(Por Ariany Ferraz)

Conhecimento que empodera, integra atores sociais e torna pessoas mais conscientes e atuantes em suas comunidades. Assim, o projeto “Formação de Lideranças: Cidadania e Participação Popular” estimulou a formação de líderes em prol do desenvolvimento local na região do Campo Belo, localizado na Zona Sul de Campinas. O projeto da Fundação FEAC, que faz parte do Programa Desenvolvimento Local, é executado pelo Centro de Educação e Assessoria Popular (CEDAP). Há mais de um ano e meio vem sendo desenvolvido na região e já mobilizou mais de 700 pessoas em 16 encontros formativos, seis ações coletivas diversas de participação política e manifestações, além de quatro intervenções.

Em uma ação recente, os integrantes confeccionaram e distribuíram folders para divulgar canais de utilidade pública, estimulando a denúncia e reivindicação de direitos para melhorias da qualidade de vida na comunidade com números do CRAS, serviços de água, energia, denúncia de violência contra a mulher, entre outros. Preocupados com o entendimento de todos, inclusive dos que não sabem ler, o material foi elaborado cuidadosamente com pouco texto e ícones que facilitam a compreensão da mensagem. Outro folheto também foi criado para mobilizar a comunidade em relação à instalação de abrigos de ônibus.

O grupo de lideranças  também organizou durante o ano uma exposição sobre os direitos do trabalho e uma mostra sobre a história da luta política das lideranças da região e desafios enfrentados. Ainda colaboraram com  ações de Saúde como o cortejo do dia 18 de maio (Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes) e outras iniciativas da Fundação FEAC no território, como o Nós na Praça e projeto #Com_Unidade. Apropriados das problemáticas do bairro, os líderes promoveram ações de mobilização social, estimulando a participação da comunidade. Karina Cappelli, técnica do CEDAP, informou que a participação mais ativa na rede intersetorial foi uma conquista. E um dos frutos foi a elaboração de uma carta que indicava todas as violações de direitos, que foi inclusive protocolada por um membro do grupo no Ministério Público. A ação foi marcante para o projeto, como uma ação coletiva em espaços de garantia de direitos.

“Esse projeto veio dar voz ao povo! De modo que as pessoas tomem conhecimento dos seus direitos e saibam os caminhos para procurar resolver”, avalia a professora e integrante do grupo, Luciane da Costa. Ela explica que muitas vezes as pessoas reclamam, são agressivas e não sabem como recorrer de forma adequada. “A gente precisa reivindicar melhorias e tem que saber o canal certo de comunicação para fazer a reclamação efetiva. É conhecer os direitos e buscar o caminho certo de dialogar para conquistar e unir a população”, concluiu.

Carla Aparecida Siqueira, coordenadora na Unidade Básica de Saúde (UBS) do Campo Belo, acompanhou o projeto e palestrou em uma das ações. “Essa formação aqui na região do Campo Belo é fantástica! Um projeto de muita qualidade, de muito valor e de uma riqueza ainda maior por estar presente nesse território de muitas vulnerabilidades. Quando capacitamos e trazemos a população para ser agente transformador, de comunicação, de troca de conhecimento, a gente só integra, qualifica a convivência e melhora as relações”, ressaltou Carla.

Ela também indicou o desejo de conseguir mobilizar mais pessoas para participarem do Conselho Local de Saúde e fortalecer a ação. “Importante para que as pessoas possam entender qual é o papel do Conselho dentro da UBS, porque isso só qualifica nosso atendimento, traz mais recursos e maiores possibilidades de processo de trabalho para nós. São melhorias para a comunidade”, revelou.

“Foi muito importante! Nós tínhamos uma história de uma população um pouco apática com as situações sociais do bairro. A formação de lideranças trouxe um gás e eu senti a população muito motivada a participar, saber o que estava acontecendo aqui”, considerou Denise Maria de Oliveira, assistente social e coordenadora do CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) Campo Belo. Ela conta que viu o reflexo do projeto no próprio CRAS. “A gente sempre teve muita dificuldade de envolver a comunidade e com essa formação a gente percebeu que a participação aumento muito”.

