Matchfunding Enfrente contou com parceria de diversas fundações para investir recursos em projetos emergenciais em áreas de vulnerabilidade social
(Por Ingrid Vogl)
Como ajudar comunidades vulneráveis em momentos emergenciais? Este foi o desafio lançado pelo Matchfunding Enfrente, iniciativa da Fundação Tide Setubal, da qual a Fundação FEAC é parceira. O objetivo da ação foi destinar recursos a projetos das periferias com foco na prevenção e promoção do enfrentamento da Covid-19 nas regiões mais socialmente vulneráveis à doença.
Em Campinas, cinco projetos foram selecionados e participaram da plataforma de financiamento coletivo (crowdfunding) Benfeitoria, onde para cada real captado , mais R$ 2,00 eram doados, sendo R$1,00 da Fundação FEAC e R$1,00 pela Fundação Tide Setubal. Assim, cada iniciativa que conseguiu alcançar até R$ 10 mil pela mobilização de seus próprios parceiros e sociedade, levou o dobro do valor de match, chegando até a R$ 30 mil.
A resposta das iniciativas campineiras para o desafio lançado pelo Enfrente foi que com oportunidades, as comunidades são capazes de realizar ações emergenciais com impactos que geram superação e continuidade ao trabalho incessante de busca por melhorias.
“O Enfrente conseguiu muito rapidamente colocar recurso na mão das pessoas certas para fazer as coisas certas. A escolha de financiar projetos liderados por pessoas das próprias periferias não só fez com que as soluções encontradas tivessem maior impacto, mas também foi de grande contribuição para comprovar que as periferias são lugares de muita potência, criatividade e resiliência, que as próprias pessoas que vivem nos territórios sabem melhor do que ninguém como resolver os problemas sociais que vivenciam. O Enfrente proporcionou uma saída aos modelos que normalmente trazem soluções de fora para dentro das periferias. Os projetos financiados em Campinas são prova disso”, avaliou Arthur Goerck, líder do programa Desenvolvimento Local, da Fundação FEAC.
ReExistência é viver
O projeto “ReExistência é viver”, iniciativa da região do complexo que engloba o Parque Oziel, Gleba B e Monte Cristo foi o primeiro a subir para a plataforma e em menos de um mês, conseguiu ultrapassar a meta e arrecadar R$ 30.354,00.
Segundo Andrea Mendes, professora, artista e agente social que liderou a iniciativa, foi o acaso que a apresentou ao Enfrente. “Achei pela rede social, gostei do nome e fui me informar sobre”, disse.
Por meio do Enfrente, o “ReExistência é viver” , que tem a parceria da Central Única das Favelas (CUFA) ampliou sua atuação e passou a atender 300 famílias (aproximadamente 1 mil pessoas) da comunidade Matinha, que fica dentro do complexo, com a distribuição de alimentos, produtos de higiene e proteção individual e principalmente levando informações para conscientizar as pessoas sobre a importância da autoproteção e da prevenção contra a Covid-19.
Para potencializar a ação, Andrea contou com uma rede de solidariedade formada por dez lideranças femininas da região. A estratégia deu tão certo que as lideranças formadas por Andrea deram continuidade ao trabalho de busca de soluções e alternativas para os desafios da comunidade.
“A ação extrapolou a meta inicial e resultou em conscientização. As pessoas entenderam a importância de se emanciparem e terem ferramentas para irem atrás de seus direitos e serem protagonistas de suas próprias ações”, disse Andrea.
Alimente a Cultura
Outro projeto de Campinas que participou do Enfrente foi o “Alimente a Cultura”, que teve como objetivo levar cestas de alimentos para agentes da cultura que estão sem trabalho em tempos de pandemia, como seguranças de eventos, grafiteiros, cantores de rap e outros artistas da periferia campineira.
“Esta ação teve como objetivo ajudar os profissionais da cultura de Campinas que ficaram sem trabalho e renda durante a crise do Coronavírus”, explicou Andrea.
A iniciativa alcançou R$ 12.300,00 em arrecadações e a distribuição das cestas de alimentos para 100 famílias está sendo feita por fases, ainda em andamento.
Biblioteca Solidária
O livro transporta e transforma. Com essa afirmação sempre em mente, Alex Bahia teve a ideia de abrir seu acervo pessoal para empréstimos na região onde mora, Jardim Campo Belo, e criou o projeto “Biblioteca Solidária”.
