Por Frederico Kling

Nos primeiros dias da pandemia, em meados de março de 2020, Glória dos Santos perdeu o emprego que garantia o seu sustento e o da filha de 13 anos. “Teve dias em que só conseguia fazer uma refeição”, diz a moradora de Campinas. As duas eram casos concretos que se ligam a uma previsão do Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas (WFP): 14 milhões de pessoas podem sofrer com insegurança alimentar na América Latina e no Caribe por causa da Covid-19.

Em junho, Glória e sua filha se tornaram uma das 6.330 famílias impactadas pelo Mobiliza Campinas, criado em abril pela Fundação FEAC para combater a insegurança alimentar que ameaçava moradores de territórios vulneráveis. Ao longo do ano passado, a iniciativa distribuiu cartões nos quais foram creditados mensalmente R$ 200, durante cinco meses, beneficiando 26.240 pessoas.

“A insegurança alimentar é uma situação em que a pessoa consegue sobreviver, mas não sabe se de noite vai ter uma janta, se amanhã vai ter um café”, diz Daniel Balaban, representante no Brasil do WFP e diretor do Centro de Excelência Contra a Fome.

“Quem tem fome tem pressa”, ressalta Camila Meireles, líder do programa Cidadania Ativa, da FEAC, e que esteve à frente do Mobiliza. A frase resume os motivos que levaram a Fundação a adotar uma ação inédita em sua história. “Não atendemos diretamente o público final, mas, com a pandemia, a FEAC se viu como responsável por fazer algo.”

Orçamento redirecionado

A Fundação redirecionou cerca de R$ 5 milhões de seu orçamento para o Mobiliza Campinas. Doações de pessoas físicas e jurídicas complementaram os R$ 6,3 milhões destinados à iniciativa.

As 65 OSC parceiras da FEAC identificaram, em seus territórios de atuação, famílias em situação de vulnerabilidade agravada e distribuíram os cartões, 93% deles emitidos em nome de mulheres.

Em junho de 2020, a Fundação realizou uma pesquisa que mostrou a importância do Mobiliza. O estudo Principais demandas emergenciais na percepção das lideranças nos territórios mais vulneráveis aos impactos da pandemia de Covid-19 em Campinas entrevistou 48 pessoas. Segundo 86%, era precária ou crítica a garantia da oferta de alimentação das famílias naquele momento.

Autonomia

A FEAC pesquisou preços de itens básicos de alimentação e higiene em supermercados para definir  o valor de R$ 200 mensais. A quantia foi depositada em cartões da Sodexo, bandeira bem aceita nos territórios vulneráveis.

“O cartão dá autonomia às famílias”, explica Camila. Já Balaban, baseando-se na experiência mundial do WFP, ressalta que “é muito melhor para a economia local entregar um cartão para comprar alimentos, pois faz com que o dinheiro rode na região”.

As compras de Glória são um exemplo do acerto da estratégia de autonomia. “Eu gastava R$ 100 em comida, R$ 50 em ‘mistura’ e o resto em coisas como pão, leite e coisas de higiene”.

Nova rodada

No fim do ano, a FEAC fez o Mobiliza Especial, no Campo Grande, onde vivem famílias que não conseguiram acessar nenhum tipo de auxílio e tinham dificuldades para se deslocar. Em parceria com a Casa Maria de Nazaré e com o Coletivo Campo Grande em Ação, foram distribuídas cestas básicas e vouchers de R$ 100.

“Fizemos uma lista de itens de alimentação e higiene. Contamos com a parceria do Dalben Supermercados, que doou 112 cestas básicas. Já colaboradores do CPQD [empresa de tecnologia] doaram mais 40”, afirma Camila.

Daniel Balaban lembra que desde 2015 a insegurança alimentar tem aumentado no mundo. “A pandemia agravou a situação, mesmo que não tenhamos ainda os dados.” Segundo o IBGE, entre 2017 e 2018, 10,3 milhões de brasileiros viviam em domicílios que sofreram momentos de privação severa de alimentos.

Com os impactos da pandemia, outros milhões de brasileiros poderão entrar nessa estatística. Por isso, a FEAC prepara uma nova edição do Mobiliza.

“Estamos fazendo estudos para definir o plano de ação para esse ano. Em meados de fevereiro, vamos lançar o projeto”, diz Camila.

A captação de recursos para a nova rodada já está aberta. Acesse aqui, contribua com a campanha e ajude a mobilizar mais gente para essa causa.

Revista Narrativa Social - Edição 1

Edição 1 – A pandemia e as OSC


Qual o efeito da pandemia sobre as organizações da sociedade civil?
Infográfico: impacto nas OSC e comunidades mais vulneráveis
FEAC distribui 5 mil chips de celular em regiões de vulnerabilidade social
• Projeto da FEAC garantiu alimentação para mais de 26 mil pessoas na pandemia
Podcast FEAC na escuta, episódio 1 – Jair Resende, superintendente Socioeducativo da FEAC, comenta a resposta da sociedade civil à pandemia

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