(Por Ingrid Vogl)
Uma ação solidária que leva à outra. É isto que acontece todas as segundas-feiras na cozinha da APAE Campinas, instituição parceira da Fundação FEAC. Ali, usuários dos serviços da entidade, que atende pessoas com deficiência intelectual, colocam a mão na massa e produzem nutritivas cumbucas, pães e palitinhos comestíveis que integram um kit sopa para alimentar pessoas em situação de risco ou vulnerabilidade social.
O grupo de atendidos, com idade acima dos 30 anos, faz parte do Programa Socioeducacional à Diversidade da APAE. Segundo Ana Paula Damasceno Binoto, fisioterapeuta e coordenadora do Programa, o perfil do grupo é de pessoas que estão em fase de envelhecimento ou que já estão envelhecidos. O principal objetivo é desenvolver a independência pessoal visando o máximo de autonomia possível. Para isso, o foco é nas habilidades pessoais que podem ser desenvolvidas no mundo da culinária.
Dentro da cozinha, a turma trabalha em harmonia e leva a atividade a sério. Cada um possui uma função específica na linha de produção da massa, que poderá originar as cumbucas comestíveis onde serão armazenadas a sopa, os palitinhos ou pães que acompanham o kit refeição. Ana Maria do Carmo, monitora responsável pela turma que uma vez por semana vai para a cozinha produzir a massa nutritiva, é quem divide o grupo de acordo com a habilidade de cada um. Ela tem ainda a função de ensinar aos novos integrantes da turma como funciona todo o processo de produção da massa e finalização dos produtos.
Dispostos e focados, os usuários checam e separam todos os ingredientes a serem utilizados na receita, preparam a massa na batedeira, que depois vai para o cilindro. Em seguida, o preparo passa para a mesa, onde aros fazem a marcação do corte da massa, que segue para as formas já untadas. No processo final, a massa devidamente colocada nas formas vai para o forno, de onde são retiradas para serem desformadas e ainda voltam mais uma vez para que o fundo das cumbucas seja assado adequadamente. Tudo isso é feito com esmero e capricho pelos cozinheiros solidários.
“Amo fazer a massa do bem. O amor é ingrediente importante nessa receita que ajuda tanta gente que precisa de comida. Fico emocionada em saber que estamos ajudando como podemos pessoas que precisam”, afirmou Amélia Aparecida Bassoli, 67 anos, a mais experiente participante do projeto de culinária.
Massa do bem
A massa do bem que Amélia se refere faz parte do Projeto “Repartindo o pão com a massa do bem”, que começou há cerca de 15 anos com a proposta de que os usuários aprendessem a produzir bolos, pães e outros produtos culinários e vivenciassem esses ensinamentos em suas casas e comunidades.
A ideia da cumbuca comestível surgiu a partir do 1º Prêmio 3M para Estudantes Universitários, realizado em 2006, quando um grupo de alunos da Faculdade Metrocamp de Campinas desenvolveu a Massa do Bem e conquistou a premiação. A ideia foi desenvolver um produto 100% sustentável e aproveitável, que substituísse as até então vasilhas de isopor que acondicionavam sopa normalmente distribuída para populações em situação de rua ou outras em situação de risco e vulnerabilidade social.
A partir daí, o Instituto 3M (responsável pelo Prêmio) em parceria com o Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL) desenvolveu e aprimorou a massa. O resultado foi a criação de uma mistura rica em nutrientes, com a ideia de que junto à sopa servida, seja uma refeição completa. Cada cumbuca, com aproximadamente 250 gramas, possui cerca de 1 mil calorias – equivalente à metade da ingestão diária recomendada a um adulto.
Foi então que o produto chegou à APAE e foi inserido nas atividades do Projeto “Repartindo o Pão com a Massa do Bem”. Segundo Eliane de Fátima Trevisan Nogueira, diretora pedagógica da instituição, o projeto não tem cunho profissional, mas sim social. “A atividade tem um impacto superpositivo, porque divulga a importância do trabalho solidário, a participação social dos usuários, tem um cunho sustentável, já que o produto é comestível e totalmente aproveitável. Gostaríamos muito que esta ideia fosse disseminada em outros locais e outras comunidades, para que esta consciência crítica de fazer o bem seja multiplicada”, afirmou.