Para isso, usou as redes sociais para divulgar sua iniciativa e as pessoas começaram a procurar as caixas de livros que Alex deixava na calçada de casa. “A ideia foi dar a oportunidade para pessoas que nunca tiveram acesso à literatura, já que livros são caros e na região, não há bibliotecas”, explicou.
A “Biblioteca Solidária” funciona toda sexta-feira, das 9h às 17h, e para emprestar os livros basta preencher um cadastro com nome, endereço e telefone. Não há prazo estipulado para a devolução dos livros, mas é importante que sejam devolvidos para que outras pessoas tenham oportunidade de acessá-los.
A preocupação com a higienização dos livros é constante, e para isso, Alex recebeu a orientação da coordenadoria da Biblioteca Municipal de Campinas. A cada devolução, o exemplar é higienizado página por página para que seja disponibilizado novamente. O empréstimo dos livros tem regras claras: uma pessoa por vez usando máscara e com as mãos devidamente higienizadas. Hoje o acervo da “Biblioteca Solidária” do Campo Belo possui cerca de 500 exemplares dos mais diversos temas.
Com a participação da “Biblioteca Solidária” no Enfrente, a iniciativa conseguiu bater a meta estipulada e arrecadou R$ 18.255,00. O valor foi investido na infraestrutura do projeto, que ganhou um espaço físico em frente à casa de Alex, com estantes, wifi e outros equipamentos, que permitiram a criação de outra ação relacionada ao projeto: a PandESIA – a Pandemia poética da quebrada (https://www.facebook.com/simborabahia). Na live, Alex convida agentes culturais de diversas áreas artísticas e lugares para um bate papo sobre cultura, literatura, periferia, machismo, racismos e outros assuntos.
Ao final do evento sempre há uma declamação poética. A repercussão é tão grande que a PandESIA chega a ter a participação de 3 mil pessoas em cada transmissão. “A live é uma maneira de terminar a semana de maneira positiva, é um momento de descontração e tem sido uma experiência bacana em que usamos a linguagem da quebrada e falamos com o mundo todo. A cultura deve ser respeitada sempre. Em um momento como o que estamos passando, ela é importante para que se mantenha a saúde mental”, disse.
#campobelomaisforte
Divino Sebastião da Silva é um morador da região do Campo Belo que sempre buscou ajudar a comunidade local. Foi por meio do projeto Instituto Gustavo, iniciativa criada pelo morador que atende adolescentes de 10 a 14 anos com aulas de futebol, que Divino resolveu participar do Enfrente criando o projeto “#campobelomaisforte”, para ajudar cerca de 80 famílias com cesta de alimentos e produtos de limpeza da região. Os beneficiados são pessoas autônomas ou desempregadas e que estão com dificuldades financeiras durante a crise da pandemia.
“Além da entrega dos kits de higiene e cestas básicas, também estamos fazendo um trabalho de orientação dessas famílias, informando sobre a importância da higiene e dos cuidados com a proteção individual e coletiva. Conversar com as pessoas foi o maior desafio do projeto. É um trabalho de formiguinha, mas tem dado certo e percebemos que as pessoas começam a mudar os hábitos, evitar aglomerações, como era natural no bairro. As famílias têm se preocupado em se proteger mais do Coronavírus”, disse Divino.
O “#campobelomaisforte” conseguiu arrecadar R$ 12 mil e as distribuições para as famílias estão sendo feitas por etapas entre agosto e setembro. ”Participar da plataforma foi uma experiência marcante, cheia de desafios, já que não tínhamos experiência nenhuma com arrecadação de recursos por meio de matchfunding. No início não tinha noção do impacto que o projeto teria na comunidade, mas com os depoimentos e retornos que tivemos, percebemos que conseguimos alcançar bons resultados não só ajudando com alimentos e materiais de higiene, mas principalmente, com conscientização e autocuidado”, afirmou Divino.
Seja um super herói da quebrada
Desde o início da quarentena, o Coletivo Vida Nova, iniciativa coordenada por Leopoldo Matias e que tem parceria com o grêmio estudantil da Escola Estadual Maria Helena Antonio Cardoso, se voltou para ações voltadas à prevenção e combate da Covid-19. A iniciativa conseguiu parcerias e doações de alimentos e produtos de higiene atendendo 100 famílias da região do Vida Nova, e foi ampliada com a participação no Enfrente, com a iniciativa “Seja um herói da quebrada”.
