Ingrid Vogl
O termo medicalização, criado em meados da década de 60, refere-se ao processo de transformar questões de origem social e política, em questões médicas e assim, encontrar no campo médico as causas e soluções para problemas dessa natureza. As questões que envolvem a medicalização são apresentadas como problemas individuais e fora do contexto, e não coletivas.
Com a criação e ampliação de novas especialidades como psicologia, fonoaudiologia e psicopedagogia, o termo medicalização foi substituído por patologização, devido ao fenômeno estar se ampliando e fugindo da prática médica.
A patologização tem ocorrido em escala crescente na área da educação, com destaque para as questões que envolvem o fracasso escolar. A aprendizagem e a não-aprendizagem sempre são apontadas como algo individual, inerente ao aluno, em que o professor e toda a escola não têm responsabilidade.
“Esse processo foi crescente e sistematizado e chega a tal ponto que hoje não se diz que a pessoa está triste, mas sim com depressão; não se fala que a criança não gosta de estudar, mas que tem algum tipo de transtorno; e assim, desloca-se o problema da escola para o indivíduo”, afirmou a pesquisadora e professora titular do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, e militante do movimento Despatologiza, Cida Moyses.
Consumo
Atualmente, o Brasil é o segundo maior consumidor mundial de medicação para o Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), atrás apenas dos Estados Unidos, segundo dados do Instituto de Defesa de Usuários de Medicamentos (IDUM).
Segundo Cida Moyses, frequentemente os professores respondem a um questionário sobre os considerados alunos com dificuldades de aprendizagem e isso contribui com o aumento do número de diagnósticos com critérios imprecisos. Aliado a isso, está o despreparo dos profissionais para lidar com essas questões, a indústria farmacêutica que desempenha um papel mercadológico em campanhas que incentivam a comercialização em massa de remédios voltados para a área de transtornos mentais e de comportamento e também o papel da mídia que ajuda a divulgar a patologização. “Todo esse processo atende a uma demanda do modo como a sociedade está formada atualmente”, disse a especialista.
Compreender para resolver
Para reverter este preocupante quadro nas escolas, é preciso que haja uma revisão do sistema educacional para se compreender por que existem tantos casos de crianças que permanecem anos na escola e continuam analfabetas. Os alunos não devem ser responsabilizados por não conseguirem aprender e neste sentido, é preciso trabalhar pela melhoria da qualidade da educação, deslocando a atenção das patologias individualizadas e atuar com os temas que vão desde a vida escolar, as práticas educacionais, as relações institucionais na escola, os processos de estigmatização escolar, as diferenças de classe social na escola, as questões de gênero e tantos outros aspectos colocados pelos atores deste cenário.
“É preciso investir na formação de profissionais de saúde e educação, porque muitas vezes o educador não sabe ou não está preparado para lidar com situações diversas. Os profissionais precisam ouvir e enxergar as pessoas e entender a escola como um espaço em que a criança entende o mundo dela”, explicou Cida Moyses.
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