(Por Ingrid Vogl)

Quando chega o momento de apresentar os alimentos para as crianças, um mundo de descobertas, cores, sabores e texturas se abre para os pequenos. Esta fase é especial na vida deles, já que a introdução alimentar pode ser o início de uma vida saudável ou não e trazer diversas consequências mais adiante.

Aliar a introdução alimentar à rotina das crianças em creches nem sempre é tarefa fácil. E é neste momento que a atuação e integração das famílias e da equipe de educadores das escolas de educação infantil é essencial para apresentar os alimentos de maneira saudável e prazerosa às crianças.

A escola de educação infantil Amigos da Crianças (AMIC) unidade Village, entidade parceira da Fundação FEAC, se deparou com o desafio de aprimorar a introdução alimentar há cerca de um ano. Para isso, promoveu, por meio do Programa Primeira Infância em Foco (PIF) da FEAC, formações com a equipe de profissionais e familiares das crianças matriculadas.

Segundo Leila Oliveira, pedagoga especializada em primeira infância e responsável pelas formações que foram desenvolvidas, percebeu-se na escola uma rejeição alimentar considerável a partir do que era oferecido. Eram crianças de 8, 9 meses que não aceitavam nenhum tipo de alimento.

A partir disso, foi feita uma análise para saber qual a origem da rejeição, já que se constatou que a questão não era somente relacionada ao preparo dos alimentos, mas também à falta de informação sobre o assunto para que a introdução dos alimentos fosse feita de maneira adequada.

Durante esta pesquisa para se descobrir a origem da rejeição, foram observadas três questões: a primeira foi que algumas crianças rejeitavam o tipo de comida que era oferecido pela instituição e, em alguns casos, a resistência era longa, de até dois dias.  A segunda observação foi relacionada à maneira de se preparar os alimentos na entidade. E o terceiro ponto foi a identificação da necessidade de conhecer como as famílias lidavam com a alimentação da criança em casa.

A partir disso, a instituição trabalhou em duas frentes: rever como os alimentos eram servidos na escola e como eles deveriam ser preparados com o objetivo de melhorar a aceitação, além de promover um encontro com os pais.

É de casa

A oficina com os pais surpreendeu a equipe de educadores, “Foi muito interessante, porque achamos que teríamos que comprar todos os ingredientes. Mas a comunidade se mobilizou e trouxe tudo o que cozinhamos juntos: desde mandioca, abóbora, hortifrútis, até banana e leite”, constatou Leila.

Os encontros foram divididos em turmas com pais de crianças menores (4 meses a 3 anos) e das maiores (3 a 5 anos e 11 meses), e os assuntos abordados foram como fazer a comida, higienizar, guardar os alimentos, dicas práticas de como extrair a proteína da carne, como fazer caldos e papas. A apresentação de uma tabela de como seria uma alimentação adequada antecedeu o momento em que foram produzidas receitas de pão, bolo, ricota. Os educadores também tiveram um encontro exclusivamente dedicado a eles sobre o assunto e o resultado foi a criação de um livro no qual estão reunidas receitas e todas as dicas para uma dieta rica em nutrientes para o crescimento saudável das crianças. Sempre que uma nova criança é matriculada na escola, a família recebe o livreto.

“Percebemos que sobre muitos alimentos, a família não tinha conhecimento dos nutrientes e de como poderiam ser preparados e preservados. Abóbora, por exemplo, é cultivada por várias famílias do entorno e dada apenas aos porcos. Não sabiam que o alimento é rico em nutrientes, fonte de betacaroteno, vitamina C, E, além de ter propriedades antioxidantes, entre outras. E pode e deve ser inserida na dieta das crianças”, explicou Leila.

Mudança de hábito

O resultado das orientações foi imediato. Logo, a equipe da Amic Village começou a receber relatos de familiares que mudaram hábitos alimentares e o preparo de alimentos em casa. Com dois filhos na creche, a professora Mirieli Silverio Araujo, lembra da praticidade com que foram ensinadas as etapas de preparo de receitas de papinhas para crianças.

“Durante a oficina foi ensinado o preparo de alimentos de uma maneira muito mais simples do que eu fazia.  Teve também a questão do sal, que crianças pequenas não precisam ingeri-lo. Mas o que mais me marcou foi saber que crianças precisam mastigar, para que o maxilar acione o cérebro. É assim que a alimentação influencia diretamente no desenvolvimento da criança. As mudanças que fizemos em casa foram muito bem aceitas pelos meus filhos e hoje, todos sentam à mesa para comer juntos. A hora da refeição ficou mais prática, saudável e prazerosa”, avaliou.

