Profissionais do mundo corporativo têm muito a compartilhar com jovens e pessoas com deficiência que estão iniciando suas carreiras. Faltam, porém, oportunidades para o diálogo acontecer. A proposta do Via Conexão é conectar mundos diferentes por meio da mentoria voluntária, com foco em jovens em situação de vulnerabilidade social e pessoas com deficiência. Assim, o mentor contribui para o desenvolvimento pessoal desse público e o ajuda a construir um plano de carreira.

O projeto nasceu em 2020 e começou a ser executado pelo PontoSocial, iniciativa que promove, por meio da tecnologia, a inovação social como ferramenta de impacto, em parceria com a Fundação FEAC, no desafiador cenário da pandemia. Até por isso, já nasceu 100% virtual.

“O Via Conexão começou como um projeto-piloto em 2020. Nesta segunda edição, tivemos um número de inscritos maior do que o número de vagas, e profissionais de 14 empresas diferentes estão participando como voluntários nesse momento”, diz João Paulo Campos, cofundador do PontoSocial.

Os interessados preenchem uma ficha de inscrição e passam por um processo de seleção. Foi o caso de Márcio de Santana Pinheiro, 43 anos, que trabalha com tecnologia da informação. Ele encontrou no Via Conexão uma oportunidade de contribuir com a sociedade mesmo à distância, e já participou de duas edições.

As mentoria são individuais e possuem duração de três meses, uma vez por semana, em uma plataforma específica do projeto. Na primeira edição, 27 jovens passaram pelo processo entre agosto e novembro. Atualmente, 35 jovens participam da segunda edição, que começou em março e vai até junho.

Após a primeira experiência, Márcio se inscreveu novamente. “Cada mentoria é totalmente diferente”, ele analisa.

“Cada pessoa é única. Temos as orientações, mas quando você está com o jovem, cheio de sentimentos e sonhos, percebe que não tem fórmulas, é uma construção.”

Márcio de Santana Pinheiro, mentor do Via Conexão


 

O Via Conexão conta com cinco organizações parceiras: Casa Maria de Nazaré, Guardinha, Fundação Síndrome de Down, Adacamp e Sorri Campinas. Elas são essenciais para que o projeto chegue até os beneficiários e eles possam se inscrever.

“A mentoria não tem um fim por si só, ela é uma etapa de outros projetos”, explica Camila Stefanelli, líder do Programa Cidadania Ativa. “As organizações parceiras já realizam um acompanhamento socioemocional com estas pessoas em outros projetos. E o mentor vem para complementar, tirar barreiras. O jovem ou a pessoa com deficiência, muitas vezes, não tem acesso a um profissional de uma grande empresa, por exemplo.”

Do outro lado, o mentor também é impactado. É o que observa Shirley Schneider, fundadora do Instituto Joule, que também realiza mentorias voluntárias. Ela reflete que, em projetos assim, a jornada de autoconhecimento é vivida por ambos: “O mentor relembra tudo o que já vivenciou, se espelha no jovem e acaba sendo mais grato pelo que passou. Além disso, ele tem uma vivência com um jovem em uma situação totalmente diferente. É uma troca muito rica.”

Autoconhecimento e ação

Os mentores recebem uma formação da equipe técnica do PontoSocial nos dois meses iniciais e, durante todo o projeto, há suporte e troca de experiência entre os voluntários. “O Via Conexão contribui para que os voluntários pratiquem e desenvolvam habilidades e competências importantes como empatia, comunicação e liderança”, reforça João Paulo, do PontoSocial.

O mentor Márcio conta que aprendeu a importância de ensinar pelo exemplo e a respeitar qualquer que sejam os sonhos dessa juventude. “Se lida com jovens, a gente lida com sonhos. Somos só um direcionador. Não podemos falar que o desejo deles é imaturo ou absurdo. Para eles, não existe isso. A partir dos sonhos, a gente vai construindo uma realidade possível com eles.”

A mentoria voluntária é dividia em três blocos: Quem eu sou? Onde estou? Para onde eu vou? A proposta é, no primeiro momento, estimular o autoconhecimento dos jovens e pessoas com deficiência, entender seus sonhos e, depois, estipular metas e construir um plano de ação em conjunto, a curto, médio e longo prazo.

Márcio identifica a dificuldade de alguns jovens em acreditarem em si. “Às vezes, a gente pede para ele falar sobre elogios que já recebeu, e ele fala das críticas”, observa. “A proposta dessa semana vai ser trabalhar seus pontos fortes.”

Um dos principais desafios dos mentores é exatamente lidar com a falta de autoconfiança dos jovens em situação de vulnerabilidade e das pessoas com deficiência, que não se sentem capazes. “Em cada uma das 12 sessões de mentoria é trabalhado um tema diferente, em uma trilha de reflexões que começa justamente com aspectos ligados ao autoconhecimento”, explica João Paulo.

Ampliando horizontes

Durante a trilha, o mentor busca ampliar o mundo de possibilidades do mentorado. “Não é nosso papel apontar uma escolha, mas mostrar os caminhos”, destaca Márcio. O seu primeiro mentorado foi Ricky Ertel dos Santos, de 15 anos. Muito conectado à religião, Márcio conta que o sonho do jovem era seguir uma carreira religiosa. O mentor, então, levou como convidado de uma sessão um ex-seminarista, seu colega de trabalho, para que ele compartilhasse a sua experiência.

“Eu falei para ele [o Ricky] dar tempo ao tempo e se preparar para que, no futuro, tenha discernimento se esse é mesmo o seu sonho. E, se ele tiver certeza, já vai ter subsídios importantes, como uma formação universitária, saber falar inglês e experiência de trabalho”, explica Márcio.

Ricky, por sua vez, relembra com carinho a experiência com o mentor: “Não era apenas uma conversa com um profissional, era com um amigo, alguém que estava ali não somente por obrigação, mas se dedicando para que a minha decisão profissional fosse tomada com maior auxílio”.

Após a mentoria, ele se inscreveu em um curso técnico em logística, que cursa atualmente junto com o Ensino Médio. Em relação à vida profissional, ele tem algumas ideias, como ser um religioso, trabalhar com gestão empresarial ou ser professor de português. Porém, agora ele se vê com mais conhecimentos e menos pressa para fazer escolhas: “[A mentoria] trouxe uma experiência forte de mudança para mim. Agora me vejo como um católico que busca viver sua vocação atual, que é a de estudante.”

Por Laíza Castanhari