(Por Laura Gonçalves Sucena)

É sempre a mesma coisa: a criança se frustra quando recebe um não de um adulto e começa a chorar ou fazer birra. Nessa hora, muitos pais não sabem o que fazer e acabam cedendo às vontades ou tentam de alguma maneira driblar o choro dos pequenos. Para falar de situações desse tipo, a Escola de Educação Infantil Santa Rita de Cássia promoveu a palestra ‘Amor com limites é possível’, com o psicoterapeuta Iuri Capelatto.

O encontro foi realizado por meio do projeto Novo Olhar, no âmbito do Programa Primeira Infância em Foco (PIF) da Fundação FEAC, e reuniu profissionais da área da Educação de diversas instituições de Campinas/SP. Segundo Capelatto, uma das frases que ele mais ouve de pais e cuidadores é que é muito difícil cuidar dos filhos hoje em dia. “As coisas mudaram, o mundo mudou e atualmente há centenas de estímulos, então é normal que as crianças tenham mais frustrações do que nós tivemos”, explicou.

Lidar com os limites que a vida impõe é necessário. Com a busca do prazer imediato, as pessoas não conseguem lidar com as frustrações e isso acontece também com as crianças. “Quando se impõe o limite, a criança sente dor. E como a sociedade não sabe lidar com a dor, não ensina para a criança que isso é normal. É preciso sentir a dor, permitir o choro”, ressaltou.

Iuri Capelatto destacou que os pais ou cuidadores precisam compreender que a raiva é uma manifestação normal do ser humano e se trata de uma emoção com base em reação neurológica.

Toda reação de medo é traduzida em raiva e esses sentimentos estão presentes por toda a vida do ser humano. Portanto é comum e saudável que as pessoas sintam raiva quando se frustram. “Quando uma criança não tem raiva é porque ela está doente. Ela tem que reagir, ter sentimentos”, explicou.

Um dos exemplos dado por Capelatto é quando os pais falam para a criança deixar a brincadeira para tomar banho. “A mãe chama, o filho reclama e faz birra porque não quer deixar de brincar. A mãe deve explicar que tem que ir para o banho porque é um cuidado que a criança está recebendo. Aos poucos, o banho também vira um prazer”, explicou.

O psicoterapeuta reforçou que cuidar é ensinar responsabilidade, limites, estimular o juízo crítico, rotina e dar carinho e amor. “Dar limites não é apenas dizer não. Temos que estimular as horas que vamos deixar a criança brincar e se divertir, a hora de estudar, de dormir, enfim, temos que ser um exemplo”, ponderou.

A criança que não tem limites fica insegura, não tem maturidade para decidir o que é melhor para ela, não desenvolve qualidades que ajudariam mais tarde, como foco, concentração, respeito.

 

Pais e cuidadores

O psicoterapeuta também falou que atualmente muitos pais e cuidadores estão inseguros, com baixa autoestima e com dificuldades de aceitar as diferenças. “Os adultos precisam recuperar a autoestima, acreditar neles próprios e não ter a necessidade de convencer a criança do que está sendo oferecido. As pessoas se afetam muito pelo que as crianças falam. Se uma criança chama a mãe de bruxa ela não tem porque se afetar, afinal ela sabe que não é!”, comentou.

Com relação às crianças, os pais e cuidadores devem sempre estar cientes que, frente a qualquer frustração, uma criança normal e saudável sempre vai reagir de maneira raivosa, chorosa ou agressiva. “Cabe ao cuidador ou educador saber suportar essa reação normal. Caso a criança fique muito agitada ou queira brigar, é importante detê-la para que ela não se machuque e jamais usar qualquer tipo de violência”, observou.

 

Tecnologia e limites

Outro ponto abordado na palestra foi a utilização da tecnologia. O psicoterapeuta pontuou que nos dias atuais a internet é uma das grandes aliadas à falta de limites. “A tecnologia veio para falar que não se precisa de limites e muitos adultos acreditam nisso. Acontece que isso acaba refletindo nas crianças. Se um pai fica o dia todo num aplicativo de celular, a criança também quer”, falou.

“Muitos pais não deixam seus filhos irem até a padaria sozinhos, mas deixam navegar na internet, que tem 3 bilhões de usuários! É preciso tomar cuidado com o mundo que a criança está exposta”, ponderou Capelatto.

De acordo com o psicoterapeuta, a Academia Americana de Pediatria estipula que o acesso a dispositivos digitais de crianças até 1,6 ano deve ser zero. Já de 2 a 5 anos, o uso deverá ser limitado a uma hora por dia, de programação de qualidade e apropriada à idade. A recomendação é para que os pais priorizem atividades criativas e brincadeiras que promovam a interação, longe dos eletrônicos.

Capelatto explica que a internet e mesmo a TV são mundos virtuais, com informações pontuais que geralmente não têm profundidade nem seriedade. Assim, a supervisão dos pais deve acontecer com limites: determinando horas para que a criança possa ter acesso ao seu desenho, ao seu programa ou site permitido.

Para Adriana Silva, técnica de referência do projeto Novo Olhar, o psicoterapeuta fez um alerta muito importante sobre situações de negligência, movidas pelo uso excessivo das tecnologias, que levam ao estresse tóxico. “É preciso ter muita atenção com as crianças, elas precisam se desenvolver sadiamente e, para isso, é necessário que os adultos sejam referência e construam conexões de afeto e interação fortalecidas”, avaliou.     

Abrindo os olhos

Durante a palestra, o público interagiu e tirou dúvidas com o palestrante.  Ariani Donola, diretora educacional da instituição, disse que o objetivo foi trazer as famílias e profissionais para ouvir sobre limites e sobre como lidar com as crianças. “É um momento de agregar conhecimento e este ano temos a proposta de dar continuidade aos encontros com os pais e falar sobre temas relevantes”, contou.

Daniela Lotufo, mãe do Henrique, de 4 anos, contou que os temas abordados ajudam os pais a lidar com os medos em relação à educação das crianças. “Precisamos ajudar nossos filhos a crescerem para que se tornem pessoas melhores. Temos muitos medos, anseios e dúvidas e ouvir essas palavras nos ajuda muito”, comentou.

Para a educadora social Maria Conceição Leite, a palestra foi um divisor de águas. “Trazer a questão da autoestima foi muito importante para mim. As crianças estão formando suas vidas e não podemos deixar nos abalar em alguns momentos. A partir de agora, vou olhar para as crianças de forma diferenciada”, contou

Glaucia Valente, coordenadora pedagógica da Casa da Criança de Sousas, falou que a questão do uso do celular e da internet é realmente preocupante. “Percebemos que isso acontece, que os pequenos passam muito tempo conectados e isso é prejudicial. Na instituição nós incentivamos o livre brincar porque é isso que eles precisam para se desenvolverem. Também achei muito bom falar da autoestima e da questão de deixar a criança chorar. Não podemos nos abalar com essas situações e escutar isso de um especialista mostra que o trabalho que realizamos está indo na direção certa”, finalizou.

Primeira Infância em Foco

O Programa Primeira Infância em Foco é uma iniciativa da Fundação FEAC que investe em esforços para promover o desenvolvimento da primeira infância com objetivo de assegurar que todas as crianças tenham desenvolvimento adequado à sua faixa etária.

Saiba mais: https://www.feac.org.br/primeirainfanciaemfoco/