A massa é feita uma vez por semana quando são produzidas de 160 a 180 cumbucas, cerca de 360 pãezinhos e entre 4 e 5 quilos de palitinhos. Tudo é acondicionado em sacos de papel e enviado à Casa da Cidadania, serviço ligado à Secretaria Municipal de Assistência Social e Segurança Alimentar de Campinas, que tem como objetivo contribuir para a melhoria da qualidade de vida da população migrante, itinerante e em situação de rua, por meio do resgate e da reinserção social e familiar.
Entre outros serviços, a Casa da Cidadania realiza a distribuição de alimentação de segunda a sexta-feira, entre 19h e 21h, e aos finais de semana, das 12h30 às 14h30. A entrega das refeições é possível graças ao trabalho conjunto de diversas instituições religiosas e sociais, além de voluntários.
Maria do Carmo Martinez Motta, coordenadora do Projeto da Sopa, do Santuário Nossa Senhora Desatadora dos Nós, está à frente da distribuição de refeições durante três dias da semana há 21 anos na Casa da Cidadania. Ao todo, ela já trabalha como voluntária há 47 anos. Ela faz questão de levar uma ou duas vezes por semestre os usuários da APAE para participarem da distribuição da sopa e assim, conhecerem qual o destino da massa que produzem. Sobre a massa do bem, ela faz questão de ressaltar a importância sustentável do produto. “Mesmo quando a cumbuca não é consumida entre os atendidos, aproveitamos o material orgânico como adubo e assim, o material volta para a natureza”, contou.
Autonomia para a vida
Os benefícios do projeto não chegam apenas para quem recebe o alimento na Casa da Cidadania. Os próprios usuários da APAE responsáveis pela massa do bem demonstram um desenvolvimento integral a partir da vivência culinária.
Para Suselei Dalci de Lima, terapeuta ocupacional, é perceptível o desenvolvimento da autonomia e da proatividade entre os usuários e mais do que isso, a satisfação pessoal de cada um. “Eles percebem que ainda estão ativos, e com isso conseguimos trabalhar a integralidade do indivíduo, como a memória, higiene pessoal e várias outras questões do dia a dia. Isso significa mais qualidade de vida para eles”, avaliou.
Ana Paula reforça o objetivo do projeto, que pretende desenvolver a independência funcional dos atendidos. “ A partir do momento em que eles aprendem a administrar uma cozinha, eles podem levar esta experiência para suas casas. Temos muita atenção também com a integralidade e segurança de cada um, e para isso, os profissionais que os acompanham estão sempre orientando e monitorando todas as ações”, explicou a coordenadora.
Segundo Natalia Valente, assessora social do Departamento de Assistência Social da FEAC, a atividade, além de ser uma das estratégias metodológicas de um dos programas desenvolvidos pela APAE de Campinas, proporciona a interlocução e o fortalecimento da rede de atendimento e o impacto se torna positivo para todos os envolvidos.
A satisfação dos cozinheiros do bem da APAE pode ser notada sempre que se entra na cozinha onde são produzidas as massas. Independentemente da função que possuem na linha de produção, eles sabem que estão contribuindo com uma ação solidária e assim desenvolvem uma consciência crítica de que além de serem impactados com boas ações, também estão levando adiante a solidariedade.
Saiba mais sobre a APAE Campinas: http://campinas.sp.apaebrasil.org.br/
Saiba mais sobre o Instituto 3M: http://solutions.3m.com.br/wps/portal/3M/pt_BR/Instituto3M/?WT.mc_id=www.3M.com/intl/br/Instituto3M/
Receita Massa do bem (box)
Ingredientes:
5kg farinha de trigo
500g farinha de soja
100g açúcar
70g fermento químico
80g sal
80g fermento biológico
160g óleo
500g gordura vegetal
50 ovos
2 colheres de orégano
1 litro de água
Passo a passo:
Misturar na masseira todos os ingredientes secos menos o fermento biológico. Bater em velocidade lenta. Derreter a gordura com o óleo e adicionar na masseira. Ligar a masseira em velocidade rápida. Quebrar os ovos e adicionar na massa. Acrescentar o fermento biológico e continuar batendo em velocidade rápida até formar uma massa homogênea. Retirar a massa e deixar descansar por 15 minutos, coberta com plástico. Abrir a massa (cilindro ou rolo) deixando-a com cerca de 2,5 cm de espessura. Cortar com o aro de 10 cm. Modelar a massa na parte externa da forma de 6 cm, untada com óleo. Furar com o garfo para não estufar no forno. Assar em forno pré-aquecido de 160° até dourar. Desenformar ainda morna ou fria. Voltar ao forno até dourar o fundo interno da cumbuca.
Tempo: 15 minutos
Rendimento: 50 unidades