A pandemia afetou a vida de todos, porém, de diferentes formas e intensidades. No caso das pessoas com deficiência, a luta constante por inclusão se deparou com diversas barreiras, principalmente em questões como atendimento de saúde, acesso ao trabalho e à educação. Em fevereiro, o Plano Nacional de Vacinação (PNI) contra a Covid-19 foi alterado e as pessoas com deficiência entraram no grupo prioritário para a vacinação, dando esperanças de uma retomada do processo de inclusão, ainda que no estado de São Paulo, a vacinação para esse grupo tenha se iniciado apenas em 10 de junho.
Ainda não é possível medir com certeza os impactos da pandemia sobre as pessoas com deficiência. Mas, como destaca Regiane Fayan, líder do Programa Mobilização para Autonomia, da Fundação FEAC, “o Brasil está sendo muito impactado, e a última coisa para a qual se vai olhar é investir em políticas públicas para pessoas com deficiência, que não são vistas como pessoas produtivas em nosso país”.
A crise sanitária, que tem levado sistemas de saúde ao colapso, também afetou o atendimento a pessoas com deficiência, que muitas vezes dependem disso para ter acesso a tratamentos, terapias e direitos.
“Com os centros de saúde focados na Covid-19, estamos com dificuldade nos encaminhamentos, porque o fluxo passa por eles. Também há o medo das pessoas se exporem ao ir até o local para fazer um diagnóstico de deficiência intelectual, por exemplo”, explica Regiane.
Um exemplo do agravamento desse cenário vem do projeto Gestão do Cuidado, parceria entre a Fundação FEAC e a Apae-Campinas, que tem como objetivo diminuir a fila da realização de diagnósticos de deficiência intelectual. A velocidade na obtenção dos diagnósticos, fundamentais para o acesso a direitos e tratamentos, vem diminuindo. É que o fluxo depende dos encaminhamentos feita por profissionais dos centros de saúde, que agora possuem outras emergências.
Mercado de trabalho
Além dos impactos na saúde, pessoas com deficiência estão vivenciando diversos desafios socioeconômicos, devido ao isolamento social, prejudicando a conquista da sua autonomia.
O projeto Lab Inclusão, realizado pela FEAC em parceria com outras organizações de Campinas, visa a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, com foco nas habilidades de cada indivíduo. Na Guardinha, uma das executoras do projeto desde 2018, é oferecida aprendizagem profissional para que jovens com deficiência acessem o mercado como jovens aprendizes.
Eduardo Tedeschi, coordenador do Lab na Guardinha, relata que a empregabilidade caiu drasticamente desde o início da pandemia. Antes, o projeto incluiu 59 jovens com deficiência no período de 2 anos no mercado de trabalho. Já em 2020, apenas dois conseguiram emprego.
Dentre os motivos para interrupção do acesso de pessoas com deficiência ao mercado de trabalho, Eduardo destaca que jovens aprendizes algumas vezes não são considerados essenciais nas empresas, o que leva à perda de oportunidades em época de crise. Já outros jovens com deficiência que passaram pelo Lab e que estavam trabalhando tiveram seus contratos suspensos.
“Eles continuaram a receber salário, mas a experiência também é muito importante. O jovem aprendiz treina capacidades que a pessoa com deficiência pode oferecer ao mercado, para não entrar em uma situação de vulnerabilidade. Não desenvolvendo habilidades, essa pessoa não se mantém num emprego futuro”, analisa o coordenador do Lab na Guardinha.
No Brasil, a lei nº 8213/91 criou cotas para pessoas com deficiência. Empresas com 100 ou mais funcionários devem ter no total de trabalhadores entre 2% e 5% de pessoas com deficiência. Na pandemia, a diminuição do quadro de funcionários acabou afetando a obrigatoriedade das cotas.
A lei permitiu o avanço da empregabilidade das pessoas com deficiência, mas o Lab Inclusão busca empregar além das cotas. “Às vezes, uma mera colocação não é inclusão. Para você se sentir incluído e pertencente, o contexto precisa se abrir para você e permitir uma relação de troca. A inclusão só acontece quando há engajamento de ambas as partes”, analisa Eduardo.
s dados mostram as fragilidades na inclusão: no estado de São Paulo, em dezembro de 2020, o saldo de pessoas com deficiência demitidas foi quase duas vezes maior que o saldo de pessoas sem deficiência, segundo a Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência.
