(Por Ingrid Vogl)
A Fundação FEAC e a APAE Campinas se uniram em uma parceria que tem como objetivo agilizar e aprimorar a avaliação diagnóstica para pessoas com suspeita de Transtorno de Neurodesenvolvimento e Deficiência Intelectual. Desde janeiro de 2019, o projeto Gestão do Cuidado é desenvolvido com a realização de avaliação diagnóstica capaz de identificar diversos Transtornos do Neurodesenvolvimento como atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, deficiência intelectual, transtorno de déficit de atenção, transtorno do espectro autista, transtornos motores, transtornos específicos da aprendizagem e transtorno global do desenvolvimento. A partir do diagnóstico feito por uma equipe multidisciplinar formada por assistente social, neuropediatra, psicopedagoga e neuropsicóloga, o paciente é encaminhado para atendimento adequado em programas e ações, promovendo o exercício pleno e equitativo de seus direitos.
Mas o grande diferencial do projeto é o matriciamento que está sendo desenvolvido com os Centros de Saúde e escolas públicas municipais e estaduais de Campinas. Com isso, pretende-se criar uma rede em saúde e educação com o objetivo de compartilhar conhecimento e experiência do saber especializado na área dos Transtornos do Neurodesenvolvimento e assim, qualificar a demanda e promover atendimentos específicos e mais assertivos.
Até então, a APAE – única a realizar esse tipo de diagnóstico em Campinas desde 2007 por meio de termo de parceria com o SUS- possuía uma equipe multidisciplinar que tinha capacidade para realizar 20 avaliações diagnósticas por mês. Com a parceria da FEAC e a criação do Gestão do Cuidado, foi formada mais uma equipe de profissionais e o número de avaliações passou a 40 atendimentos mensais.
Segundo Eliane de Fátima Trevisan Nogueira, diretora pedagógica da APAE Campinas, a ampliação do atendimento fez com que a fila de pessoas que aguardam a avaliação diagnóstica diminuísse cerca de 30% em menos de seis meses de desenvolvimento do projeto. Atualmente, a maior demanda está na região Sul de Campinas, com cerca de 100 pessoas na fila de espera por atendimento. Se for considerado o município em sua totalidade, a fila chega a aproximadamente 200 pessoas aguardando esse atendimento específico.
“Antes um bebê aguardava até oito meses pela avaliação, e hoje já conseguimos zerar a fila de espera de crianças com até seis anos de idade. Para crianças dessa faixa etária que são diagnosticadas com Deficiência Intelectual ou algum atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, conseguimos encaminhamento imediato para atendimento”, explicou.
Matriciamento
Além do aumento da capacidade de avaliação, o grande diferencial do Gestão do Cuidado, é o matriciamento. Neste sentido, a equipe do projeto já se articula promovendo reuniões com os Distritos de Saúde de Campinas e também com as redes de ensino municipal e estadual para apresentar o projeto e o protocolo de avaliação que foi criado pela equipe para ser usado na avaliação do paciente com suspeita de algum transtorno na escola, onde em geral, se inicia o trajeto até que chegue à APAE para a avaliação diagnóstica.
A equipe do projeto criou fichas para preenchimento nas escolas e Centros de Saúde com questões orientadoras relacionadas à avaliação diagnóstica tanto para área médica quanto para a pedagógica. “Estamos fazendo e agendando reuniões com gestores das escolas estaduais e municipais de Campinas. Durante o encontro, apresentamos o trabalho que fazemos e explicamos o laudo de avaliação multidisciplinar para que entendam como é feita a avaliação. Discutimos ainda quais são as dificuldades que geralmente surgem e o que pode ser trabalhado. Nossa meta é fazer com que o matriciamento chegue para toda a rede de ensino e de saúde”, explicou Eliane.
O que se pretende com o matriciamento é qualificar os profissionais das escolas e dos Centros de Saúde para que tenham um olhar diferenciado e façam um encaminhamento mais qualificado e assertivo e assim, aumentar a resolutividade dos casos e evitar erros de diagnóstico.
Essa qualificação do olhar, como é chamada pela equipe do projeto, tem dois objetivos: o aprimoramento do serviço de quem está realizando o encaminhamento do paciente e o aumento da resolutividade dentro do Centro de Saúde. Isso porque o número de pessoas encaminhadas para a avaliação diagnóstica na APAE que não tinham nenhuma Deficiência Intelectual ou transtorno do neurodesenvolvimento chegava a 40%.
Por meio do matriciamento, a equipe do projeto também pretende discutir casos e trocar experiências com os profissionais dos Centros de Saúde. “A discussão em rede é necessária para que haja um fortalecimento desses conhecimentos na área da deficiência intelectual para quem atua na ponta: escolas e Centros de Saúde. Uma equipe que se apodera de novos conhecimentos faz encaminhamentos mais sensatos e qualificados”, avaliou Eliane.
