Por Laíza Castanhari
De acordo com a edição 2020 da Pesquisa sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação nos domicílios brasileiros, do Cetic.br, 20 milhões de domicílios brasileiros não tinham acesso à internet em 2019. Desses, 13 milhões eram das camadas D e E. Já Campinas conta com apenas um projeto público de oferecimento de 36 pontos para acesso gratuito de wi-fi. Dados levantados pela Fundação FEAC em 2020, porém, mostram que apenas 5% da população em vulnerabilidade social do município estão na região de abrangência do serviço.
Não à toa, o acesso à rede apareceu como uma das principais preocupações na pesquisa Principais demandas emergenciais na percepção das lideranças nos territórios mais vulneráveis aos impactos da pandemia da Covid-19 em Campinas, realizada pela FEAC no começo de junho de 2020 em territórios vulneráveis. O projeto Família On nasceu para olhar para as barreiras digitais nas favelas de Campinas, viabilizando o acesso à rede.
Segundo a pesquisa, a conectividade é uma demanda que aparece em 81% das entrevistas, e 43% dos entrevistados consideram que o acesso às redes é crítico ou preocupante. Em 38% dos casos, os moradores das áreas mais vulneráveis dependem da rede de wi-fi de vizinhos ou estabelecimentos.
Impactos da falta de conexão
O Família On é uma parceria da FEAC com o projeto Mães da Favela ON, da Cufa (Central Única das Favelas), e a Alô Social. A campanha começou em dezembro de 2020 e, ao todo, 5 mil chips de celular da TIM serão distribuídos em 15 regiões de vulnerabilidade social de Campinas. Os beneficiados terão acesso à internet gratuita por seis meses.
Sílnia Prado, líder do Programa Fortalecimento de Vínculos da FEAC, explica que a exclusão digital começou a interferir na execução de outros projetos durante a pandemia. No Mobiliza Campinas, que distribui cartões de alimentação, as organizações tiveram dificuldade para encontrar as famílias em situação de vulnerabilidade, pois muitas vezes elas estão sem acesso à rede, mesmo tendo celular em casa. “A pandemia escancarou mais uma desigualdade, a digital”, observa Sílnia.
Criado em parceria com o Mães da Favela ON, o Família On vai combater a exclusão digital em 15 regiões de Campinas
A falta de conexão impacta diretamente outras áreas, como a educação de jovens, que não conseguem acompanhar as aulas online, e o acesso ao mercado de trabalho, já que as pessoas têm dificuldade em marcar entrevistas, procurar vagas ou enviar currículos. 75% dos entrevistados consideram a educação, durante a pandemia, crítica ou precária, enquanto emprego é uma demanda para 84%.
“Existem alguns critérios para participarem, por exemplo, famílias com membros em escolas ou faculdades, que estão desempregadas e precisam do acesso à internet para procurar emprego e realizar entrevistas, enfim, se conectarem com um mundo que exclui quem não está nele. Como o acesso pode ser roteado, um chip entregue a uma mãe pode ser usado por mais de uma pessoa”, explica Sílnia. Aliás, este projeto conta com uma curadoria da Unesco e sites educacionais e de empreendedorismo terão acesso ilimitado, ou seja, o tempo de navegação não é contabilizado.
Democratização nas comunidades
O Mães da Favela ON se iniciou em setembro de 2020, com o objetivo de amenizar os impactos da pandemia em territórios vulneráveis de todo o Brasil. É o maior projeto de conectividade em comunidades já realizado no país, beneficiando 500 mil mães em mais de 5 mil territórios.
Michele Eugênio, coordenadora da Cufa Campinas, destaca que a proposta é dar prioridade para que as mulheres recebam os chips. “Nas favelas, o que a gente vê? Mães com filhos, mães solteiras. Quem segura a onda são as mães, então damos prioridade a elas”, explica.
As barreiras digitais em territórios vulneráveis sempre existiram, mesmo antes da pandemia. Porém, com o agravamento da situação socioeconômica, organizações da sociedade civil se colocaram à frente desse desafio. “As crianças da favela mal têm celular, o que dirá internet, então veio essa necessidade. Não é todo mundo que tem uma rede de wi–fi em casa, e a favela precisa se comunicar com o mundo. Tudo se tornou digital, tudo está na internet”, ressalta Michele. “A maioria dos trabalhadores lá é informal ou perdeu seus empregos. Agora, a demanda aumentou e as doações diminuíram, porque ninguém esperava que a pandemia iria se arrastar por tanto tempo.”
A democratização da internet é uma maneira de contribuir para a autonomia das famílias, uma vez que elas têm liberdade para usar seus aparelhos de acordo com suas necessidades. “Elas não precisam mais se deslocar para determinados lugares, como lan houses, para fazer o que precisam. Elas fazem isso pelo celular. E o chip pode ser roteado para o restante da família, atendendo mais de uma pessoa”, destaca Sílnia.
Rotina escolar
Eliane Almeida Silva está desempregada e recebeu o chip do Família On. Ela é mãe de quatro filhos, sendo dois em idade escolar. Ela conta que nem sempre possuía condições de colocar crédito no celular, o que afetava a rotina de estudos da filha: “Ela não participava de nada. A entrega do chip foi muito legal porque agora vamos conseguir voltar com a rotina da escola”.
Tatiane Almeida Guimarães também recebeu o chip. “Eu não tenho internet em casa e nem condições de ficar colocando crédito no celular. Eu até tentei em março, mas fica muito puxado porque acabava a internet em três dias.”
Mãe de três filhos, ela é faxineira e usa o celular para oferecer nas redes sociais o seu serviço. Com o chip as crianças vão poder voltar estudar e ela também conseguirá combinar as faxinas. “Eu perdi muitos trabalhos porque não tinha internet e, quando conseguia ver a mensagem, já tinha passado o dia. Meus filhos ficaram desde março sem estudar, agora vão conseguir revisar todas as lições e colocar em dia”, diz Tatiane.
Edição 1 – A pandemia e as OSC
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