Na escola, muitos hábitos também foram mudados com relação aos alimentos, e a cozinha se transformou em um verdadeiro laboratório de experiências culinárias. Para que as crianças sintam melhor o gosto dos alimentos, hoje a papa é mais consistente. Os ingredientes são picados, congelados em saquinhos plásticos em quantidades ideais para a preparação futura. O espinafre, por exemplo, é picado e salpicado na papa. Desta forma, as crianças o aceitaram muito bem.

“Agora vamos experimentando quais as melhores formas de introduzir os alimentos no cardápio das crianças de maneira que elas os aceitem. É muito interessante, e descobrimos novas maneiras de cozinhar para elas todos os dias”, disse Elisangela Medeiros Bonfim, cozinheira da Amic Village.

E para experimentar, é essencial que o prato atraia o olhar, a vontade e a curiosidade da criança, com uma apresentação bonita.  “A partir de 1 ano, a criança começa a comer alimentos mais sólidos. Nada melhor do que um prato bem colorido, como por exemplo verde, vermelho, laranja. Quanto mais colorido o prato for, maior será a variedade de nutrientes”, explicou Denilze Ricciardelli, assessora técnica do programa Primeira Infância em Foco.

Saúde é o que interessa

O resultado dessas mudanças alimentares em casa e na creche, impactaram principalmente nas crianças. Segundo Amanda Verzaro, coordenadora pedagógica da Amic Village, as alterações nos hábitos trouxeram mais autonomia e cooperação entre as crianças, e menos sujeira na hora dos pequenos se alimentarem. Eles já se preocupam em não desperdiçar e em ter comida suficiente para que o amiguinho que está no fim da fila possa se alimentar.

“As crianças agora querem se servir sozinhas e se sentam juntas para comer. Isto está relacionado com o reconhecimento de pertencimento que elas têm como grupo na hora de se alimentar”, afirmou.

Os utensílios de plástico, propensos à proliferação de bactérias, foram trocados pelos de metal e por cumbucas de cerâmica, que evitam que a comida caia, como num prato raso. “Todas essas adequações foram feitas na creche para que a criança seja mais autônoma para comer e fazer suas escolhas.  E hoje elas se alimentam melhor, é mais prazeroso”, disse Amanda, que também frisa o impacto que a alimentação proporciona na saúde delas. “Conseguimos extinguir a rejeição total do alimento, as crianças não têm mais refluxo e muitas começaram a ganhar peso, sem falar na queda significativa no número de doenças como virose”, enumerou.

Com relação à introdução alimentar saudável, Leila chamou a atenção não só para os benefícios para a saúde física, mas também para a mental e intelectual. As crianças precisam comer os alimentos certos para se desenvolver e conseguir aprender. Além de que o comer é uma forma de ser autônomo, isto é, escolher o que vai para a boca e assim, fazer escolhas. E isto está relacionado, no futuro, à prevenção de distúrbios da oralidade, como o uso de drogas e álcool.

“Nos três primeiros anos de vida é que se forma a memória gustativa e isto é iniciado ainda na barriga da mãe. O que a gestante come e o que ingere quando está amamentando diz muito sobre os hábitos que a criança vai adquirir. Dependendo de como a introdução alimentar for feita, é possível fazer com que a criança aceite quase todos os grupos de alimentos. E assim ela vai criando sensibilidade ao sal, ao açúcar etc. E a questão da tolerância é vencida com o tempo, com a insistência. A criança também aprende a aceitar melhor os alimentos em grupo, com a experimentação. É claro que esta introdução deve ser feita de forma sempre respeitosa, para que a criança se sinta bem”, explicou Leila.

Outro cuidado que a instituição toma é o diálogo constante com familiares e os profissionais da área médica que orientam os pais sobre a alimentação das crianças, já que existem diversas propostas de introdução alimentar. O objetivo é evitar conflitos e entender melhor como comer e fazer a introdução dos alimentos e as adaptações necessárias para que o pequeno se sinta bem. Respeitar a cultura e a origem familiar da criança, já que muitas vêm de outras regiões do país, como o Nordeste, também é uma premissa da Amic Village.

Com um olhar único para cada criança e partindo-se do princípio de que hábitos são criados com o tempo, os educadores da creche têm o desafio constante de introduzir os alimentos de maneira saudável e gostosa. Assim, a conquista é prazerosa e o crescimento saudável dos pequenos fica garantido.

Confira 10 dicas para a introdução alimentar: revistacrescer.globo.com

Saiba mais sobre a Amic: www.amic.org.br