Com a arrecadação de R$ 14.820,00, o “Seja um herói da quebrada” conseguiu ampliar para 233 famílias atendidas com cestas de alimentos e produtos de higiene. Mas o resultado mais significativo da iniciativa aconteceu após a participação do projeto na plataforma do Enfrente. Com a divulgação do projeto nas redes sociais, a iniciativa começou a arrecadar ainda mais produtos, o que resultou no atendimento de 958 famílias atendidas em diversos momentos durante a pandemia.
“Participar do Enfrente foi um desafio, porque não tínhamos a experiência de doações financeiras. Mas uma coisa levou a outra e começamos a receber muitas doações de pessoas que começaram a ver nossa divulgação sobre a plataforma no Facebook e Instagram. Chegaram doações dos mais variados produtos: máscaras, carne, diversos tipos de alimentos perecíveis e não perecíveis. Teve até colomba pascal, que foi uma alegria para as famílias que não conheciam o produto. Atender quase mil famílias foi algo que não imaginávamos”, disse.
Para ajudar na divulgação e consequente arrecadação do dinheiro para o matchfunding, alguns projetos contaram com voluntários responsáveis pela comunicação nas redes sociais. “Meu trabalho foi organizar e criar conteúdo para as redes sociais durante os 30 dias em que a iniciativa esteve na plataforma. Apesar de termos conseguido arrecadar cerca de 50% da meta, tivemos um efeito colateral muito interessante que não foi contabilizado pelo Enfrente, que foi a chegada de muitas doações em espécie e isso permitiu o atendimento de muitas famílias. A estratégia usada para isso foi focar na divulgação para a região do entorno do bairro, e isso deu muito certo”, contou Marissol Pedrosa, que atua com planejamento de marketing e foi voluntária do “Seja um herói da quebrada”.
Apesar de não ter sido a primeira experiência com trabalho voluntário para Marissol, ela avalia como gratificante a experiência que continua a dar resultados para a comunidade. “Fiquei feliz porque mesmo depois da campanha, o Coletivo deu continuidade à linguagem de comunicação, aos vídeos com depoimentos e posts, replicando essa estratégia de comunicação para novas campanhas da ONG. Ter deixado um pouco do meu conhecimento e ter trazido o conhecimento deles para mim é muito gratificante. Chego à conclusão que na luta contra o Coronavius a única vacina que temos para hoje é a solidariedade, então esse trabalho que a FEAC faz hoje em parceria com outras instituições é a vacina mais eficaz. Que venham outras vacinas solidárias”, concluiu.
Para Dione Barbieri, analista de projetos da Fundação FEAC, participar do matchfunding trouxe uma nova experiência para os projetos das periferias. “A arrecadação de valores por meio da vaquinha coletiva fez com que muitos coletivos tivessem a oportunidade de se especializar e aprimorar suas ações por meio do subsídio financeiro. Espero que com essa aprendizagem as iniciativas passem a usar essa estratégia no seu cotidiano“, disse.
Matchfunding
De março a junho, 740 iniciativas de todo o Brasil foram inscritas no Matchfunding Enfrente, dos quais 265 foram publicadas na plataforma para captar doações. O recurso arrecadado pelas iniciativas das organizações periféricas veio de duas fontes: a mobilização nas redes sociais gerou captação direta na plataforma Benfeitoria de R$ 2.127.485 até 19 de junho.
Já o Fundo Enfrente, composto pela Fundação Tide Setubal, Fundação FEAC, Itaú Social, Instituto Galo da Manhã, Fundação José Luiz Egydio Setúbal, Fundação Arymax, Instituto Humanize, Instituto GPA, Instituto Arapyaú e Benfeitoria, distribuiu R$ 3.965.902,00, que, somados à captação direta, distribuiu R$ 6.348.387 para o combate às desigualdades periféricas.
Nova etapa
Em uma nova etapa, o Matchfunding Enfrente vai selecionar 15 projetos para receberem o financiamento coletivo. Desta vez, o objetivo é beneficiar projetos que permeiam questões sociais decorrentes dos efeitos da pandemia com foco em impactos de médio e longo prazo (até três anos). Cada projeto selecionado poderá receber até R$ 90.000,00 para o primeiro ano de suas ações. Os projetos poderão ser inscritos até o dia 30 de agosto.
Saiba mais: https://benfeitoria.com/canal/enfrente