(Por Ingrid Vogl)

Atender o adolescente olhando para suas demandas e interesses e incentivar suas capacidades. Este é o objetivo do Centro de Orientação ao Adolescente de Campinas (Comec), entidade parceira da Fundação FEAC que é referência nacional no atendimento ao adolescente autor de atos infracionais. Os adolescentes são encaminhados judicialmente para a entidade pela Vara da Infância e Juventude para o cumprimento de medida socioeducativa, neste caso de Liberdade Assistida (LA), conforme previsto no artigo 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Criado em 1980, o Comec desenvolveu metodologias pioneiras de trabalho com adolescentes em conflito com a lei 10 anos antes mesmo da criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA- Lei nº 8.069-1990) e do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE- Lei nº 12.594-2012), que  formaliza as ações da entidade e determina critérios para o atendimento de medidas socioeducativas.

Segundo Marili Foltran, coordenadora geral do Comec, antes mesmo da promulgação do ECA, a entidade desenvolveu estratégias para atender os adolescentes e jovens e tornaram-se precursores em vários aspectos do atendimento de medidas socioeducativas em meio aberto, como na construção do Plano Individual de Atendimento (PIA). O Plano é elaborado juntamente com o adolescente e sua família através do qual são traçadas várias metas – baseadas em seu histórico e nas necessidades e interesses que deverão ser realizados enquanto está sendo cumprida a medida socioeducativa.

Na elaboração do PIA, são planejadas ações e metas com o objetivo de afastar o adolescente do ato infracional e prevenir sua reincidência. A análise é feita caso a caso, e as possibilidades de ações para o cumprimento da medida de Liberdade Assistida permeiam a escola, profissionalização, atendimento presencial na entidade e cursos em instituições parceiras.

“Tudo depende da rotina do adolescente. Muitos deles chegam aqui fora da escola e nós fazemos esse encaminhamento, porque esta é uma premissa estipulada pelo ECA”, explicou Larissa Mazzotti Santamaria, coordenadora do serviço de Liberdade Assistida do Comec.

Dentro do atendimento individualizado, existem estratégias individuais e coletivas para se alcançar os objetivos do PIA. É aí que entra a participação da família e também o desenvolvimento de oficinas coletivas com os adolescentes.

É por meio do PIA que o poder judiciário acompanha e monitora o andamento do cumprimento das medidas e determina se o adolescente deve sair no tempo inicialmente estimado ou prolongar a permanência para o cumprimento integral de suas metas.

“Quando houve a legalização dos critérios para realizar o Plano de Atendimento Individualizado, para nós não foi novidade porque sempre olhamos cada adolescente como único e construímos algo no Plano que faça sentido para ele. O que mudou foi o jeito de escrever o plano, já que o documento se transformou em um relatório que o juiz acompanha”, afirmou Larissa.

Atualmente, o Comec conta com dois serviços distintos: o de Liberdade Assistida (LA) e o de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC). De acordo com o ECA, o adolescente pode permanecer em cumprimento de medida socioeducativa por um período de 6 meses a 3 anos. Cabe ao poder judiciário decidir se o adolescente irá cumprir a medida por meio do LA, do PSC ou os dois concomitantemente. Neste caso, a medida é chamada de cumulativa.  (Saiba mais no box).

Na opinião de Natália Valente, assessora técnica do Departamento de Assistência Social da FEAC, ressignificar a vida do adolescente, entendendo a sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, deve ser um dos objetivos principais das medidas socioeducativas e neste sentido, as instituições executoras precisam buscar estratégias para alcançar suas metas, assim como o Comec, que desenvolve suas ações com o foco nos adolescentes, entendendo-os como sujeito de direitos. “O PIA é um dos instrumentos que ajudam a traçar de forma intersetorial, com envolvimento do próprio adolescente, sua família, profissionais das executoras e principalmente os serviços das políticas de assistência social, educação, saúde, entre outras, para que se tenha êxito nas ações propostas”, afirmou.

Acolhimento

Segundo Larissa, um dos grandes diferenciais do Comec é a maneira como o adolescente é recebido na entidade. A equipe de apoio é preparada para receber e interagir com o adolescente em sua individualidade, desde sua recepção, passando pela merendeira e chegando à toda equipe multidisciplinar. O olhar para cada um dos adolescentes e sua história de vida é o que norteia o trabalho da entidade.

Segundo Marili, o ato infracional cometido pelo jovem não é desconsiderado, mas é algo que faz parte do contexto histórico de sua vida.  “O ato infracional denuncia que muitas coisas falharam com este jovem dentro da política pública de atendimento em vários aspectos. E o que se tenta aqui é identificar quais foram estas falhas e ressarci-lo de algo que ele possa estar pedindo. Essas necessidades podem estar conectadas a arte, educação, profissionalização, entre outros. No Comec a gente tenta junto com o jovem fazer um caminho inverso:  mostrar que ele tem capacidade e potencial para desenvolver várias coisas positivas e que existem outros caminhos a serem trilhados”, afirmou Marili.

Neste sentido, a presença e participação da família no cumprimento da medida socioeducativa é fundamental. A família é convidada a participar da construção do PIA e tem sua parcela de responsabilidade em ajudar, monitorar e apoiar o adolescente a cumprir a medida e ter metas para o futuro.