“Estamos em uma região de uma enorme desigualdade. O povo não está acostumado a reivindicar seus direitos e esse projeto nosso tem esse objetivo, de ensinar quais são os direitos para que o líderes espalhem isso no bairro. Objetivo é promover o bem-estar”, esclareceu Terrence Edward Hill, presidente do CEDAP.

Histórias de cidadania e representação comunitária

Despertar líderes e talentos foi um dos resultados mais marcantes, com cidadãos que protagonizam a transformação no território, reforçadas por muitas histórias das atuais lideranças locais como José Santiago Monteiro, 61 anos. “Aprendi muita coisa boa, principalmente sobre os direitos humanos, direitos das crianças e as mulheres, que necessitam muito do nosso apoio”, comentou Seu José. Ele afirmou que a descoberta de muitos direitos o instigou a disseminar o aprendizado para mais pessoas no intuito de ajudar. Indignado com o machismo e as desigualdade que a população feminina sofre, ele abraçou a causa e pontua a necessidade de ter uma delegacia de mulher, pois existem inúmeros casos de violência na região, situações que ele mesmo presencia constantemente e tenta intervir esclarecendo sobre questões legais.

E uma das representantes da causa, também líder comunitária e participante da formação, Maria do Carmo Pereira, mais conhecida como Carminha do Menino Chorão, relatou que o trabalho de conscientização feito por meio das intervenções do grupo surtiu efeitos muito positivos, pois os casos de violência reduziram perceptivelmente. Como Promotora Popular da Lei Maria da Penha, Carminha encontrou no grupo suporte e embasamento para desenvolver novas ações de impacto.

Mais articulados, os líderes descobriram o potencial do trabalho em conjunto. Como contou o presidente da Associação de Moradores do Jardim Itaguaçu, Eusídio Silva, 70 anos, mais conhecido como Peninha. “O que mais nós precisamos é ter a união das lideranças! Nós temos 17 bairros aqui na região , se tivessem 17 lideranças para batalhar juntos, teria mais força”. Morador da região há 22 anos e líder há 16, Peninha contou que ensinou o que sabia sobre a história do bairro e também aprendeu muito, principalmente sobre como lidar com outras lideranças. “Melhorou porque começamos a nos reunir para correr atrás das coisas. Procuramos ver o caminho da regularização fundiária para todo o bairro, para cada um ter a sua escritura  e regularização como um todo. Tem até gente que está morando em área de risco. Todo mundo precisa de uma moradia, mas tem que ser uma moradia digna”, evidenciou Peninha.

A integração fortaleceu muito o trabalho, o que enfatiza também Sara Cavalcanti, 39 anos. “Me ajudou bastante. A participação em grupo foi a melhor coisa, porque desta forma a gente consegue solucionar os problemas. Temos que fazer alguma coisa e é legal quando todo mundo se junta para discutir os problemas. É trabalhar em parceria!”.  Sara, que já trabalhou com monitora de creche, destacou a importância de saber o direito das crianças, que foi um dos aprendizados mais significativos para ela.

Já Felipe Xavier, 25 anos, viu um cartaz do curso e se interessou pela formação. “Comecei a participar e vi que que se tratava de uma mudança ativa, não só uma conversa. Entender o que é ser um líder, o que é cidadania, o que é participar… Descobrimos que todos nós já somos líderes de certa maneira. Qualquer pessoa pode reivindicar seus direitos. Todo mundo tem um papel importante sim”, avaliou o jovem.

Para Natália Valente, técnica do projeto pela Fundação FEAC, no âmbito do Programa Desenvolvimento Local, “A partir do conteúdo trazido pelo projeto, conseguimos formar lideranças que se compreendem como sujeitos de direitos, protagonizaram ações de articulação territorial, multiplicaram seus saberes para a população e se entendem como fundamentais para os processos de transformação social local”.

Fazer acontecer

A autonomia foi um dos fatores mais relevantes entre as habilidades desenvolvidas. A técnica do CEDAP, Karina, sinalizou que no movimento de luta política por direitos, participação e  controle social, um dos integrantes do grupo conseguiu, de forma independente, fazer um trabalho educativo nas escolas da região. “Ele articulou tudo de forma autônoma com a direção das escolas, divulgou o trabalho, convidou os alunos, isso tudo já embasado com elementos do curso, como conhecimento sobre o ECA e defesa dos direitos. Essa ação atingiu mais ou menos 200 pessoas”, revelou.