No primeiro quadrimestre de 2021, os indicadores foram piores: o saldo de admissão de pessoas com deficiência foi quase 145 vezes menor que o de trabalhadores sem deficiência.
Apesar dos desafios, o Lab Inclusão continua atendendo pessoas com deficiência (jovens e adultos), agora via plataformas on-line. Para aqueles que possuem dificuldade com a tecnologia – na maioria das vezes devido à exclusão digital, como sinal de internet ruim ou não acesso aos equipamentos necessários –, a equipe imprime o material necessário e deixa à disposição para a pessoa buscar na instituição.
Escolas: catalisadoras da inclusão
Na área da educação, alunos com deficiência também vivenciam os efeitos da pandemia de forma intensa. Profissionais de educação especial da Diretoria de Ensino – Região de Campinas Leste destacam dois pontos mais alarmantes para esse público: o isolamento e as aulas remotas.
Prender a atenção de qualquer criança ou adolescente em aulas on-line já é um desafio. Para alguns alunos com deficiência, no entanto, ficar sentado por muito tempo na frente de um computador ou celular pode ser mais desafiador por diversos fatores, como falta de apoio em casa e falta de acessibilidade.
Luciana Sophia, professora coordenadora do núcleo pedagógico da diretoria, explica que alunos com deficiência intelectual possuem dificuldade em assimilar o abstrato, portanto, aprendem com mais facilidade por meio de materiais sensoriais e concretos: “Não tem nada melhor para eles do que vivenciar as experiências, o abstrato não significa nada. Então, eles precisam das relações.”
Isso reforça a importância de pensar em estratégias para além da pandemia, visando atender as necessidades desses alunos e reforçar a sua inclusão em salas regulares, junto a outros alunos sem deficiência.
Outra questão é a falta de acessibilidade nas plataformas e conteúdos audiovisuais, como falta de legendas ou audiodescrição para alunos com deficiências sensoriais. “O meio não foi preparado para recebê-los, porque foi tudo muito rápido. Com a boa vontade dos professores, fomos caminhando e já tivemos muitos avanços, mas não se compara ao presencial”, diz Luciana.
A exceção em termos de engajamento on-line está relacionada às salas de recursos multifuncionais, que atendem especificamente pessoas com deficiências no contraturno escolar. Os professores desse ambiente conseguiram adaptar para o formato virtual conteúdos que atendem às necessidades dos jovens com deficiência, que receberam uma atenção mais exclusiva.
O retorno às aulas presenciais, por outro lado, não trouxe grandes benefícios para estudantes no geral, com ou sem deficiência, pois vem ocorrendo um abre-e-fecha das salas por conta da pandemia.
“Eu tenho percebido que alunos com transtorno do espectro autista foram os mais prejudicados. Eles têm muito forte o apego à rotina, e essas alterações, ora escola presencial, ora on-line, é uma situação bastante complicada para eles”, diz Teresa Cristina Ayres, supervisora de ensino da diretoria.
Vacinação
Em fevereiro, o Plano Nacional de Imunização (PNI) foi atualizado e incluiu todas as pessoas com deficiência (física, sensorial ou intelectual) com mais onde 18 anos como grupo prioritário. Até então, apenas deficiências severas eram prioridade.
A atualização foi considerada, pela Apae Brasil, uma conquista para a inclusão. Segundo a Lei Brasileira da Inclusão (LBI), “em situações de risco, emergência ou calamidade pública, a pessoa com deficiência será considerada vulnerável, devendo o poder público adotar medidas para sua proteção e segurança”.
“Esperamos que a atuação dos projetos possa ser retomada num ritmo mais parecido do período pré pandemia com a vacinação. Apesar do PNI ter incluído a pessoa com deficiência como público prioritário em fevereiro, é necessário que haja disponibilização das vacinas, mas só está sendo ampliada essa cobertura vacinal de fato este mês no estado de São Paulo”, observa Regiane.