Projeto ‘Lab Inclusão’ propõe por meio de uma nova metodologia a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho
(Por Ariany Ferraz)
Inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho com qualidade e efetividade. Foi com esse objetivo que a Fundação FEAC promoveu um evento em Campinas que reuniu pessoas com deficiência, empresas, organizações da sociedade civil, poder público e outras instituições para apresentar o projeto ‘Lab Inclusão’. Realizado na Faculdade Mackenzie no final de setembro, o evento contou com a parceria da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH) e mobilizou pessoas e mais de 20 empresas para o tema inclusão no mercado de trabalho, foco do projeto ‘Lab inclusão’.
A iniciativa tem sua proposta fundamentada na metodologia do Emprego Apoiado para aumentar a empregabilidade e incluir as pessoas com deficiência no mercado de trabalho. O projeto do programa Mobilização para Autonomia (MOB) da Fundação FEAC conta com a parceria das instituições Sorri Campinas, que realiza a inclusão de pessoas com deficiência acima de 18 anos via CLT, e Associação de Educação do Homem de Amanhã (AEDHA) – Guardinha, que executa a Aprendizagem Profissional para jovens de 16 a 24 anos.
“A pessoa com deficiência precisa de um trabalho que seja realmente inclusivo, que tenha qualidade e dê a ela a oportunidade de ser cidadã, de ter renda e qualidade de vida como qualquer outra pessoa”, observou Roberta Nunes, gerente de regionais da ABRH SP. Ela acredita que todos precisam estar abertos a essa oportunidade, tanto as famílias, para entender e apoiar a necessidade do trabalho, quanto empresas que têm a capacidade de incluir.
Vanessa Mota, analista de recursos humanos, interessada na iniciativa, relatou que muitas das dificuldades de acessibilidade, acolhimento e apoio, podem ser superadas quando se pode contar com uma instituição parceira com expertise, que orienta o trabalho para que os apoios possam ser desenvolvidos. Para a participante Maristela Alejandra, da CCl Indústria, também interessada em conhecer de perto o projeto, foi “mais uma oportunidade de estar trabalhando a inclusão”.
“Como estamos em constante aprendizagem e buscando novos conhecimentos, queremos levar novidades com a meta de ampliar o quadro de pessoas com deficiência que trabalham na empresa, para não ser só a questão de cota e ir além disso, levar diversidade”, revelou Daniela do Santos, assistente de recrutamento e seleção na Stoller. Ela que vivencia e abraça a causa, conta que uma deficiência não é fator limitante no desenvolvimento da função.
“É uma realidade e é necessário trabalhar com nossos gestores para que entendam a importância. Nós não procuramos apenas uma pessoa com deficiência, procuramos um profissional com deficiência que vai agregar tanto quanto qualquer outro profissional”, enfatizou Tatiane Alcon, analista de seleção da Gi Group Consultoria de RH.
Legislação e responsabilidade social
“É para dar dignidade a esse trabalhador e uma oportunidade para que ele possa desenvolver de forma plena toda a sua potencialidade naquele meio.Para que isso aconteça algumas barreiras devem ser quebradas, principalmente a atitudinal”, pontuou a procuradora Danielle Olivares do Ministério Público do Trabalho (MPT) em Campinas. Ela citou a constituição, reforçando o significado e valor do trabalho para a pessoa, além de falar da Lei Brasileira de Inclusão (LBI) que ressalta a obrigatoriedade de garantir a acessibilidade no meio ambiente laboral. Ainda criticou alguns comportamentos quando as empresas criam dificuldades muitas vezes por preconceito, menosprezando a capacidade da pessoa com deficiência de desenvolver um trabalho de qualidade.
Durante o evento foram apresentados dados do mercado de trabalho que chamaram a atenção para a realidade de Campinas. São mais de 153 mil pessoas com deficiência em idade economicamente ativa na cidade, segundo o último Censo. Ainda, somente 3,2 mil pessoas foram contratadas sendo que 51,1% das cotas foram preenchidas em 2015 de acordo com a RAIS (Relação Anual de Informações Sociais) do Ministério do Trabalho e Emprego. O cenário ideal seria que todas as empresas do município com mais de 100 funcionários cumprissem a Lei de Cotas, atingindo a estimativa de mais de 6 mil pessoas contratadas.
Convidado para falar das questões legais, José Carlos do Carmo, Auditor Fiscal do Trabalho e Coordenador do Programa de Inclusão da Pessoa com Deficiência da SRTE/SP explicou a questão das cotas e a fiscalização. A Lei de Cotas, n° 8.213/1991, determina que todas as empresas brasileiras com mais de 100 empregados são obrigadas a contratar um percentual de pessoas com deficiência (de 2% a 5% do total de funcionários). O não cumpirmento resulta em multas. “Não é um ato de caridade, é uma obrigação legal. As empresas devem incluir e oferecer as condições de trabalho”, destacou José.
Uma outra alternativa apresentada foi o Projeto Piloto de Incentivo à Aprendizagem Profissional, que permite firmar um Termo de Compromisso com o Ministério do Trabalho e Emprego adiando a cobrança da multa relativa a Lei de Cotas caso as vagas não sejam preenchidas. Possibilitando inserir pessoas com deficiência nas vagas de aprendizes, por dois anos, e contratação no final da experiência.
