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação entre 2002 e 2006. Foi a relatora do Parecer CNE/CP3/2004 que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico – Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana e participou da relatoria do Parecer CNE/CP3/2005 relativo às diretrizes curriculares nacionais para o curso de pedagogia.

Saiba mais sobre a Lei 10.639/03: http://etnicoracial.mec.gov.br/images/pdf/lei_10639_09012003.pdf