Por Frederico Kling
Segundo o Mapa de Empresas, do governo federal, 3.359.750 novos negócios foram criados no Brasil em 2020. Isso representou um crescimento de 6% em relação a 2019, recorde histórico da série iniciada em 2010. Num ano marcado pela crise socioeconômica decorrente da pandemia, outro marco também chama atenção: 13,4 milhões de desempregados (IBGE). Combinados, os dois dados apontam para um cenário de crescimento de microempreendedores, no chamado empreendedorismo por necessidade.
“As pessoas perdem o emprego e veem na abertura de um negócio o jeito de colocar algum dinheiro em casa”, explica Bruno dos Santos, consultor do Sebrae. No Mapa das Empresas, cerca de 84% dos novos CNPJs criados em 2020 foram justamente do tipo mais simples: as MEIs (microempreendedor individual), que têm na classe C seu principal público.
Exatamente por serem criadas pela necessidade, e não com base num planejamento prévio, muitas desses negócios “não tem base efetiva no mercado, contam apenas com o achismo e com a força de vontade de seu criador”, ressalta Bruno.
É fundamental, portanto, dar a esses empreendedores as ferramentas que eles ainda não têm para que consigam levar seus negócios adiante.
Empreendedorismo e vulnerabilidade
Em junho de 2020, a Fundação FEAC fez uma pesquisa com 48 lideranças de territórios vulneráveis de Campinas, e os três assuntos mais críticos em suas comunidades eram, respectivamente, a insegurança alimentar, a manutenção da renda e o desemprego.
“Criamos o Tempo de Empreender durante a pandemia justamente como uma resposta aos problemas econômicos em territórios de vulnerabilidade que a pesquisa captou”, diz Arthur Goerck, líder do Programa Desenvolvimento Local da FEAC.
O projeto parte da premissa de que há uma grande potencialidade nesses territórios que está muito ligada ao empreendedorismo. “As periferias têm uma resiliência absurda e são um grande mercado potencial, isso tem de ser reconhecido sem romantizar”, continua Arthur.
A primeira edição do Tempo de Empreender focou em dois públicos distintos: quem nunca empreendeu e quem já tinha algum negócio. O curso, feito em parceria com o Instituto Meio, trazia desde noções básicas sobre o que é empreendedorismo (muitos dos mais de 290 participantes não se reconheciam como empreendedores) até questões de planejamento financeiro e gestão.
Bruno, do Sebrae, destaca a importância que as finanças têm para as pequenas empresas: “os microempreendedores têm de entender o que é um fluxo de caixa, como vão pagar as contas se não venderem nada num mês”. Os participantes do Tempo de Empreender destacam justamente esse tema como um dos mais importantes do projeto.
“No curso, tive uma parte de educação financeira, e aprendi a definir preços de venda, a fazer fluxo de caixa e a controlar meus gastos”, diz a haitiana Cherone Cleophat Chery. Ela decidiu sair de seu emprego durante a pandemia para se dedicar apenas a seu negócio de costura criativa quando percebeu que ele lhe rendia mais.
Foram também as finanças o maior aprendizado de Jailma dos Santos, da Jaja Bolos e Doces. “Eu não sabia, por exemplo, que tinha de incluir o combustível usado nas entregas entre meus gastos. Também aprendi que os bolos de aniversário tinham de ser meu foco. Gastava muito tempo fazendo produtos menores e baratos, como pães de mel.”
Mulheres, por sinal, representaram quase 80% das pessoas inscritas na primeira edição do Tempo de Empreender. A maioria delas é negra, e com renda familiar mensal de até um salário mínimo.
Mobilidade social
A FEAC tinha desenvolvido experiências anteriores de fomento ao empreendedorismo, mas a pandemia, segundo Arthur, ressaltou a importância desse tipo de abordagem. “Trata-se de uma estratégia fundamental para garantir a proteção social das pessoas em momentos de crise. E contribui para mobilidade social das pessoas ao promover a geração de renda.”
Um dos principais gargalos para os empreendedores de territórios vulneráveis é justamente a dificuldade de acesso ao crédito. Por um lado, diz Arthur, trata-se de pessoas muito avessas ao risco de pegar empréstimos. Por outro, as instituições financeiras são muito elitizadas e fechadas às microempresas.
Para lidar com esse problema, a Fundação FEAC fez uma parceria com a Firgun, negócio social que oferece microcrédito, e viabilizou a criação do Fundo Empreende Campinas, fundo de crédito ligado ao projeto Tempo de Empreender voltado à empreendedores da base da pirâmide que passaram por alguma formação disponibilizada pelo projeto. Em 2020, os participantes dos cursos podiam pleitear empréstimos de até R$ 2 mil, focando assim nos microempreendedores que mais sofreram com os impactos econômicos da pandemia.
Em 2021, a FEAC decidiu realizar uma nova edição do Tempo de Empreender, um reconhecimento da importância do empreendedorismo enquanto estratégia de mobilidade social.
A principal novidade para 2021 foi a aposta em trazer escala ao projeto, que pretende disponibilizar formação para mais de 1200 empreendedores da base da pirâmide em sua nova edição. Além disso, o Fundo Empreende Campinas ampliará o ticket médio de crédito para até R$7.000,00, garantindo a presença de microempreendedores mais maduros no projeto, e disponibilizará a possibilidade de acessar capital semente de até R$ 2.000,00 a empreendedoras mulheres em situação de vulnerabilidade.
O objetivo em 2021 é que o Tempo de Empreender se consolide como projeto referência de formação empreendedora em áreas de vulnerabilidade em Campinas e que o Fundo Empreende Campinas seja reconhecido como uma linha de crédito acessível pelos microempreendedores de Campinas.
Edição 3 – Populações vulneráveis• FEAC trabalha com dinâmica social para empoderar populações vulneráveis |