A Assistência Social teve seu reconhecimento como política pública com o advento da Constituição Federal de 1988 que estabelece em seus arts. 203 e 204 um padrão de proteção social aos beneficiários enquanto política de garantia de direitos humanos.

Importante compreender que a Assistência Social não “nasce” com a Constituição Federal de 1988, ela existe anteriormente, mas com uma noção de ajuda ou favor, alcançando nesse marco legal, o status de política social, convergindo ao campo dos direitos, da universalização dos acessos e da responsabilidade do Estado.

Seria ingenuidade pensar que as políticas sociais, sozinhas, conseguem reverter a ordem societária imposta até então, de uma sociedade que atribui, exclusivamente às pessoas, a responsabilidade por sua situação de vulnerabilidade e risco, enquanto uma disfunção pessoal do indivíduo. As políticas públicas, em especial de assistência social, trazem possibilidades de construir com os usuários novas formas de resistência e enfrentamento a esse Sistema, incluindo nas pautas de discussões suas demandas e possibilidades de participação social.

Outras normativas posteriores, entre elas a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), Política Nacional de Assistência Social (PNAS) – 2004, Sistema Único de Assistência Social (SUAS) – 2005 e a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais – 2009 ampliam os “usuários” da Assistência Social, na perspectiva de superar a fragmentação por segmentos (crianças, adolescentes, idosos, pessoas com deficiência, entre outros). Nesta concepção, evidenciam-se condições de vulnerabilidades associadas a um quadro de necessidades objetivas e subjetivas, nas quais se somam dificuldades materiais, relacionais e culturais que interferem na reprodução social das famílias. Trata-se de uma concepção multidimensional de pobreza, que não se reduz às privações materiais, alcançando diferentes planos e dimensões da vida dos cidadãos.

Para a superação dessa fragmentação na oferta da Assistência Social é necessário que o poder público e a sociedade civil – por meio de serviços, programas, projetos e benefícios socioassistenciais – tenham como base a Proteção Social, que em articulação com as demais políticas do campo social, sejam dirigidas a uma estrutura de garantia de direitos e de condições dignas de vida.

Há um elemento inovador na proteção social de Assistência Social que é o reconhecimento de situações de desproteção social, isto é, identificar situações que possam levar indivíduos e suas famílias a situações de vulnerabilidades e risco social (falta de acesso a renda ou serviços públicos – dimensão material de vulnerabilidade; ou características sociais e culturais são desvalorizadas ou discriminadas – dimensão relacional da vulnerabilidade), superando a concepção de que se atua nas situações só depois de instaladas.

Outra normativa no campo da Assistência Social que vem ao encontro à Proteção Social é a Resolução do Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS 034/2011, que define a Habilitação e Reabilitação da Pessoa com Deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária. Em seu art. 2° fica explícito o que cabe à Assistência Social “… ofertas próprias para promover o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, assim como a autonomia, a independência, a segurança, o acesso aos direitos e à participação plena e efetiva na sociedade”.

A Resolução traz exatamente o que está previsto na política de Assistência Social, o de possibilitar também às pessoas com deficiência o mesmo direito ao convívio que aos demais usuários desta política: possibilidade de acesso aos serviços, programas e benefícios, respeitando o que a Dirce Koga (KOGA, 2012) denomina como territórios vividos, entendendo que a convivência se estabelece em diferentes âmbitos, nos próprios territórios, no interior das famílias, nos serviços públicos, e que esse convívio pode ser um espaço em que as relações sociais se fortalecem ou se fragilizam.

A responsabilidade da política de Assistência Social deve ser a de estabelecer espaços de convivência capazes de desenvolver potencialidades e assegurar aquisições que fortaleçam vínculos familiares e vínculos sociais mais amplos e necessários ao exercício de cidadania. E esse fortalecimento amplo, com a perspectiva da habilitação e reabilitação à vida comunitária, não se dará com atendimentos que favorecem a segregação e a segmentação, com atendimentos “exclusivos” somente de pessoas com deficiência, principalmente com uma única deficiência, barreiras atitudinais dos profissionais da rede socioassistencial em incluir as pessoas com deficiência nas ações diárias da instituição ou fazer a “inclusão” no serviço, mas em atendimento separado para esse público, ou a não disponibilidade de profissionais de apoio para casos específicos.

Consequentemente, há um grande desafio para essa política e seus profissionais de que, segundo Stella Ferreira (2012), “quando publicamente se reconhece um direito, há um reposicionamento nas relações e na atenção àquela dada questão, que agora adquire outra visibilidade”. E esse direito se concretiza por meio da prática e vivência cotidiana dos profissionais. Sendo assim, é a alteração das práticas que irá consolidar os direitos em sua garantia e potencializar espaços de participação social para exigibilidade destes direitos.

 Ana Lídia Manzoni Puccini – Graduada em Serviço Social (2001) e Pós-Graduada em Políticas Públicas e Processo de Gestão (2006) pela Instituição Toledo de Ensino de Presidente Prudente/SP. Atuou na Secretaria Estadual da Criança e Adolescente do Paraná entre 2006 e 2009 em programa estadual voltado a Proteção Social Especial de Alta Complexidade – acolhimento institucional e familiar de crianças e adolescentes. Atualmente, é supervisora do Departamento de Assistência Social da Fundação FEAC e atua com consultorias e assessorias sobre a política pública de assistência social.