“A ideia é que os profissionais de saúde que participarem dessas reuniões de discussão de casos sejam multiplicadores, e assim possamos nos aproximar das equipes da educação e da saúde, criando uma rede de atendimento”, explicou Lilian da Fonseca dos Santos, neuropsicóloga da equipe.
Para Eliane, outro ganho que o projeto traz é o interesse e consequente união entre Organizações da Sociedade Civil (OSC) que atendem diversas deficiências. “O Centro de Apoio e Integração do Surdocego Múltiplo Deficiente (CAIS) nos procurou para saber mais sobre o Gestão do Cuidado e está interessado em participar do projeto. Se conseguirmos chegar no fim do ano com serviços das entidades assistenciais unidos e levar o conhecimento sobre a área de DI para rede de serviços que é tão carente dessa necessidade, teremos um ganho substancial na qualidade do atendimento”, afirmou Eliane.
Encaminhamento
O encaminhamento de pacientes com suspeita de DI ou Transtorno de Neurodesenvolvimento, em geral, começa pela escola, quando a criança apresenta alguma queixa ou dificuldade de aprendizado, por exemplo. A escola encaminha para o Centro de Saúde, onde o paciente é avaliado pelo pediatra ou neuropediatra, e se for o caso, encaminha para a APAE, onde o paciente é acolhido e avaliado pela equipe.
Primeiramente, a assistente social avalia questões sociais relacionadas a vulnerabilidade, violência e outros. Há ainda o atendimento dos outros profissionais da equipe. Apesar de existir um protocolo de testes a serem aplicados, as avaliações são individualizadas de acordo com as demandas e o contexto de cada paciente.
Após as avaliações, a equipe se reúne para discutir os dados coletados sobre o caso e faz um relatório final que define o diagnóstico. Após esse processo, é feita uma devolutiva para a família, com as indicações e explicações sobre o diagnóstico. Todo esse processo cuidadoso e minucioso leva de três a quatro semanas para ser concluído.
A última etapa do trabalho do Gestão do Cuidado é o encaminhamento do paciente para o atendimento adequado. Se há vagas, os pacientes podem ser incluídos nos projetos da APAE, como no caso da estimulação precoce; encaminhados para o Centro de Saúde da região onde mora, para a rede de serviços ou para outras instituições especializadas. Nas escolas, salas de recursos e outras ferramentas podem ser providenciadas e utilizadas para auxiliar no desenvolvimento e aprendizagem. O relatório com todo o processo de avaliação diagnóstica sempre é enviado para a unidade de saúde de onde o paciente foi encaminhado.
Com todo esse cuidado em aprimorar a avaliação e compartilhar o conhecimento sobre o assunto com unidades públicas de saúde e educação, a equipe da APAE já percebe encaminhamentos mais focados e adequados. “O questionário que a escola preenche, por exemplo, ajuda a não confundir o comportamento da criança com questões pedagógicas.”, afirmou Eliane. Futuramente, o Gestão do Cuidado pretende monitorar e acompanhar os pacientes que passam pela avaliação e são encaminhados para os serviços de atendimento.
“Desde o momento que criança chega, é acolhida e atendida, ela está sendo estimulada e isso já traz benefícios para ela. Muitas vezes a criança vem passando por atendimentos que são processos desgastados, que muitas vezes ficam só no achismo. Quando se tem um diagnóstico preciso, o olhar fica mais qualificado e cuidadoso com a criança”, explicou Daniela Burckauser Beato, psicopedagoga.
Regiane Fayan, líder do programa Mobilização para Autonomia (MOB), do qual o Gestão do Cuidado faz parte, ressalta o impacto positivo e imediato que a iniciativa gerou. “Em 2018, quando conversamos com a diretora da APAE sobre essa fila de espera existente no município, fizemos a proposta de uma parceria para que pudéssemos diminuir a fila e aumentar a elegibilidade de pessoas com transtorno do neurodesenvolvimento e Deficiência Intelectual. O processo de cocriação do projeto, assessoramento e a ideia do matriciamento foram muito bem vistas pela rede e é um investimento que já está impactando positivamente. A ideia de ter um diagnóstico adequado não é apenas ter um olhar médico, mas sim possibilitar que as pessoas tenham acesso ao que for necessário para potencializar seu desenvolvimento. E, juntamente com outros projetos existentes no programa Mobilização para Autonomia para inclusão da pessoa com deficiência, propiciar a inclusão efetiva que a sociedade tanto necessita”, explicou.
Gestão do Cuidado
O Gestão do Cuidado é realizado em parceria com a APAE Campinas. É uma iniciativa do Programa Mobilização para Autonomia (MOB), da Fundação FEAC, que investe em soluções com o objetivo de assegurar a inclusão efetiva das pessoas com deficiência. Se dedica a romper barreiras para que as pessoas com deficiência possam participar da sociedade e exercer plenamente seus direitos.
Saiba mais: https://www.feac.org.br/mobilizacaoparaautonomia/