Como mãe de um jovem em cumprimento de medida socioeducativa, LMB   faz sua parte. Ela participa há cerca de três anos de um dos projetos desenvolvidos no Comec, o Maria Retalho. A ação visa atender as mulheres responsáveis pelos adolescentes, que por meio de oficinas de costura e patchwork vivenciam experiências empreendedoras. “Participar deste grupo foi uma ótima coisa que aconteceu na minha vida. O artesanato é como uma terapia para mim e me ajudou quando tive sérios problemas em minha casa e temia por minha saúde mental. Aprendo muita coisa aqui dentro”, disse.

Conexão em rede

Para que o jovem seja atendido em sua integralidade, o cumprimento da medida é altamente conectado com a rede de serviços públicos e privados, que conta com equipamentos como escolas, unidades de saúde, instituições que oferecem cursos profissionalizantes, centros culturais, serviços de assistência social como os Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, entre outros. O trabalho em rede é fundamental para que a medida socioeducativa seja concluída com sucesso e é um pressuposto do ECA.

No ano passado, 73,31% dos adolescentes chegaram ao término do cumprimento da medida, neste caso a de LA    no Comec, o que é considerado um alto índice. Isto significa que avançaram em seu PIA. “Aqui entendemos que o adolescente não é exclusivo do Comec e não conseguimos resolver todos os problemas sem o trabalho de cada instituição que forma a rede”, afirmou Larissa.

Além das atividades de retorno ao convívio social que são realizadas nos diversos equipamentos que atendem o adolescente em cumprimento de medida do serviço de Liberdade Assistida, o atendido frequenta pelo menos uma vez por semana o Comec para realizar atividades variadas como culinária, grafite, rap, que são definidas de acordo com interesse deles, mas também são criadas ofertas pela equipe multidisciplinar que visam estimular o jovem a desenvolver suas capacidades.

O adolescente também tem tarefas a serem cumpridas que estão estipuladas em seu PIA, como por exemplo, regularizar ou emitir alguma documentação pessoal, que pode ser o RG, carteira de trabalho, título de eleitor, entre outros.

“A medida olha para o todo e vamos fazendo apostas que possam despertar algum interesse ou habilidade do jovem por meio das oficinas. A partir do momento que alguma atividade ou conhecimento faz sentido para ele, a gente consegue entrar na vida do adolescente para buscar a interrupção da trajetória infracional”, explicou Larissa.

Meta para o futuro

No Comec, todos os ambientes são decorados com grafites e outras expressões artísticas feitas pelos próprios adolescentes atendidos. Em um deles, um grupo de jovens se concentrava em desenhar e recortar moldes de diversas figuras que serão grafitadas em camisetas. “Ficar aqui aprendendo algo novo é melhor que estar lá fora com as tentações do mundo”, disse PJMJ, 18 anos, que cumpre medida de 6 meses.

MNF, 18 anos, explicou que a cada semana aprende-se uma atividade diferente. A que ele mais se identificou até agora foi a oficina de culinária, onde o grupo fez pirulitos de chocolate. Ele conclui sua medida de 6 meses em maio com todas suas metas e tarefas do PIA alcançadas e já pensa em seu futuro. “Minha meta agora é trabalhar. Começo como jovem aprendiz no Ceasa em alguns dias. Aqui aprendi a ter mais respeito, ser honesto e a esquecer as coisas ruins que já aconteceram”, disse.

Hoje, o serviço de LA atende 180 adolescentes das regiões Sul, Leste e Norte de Campinas/SP. Eles possuem de 12 a 18 anos, mas  pode chegar a 21 anos devido ao tempo da medida que vai de 6 meses a 3 anos. Em sua maioria, são meninos de 16 a 18 anos que possuem distorção de idade/série ou chegam até a entidade sem frequentar a escola. Os principais motivos de entrada na medida Liberdade Assistida são tráfico ilícito de drogas, roubo qualificado e roubo. A outra entidade que oferece o serviço de Liberdade Assistida nas demais regiões de Campinas é a Sociedade Educativa de Trabalho e Assistência (SETA).

Comec

O Comec foi criado há 37 anos com a missão de atender adolescentes de 12 a 18 anos e seu grupo familiar por meio de projetos educativos e culturais específicos em uma perspectiva de desenvolvimento pessoal e social, promovendo a cidadania.

Atualmente, a entidade desenvolve dois serviços: a Liberdade Assistida, que tem como objetivo possibilitar que o adolescente desenvolva habilidades para o exercício da cidadania com foco na interrupção da trajetória infracional e o serviço de  Prestação de Serviço à Comunidade (PSC)  que visa proporcionar ao adolescente o exercício de  responsabilidade e cidadania a partir de suas aptidões e assim efetive a prestação de serviços variados à comunidade.

O Comec desenvolve por meio de seus serviços três projetos que se destacam: “Ressignificando o mundo do trabalho: adolescência e medida socioeducativa em meio aberto; Maria retalho e Vida em outras cores”.

Saiba mais sobre o Comec: www.comec.org.br