Emprego Apoiado
Para viabilizar a inclusão qualificada, a metodologia do Emprego Apoiado é uma forma inovadora e eficaz que é executada por profissionais capacitados. No projeto, as equipes das instituições participaram de um curso e imersão presenciais com consultores especializados do Instituto de Ensino e Pesquisa da Apae de São Paulo/SP. O Emprego Apoiado promove a inserção de forma assistida, incluindo primeiro para depois capacitar. Com foco na pessoa, são trabalhadas as individualidades, potencialidades e habilidades, tudo com acompanhamento individualizado, desenvolvendo, posteriormente, competências técnicas e adequações desde acessibilidade dos espaços, artefatos e relações sociais.
Para falar sobre essa tecnologia social, Flávio Gonzalez, psicólogo e supervisor do serviço de qualificação e inclusão profissional da APAE de São Paulo,esclareceu sobre o funcionamento, importância e benefícios do método. Ele afirma que quando a inclusão é adequada são gerados impactos resultando na produtividade e maior estabilidade. “Muitas inclusões não dão certo por falta de um trabalho pós-colocação, de apoios que façam com que a inclusão realmente aconteça, pois muitas vezes a pessoa está contratada, mas não está incluída”, alertou.
Sobre os desafios ele indica que primeiro é preciso mudar a mentalidade das pessoas, famílias e organizações. “Toda pessoa pode trabalhar desde que sejam oferecidos os apoios. É quebrar barreiras e paradigmas. A gente precisa parar de procurar a pessoa pela deficiência e sim pelo seu perfil e habilidades”, constatou Flávio.
A metodologia é indicada principalmente para o público com deficiências mais severas, mas muitas vezes as empresas acabam procurando as situações mais “fáceis”, com quadros mais leves, revelou o psicólogo. “Muitas vezes as empresas não optam por grupos com outras deficiências como a intelectual por achar que vai encontrar muitas dificuldades. A metodologia vem para atender pessoas com quadros mais complexos e é esse público que muitas vezes é discriminado no mundo corporativo”, observou Flávio.
“A proposta do projeto é justamente trazer uma metodologia que há anos tem dado muitos resultados positivos em países como Espanha, Canadá, Portugal e EUA, sendo inclusive reconhecida como política pública.E estimular que muitas pessoas com deficiência que necessitam de apoio neste início tenham chances de acessar o mercado de trabalho e de estarem num ambiente corporativo de forma assertiva”, avaliou Regiane Fayan, líder do Programa MOB.
Segundo ela, as entidades Guardinha e Sorri Campinas – parceiras executoras do projeto – estão preparadas para atender as pessoas com deficiência e as empresas e contribuir com a expansão do cenário de inclusão no município de Campinas.
Lab Inclusão
Para a Sorri Campinas, que recentemente começou a trabalhar com a metodologia, os resultados têm sido perceptíveis. Ester Barros, Coordenadora Pedagógica da instituição, conta que a capacitação foi fundamental para alinhamento das ações e aperfeiçoamento do trabalho. “O processo tem sido excelente e estamos contando com muitos apoios, inclusive das famílias. O grande desafio é que as empresas vão ter que entender um pouco mais esse novo olhar”, avaliou.
Representantes da Guardinha explicaram também sobre o progresso do trabalho e a Aprendizagem Profissional. Estiveram presentes alguns jovens que compartilharam os benefícios do trabalho para suas vidas, como Whinderson Calazans, 17 anos, que já está empregado. “Agora eu posso ajudar minha família, me sinto realizado e posso ter minha renda. E conforme a empresa cresce, eu cresço junto e aprendo muitas coisas novas”, comentou. Já Lucas Souza, 18, também contou que a experiência foi muito boa. “Eu estou me desenvolvendo bastante como pessoa e como profissional”, comemorou.
Os novos colegas com deficiência recém-chegados também acompanharam o evento e já compartilharam as expectativas. “Antes da Guardinha eu só estudava. Agora eu quero buscar um serviço para ter experiência e no futuro eu quero fazer faculdade de arquitetura”, revelou Marcos Paulo,18. Já a Maria Luiza, 19, contou que gosta muito de estudar e está aproveitando bastante a Aprendizagem que ainda possibilita fazer novos amigos.
O evento contou com a participação de Ariane Cerqueira, que há 3 anos trabalhando na Nespresso conta com o acompanhamento e suporte do Emprego Apoiado. “Eu tenho uma filha de 1 ano de idade e estou noiva. Levanto cedo e todo dia tenho meu serviço, vai fazer 3 anos, já vou pegar férias e estou muito feliz”, disse. Marinalva Brito, mãe de Ariane, falou com muito orgulho da filha e aproveitou a oportunidade para encorajar outros pais a incentivarem a autonomia e acreditarem no potencial de seus filhos.
O Programa Mobilização para Autonomia (MOB) é uma iniciativa da Fundação FEAC que investe em soluções com o objetivo de assegurar a inclusão efetiva das pessoas com deficiência. Se dedica a romper barreiras para que as pessoas com deficiência possam participar da sociedade e exercer plenamente seus direitos.