Empoderar populações vulneráveis é, dentre as três dimensões em que a Fundação FEAC divide sua atuação, aquela sob a qual está a maioria de seus programas. São seis de um total de 10, atuando diretamente sobre o assunto. Mas, na verdade, todos atuam de alguma forma com vulnerabilidades. Isso comprova a complexidade e a multiplicidade associada à esse tema.
“Populações vulneráveis são todas aquelas que estão fragilizadas em relação à garantia de seus direitos. Trata-se de uma questão multidimensional, que lida com um conjunto de fragilidades, como a social, econômica, ambiental, entre outras”, explica Jair Resende, superintendente socioeducativo da FEAC.
Não é por acaso, então, que haja programas, sob a dimensão do empoderamento de populações vulneráveis, que lidem com temas tão diferentes quanto juventudes, acolhimento afetivo, educação, primeira infância e inclusão de pessoas com deficiência.
A variedade se revela também na maneira como cada programa da FEAC lida com seus temas pertinentes. “O Juventudes olha para o jovem com integralidade. Por isso, divide sua atuação em três frentes: trabalho, autoproteção e participação social e política”, explica Tatiane Frasão Zamai, líder do Programa.
Essa variedade também revela algo que poucas pessoas notam: a vulnerabilidade não é necessariamente ligada apenas à questão econômica. “Os primeiros estudos sobre o tema ressaltavam muito a economia, mas existem outras questões. Crianças, idosos e mulheres podem estar vulneráveis mesmo vivendo em lugar privilegiado”, ressalta Jair.
Prevenindo agravamentos
A vulnerabilidade não pode ser tratada como algo estático. Muito pelo contrário, é um fenômeno dinâmico, para o qual é fundamental a noção de mobilidade social.
“O grande pano de fundo é permitir que pessoas tenham um plano de vida, de futuro, mas, para isso, é necessário superar barreiras da vulnerabilidade relacional, prevenir o agravamento de sua condição social e apoiar soluções coletivas para os problemas locais”, diz Sílnia Prado, líder do Programa Fortalecimento de Vínculos, um daqueles que, mesmo não estando sob a dimensão do empoderamento de populações vulneráveis, também trata dessa questão.
O cenário no Brasil, no entanto, é de agravamento de vulnerabilidades pelo menos desde a crise econômica iniciada em 2015. “Houve o aumento do desemprego e o desmonte de políticas sociais desde então”, afirma Maitê Gauto, gerente de programas e incidência da Oxfam Brasil.
A pandemia veio acentuar ainda mais esse cenário de deterioração. O relatório O vírus da desigualdade, lançado pela Oxfam Brasil em janeiro de 2020, aponta que os mais pobres levarão ao menos 14 anos para retomar aos níveis de vida pré-pandemia, que já era difícil.
“O Brasil sabe o que fazer para diminuir a desigualdade e a vulnerabilidade social e econômica, pois fez isso nos últimos 30 anos, desde a Constituição de 1988. Mas o terceiro setor precisa pressionar o poder público. Nada acontece sem o estado, que tem capacidade de fazer a intervenção no tamanho da necessidade”, ressalta Maitê.
“A situação dos jovens piorou muito durante a pandemia em vários campos. No educacional, houve um aumento da evasão escolar. Sofrem também com o desemprego e aumentaram os casos de depressão”, relata Tatiane.
Uma das formas de a FEAC trabalhar com a vulnerabilidade é justamente fortalecendo redes locais – que envolvem a sociedade civil e serviços públicos –, para que consigam identificar e agir sobre situações que possam agravar a situação socioeconômica dos indivíduos.
“Muitas vezes, as organizações que lidam com vulnerabilidade não estão pensando nisso como algo dinâmico. Por isso, num primeiro momento, trabalhamos tanto para que a rede de proteção social funcione”, diz Jair.
Estimulando a mobilidade
A FEAC criou, em 2017, o Núcleo de Inteligência Social justamente para lidar de modo estratégico com a vulnerabilidade social. Utilizando uma série de dados, consegue identificar quais são as populações vulneráveis e qual a situação em diversas temáticas, como moradia, saneamento, transporte e acesso a lazer. Isso permite que a Fundação atue em várias frentes para promover a mobilidade social, sempre adotando metas claras, em busca do maior impacto possível.
“A arte, a cultura e o esporte ajudam o indivíduo a se reconhecer sua identidade no mundo e a enfrentar inseguranças e lidar com sentimentos. Dessa maneira, ele pode reestabelecer conexões com a família e a comunidade a sua volta, evitando o rompimento de vínculos, que agravariam sua vulnerabilidade”, explica Sílnia.
Se a questão econômica não é a única a definir o quão vulnerável está uma pessoa, não dá para negar que a inclusão socioprodutiva pode ser um instrumento eficaz para a mobilidade social e para a autonomia na geração de renda.
O projeto Conectados ao Futuro, do Programa Juventudes, da FEAC, trabalha justamente nesse sentido. “Incentivamos o empreendedorismo em jovens que têm esse desejo, mas não têm ainda condições de realizá-lo”, diz Tatiane.
Rodney Felipe de Oliveira Silva, por exemplo, fazia trabalhos como cabelereiro desde os 15 anos – havia aprendido o básico do ofício com os avôs. Aos 19, começou seu martírio. Foi acusado de ser cúmplice do irmão num crime.
Foram cinco anos entrando e saindo da cadeia até conseguir provar sua inocência. Da experiência, tirou a força para participar do projeto e se qualificar como cabelereiro. “Eu precisava me aperfeiçoar no uso da tesoura. No final, acabei até me tornando professor do curso”, diz Rodney, que usa sua experiência de vida também como exemplo de força.
O ingresso no Conectados ao Futuro aconteceu por acaso. Rodney foi apresentado ao projeto por seu discípulo, Marcos Daniel Martins da Costa. “Eu já fazia uns cortes para amigos. O Rodney tinha um salão no bairro e era uma inspiração, e um dia ele começou a me ensinar uns cortes. Aí vi que tinha o curso, me inscrevi e chamei ele para vir junto”, conta.
Hoje, Marcos também auxilia Rodney nas aulas, e realizou um sonho: com apenas 17 anos, abriu uma pequena barbearia no bairro, onde dá vazão a seu espírito empreendedor e coloca em prática o que aprendeu com o curso – e com seu mestre e amigo. Marcos tem, agora, um plano de vida.
Por Frederico Kling
Edição 3 – Populações vulneráveis• FEAC trabalha com dinâmica social para empoderar populações vulneráveis |