E foi assim que Luiz Carlos Oliveira, 58 anos, com muita determinação e força de vontade, se sentiu incentivado pela formação e começou a trabalhar como educador social com o Programa Escola da Família, na Fumec Nave Mãe Jardim Marisa e atuar em outras escolas. “Eu percebi que as escolas estavam distanciadas das ações sociais e debates, então eu queria trazer as escolas para as atividades e daí me ofereci para dar aula como voluntário. Ajudo de todas as formas que posso, inclusive usando minhas habilidades de informática, ensino questões de cidadania, entre outros bate-papos que faço com os alunos”, contou Luiz.

Ele, que sempre trabalhou com voluntariado, já fundou uma ONG chamada Cidade Jovem, onde ministrava aulas, mas que foi descontinuada, e atualmente trabalha ajudando a comunidade do Menino Chorão, que fica no Jardim Colúmbia, na região do Campo Belo. Muito ativo, já participou de grupos de estudos, de teatro e dança, entre outras atividades. Oriundo de São Paulo, ele conta que sempre morou nos bairro periféricos, de ocupação, que reúnem muitas vulnerabilidades. “Nesses locais você começa conhecer mais as lutas, os problemas que afligem os bairros, diferente de lugares que tudo está pronto e que você não tem que lutar por nada”, ressaltou.

“Eu não sabia nada referente às leis e aprendi alguns recursos de cidadania. Me acrescentou muito no modo de enxergar as coisas, hoje vejo tudo com outros olhos, como um cidadão que pode acrescentar e ensinar para alguém. Eu sabia sobre racismo, por exemplo, mas aqui eu conheci novas histórias e nós fizemos alguns trabalhos de conscientização. É uma ponte de educação. Comecei a passar as ideias para frente. Hoje se alguém reclama que aqui não tem algo, eu sei dizer os motivos ou que fazer para ter”, relatou Luiz.

Ele também avaliou que o curso ajudou no aprendizado em relação à convivência, aprender a escutar e lidar com as diferenças. E as expectativas são muitas para o futuro. “Estou aguardando pra ver quem vai terminar o curso, quem vai poder reunir para dar continuidade e levar  isso pra frente, para as escolas, levar palestras sobre tudo que a gente aprendeu. É levar isso para ver se a população resolve se despertar”. Luiz disse que tem um sonho, a vontade de voltar para sua cidade de origem e levar o que aprendeu. “Minha ideia é levar toda essa bagagem para lá, porque eu sei que não tem lá”, concluiu.

Formação de Lideranças

O projeto foi desenvolvido também em outros dois territórios socialmente vulneráveis, Oziel e Vila Maria Eugênia. Os integrantes, tanto no Oziel como no Campo Belo, realizaram capacitações e assessoramento, participaram de espaços deliberativos e compuseram as intersetoriais, Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS) e contribuíram com a construção do Plano Municipal de Assistência Social. No Oziel, mais de 1,4 mil pessoas foram impactadas com ações promovidas pelas lideranças, com 19 encontros formativos e 8 intervenções territoriais.

Já na Escola Estadual Professora Maria Julieta de Godói Cartezan, o trabalho contou com 40 adolescentes de 15 a 17 anos, incluindo lideranças escolares de grêmios. Em mais de 15 encontros, foram desenvolvidas intervenções com os temas: identidade, drogas, ECA, direito ao trabalho, adolescência e atuação juvenil na sociedade, sexualidade e gênero, direitos sexuais e reprodutivos, abuso e exploração sexual, prevenção de DSTs e gravidez na adolescência. As oficinas em sala de aula impactaram cerca de 16 turmas com aproximadamente 520 estudantes sensibilizados. o resultados foram jovens mais engajados e fortalecidos, capazes de exercer a liderança na busca pela diminuição das vulnerabilidades, tanto no ambiente escolar como no território.

Programa Desenvolvimento Local

Uma iniciativa da Fundação FEAC, o programa investe na mobilização comunitária com o objetivo de transformar territórios gerando bases para uma cidade mais inclusiva, acolhedora, eficiente e sustentável.