Qualificar a gestão das organizações da sociedade civil (OSC) é fundamental para o fortalecimento do terceiro setorDesde a redemocratização, houve uma multiplicação das OSC no Brasil. A profissionalização, no entanto, não aconteceu no mesmo ritmo.  Segundo a mais recente edição da Fasfil, pesquisa do IBGE considerada como o censo das ONGs, 64,5% das 237 mil fundações privadas e associações sem fins lucrativos existentes no país não tinham nenhum empregado assalariado, em 2016.  

Enquanto organizações grandes estão segmentando seu público doador, pensando em compliance e na diversidade em seus conselhos, há  inúmeras outras que nem conselho têm”, ressalta Márcia Kalvon Woods, presidente do conselho da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR) e assessora na Fundação José Luiz Egydio Setúbal 

A qualificação do terceiro setor é uma missão histórica da Fundação FEAC, criada, na década de 1960, exatamente para fortalecer organizações de Campinas. Esse compromisso foi reafirmado em 2017 quando, ao mudar sua forma de atuação, criou um Programa de Qualificação da Gestão de OSC. 

“A FEAC manteve seu papel de trabalhar pelo fortalecimento institucional do terceiro setor, o que significa proporcionar atividades para trabalhar boas práticas de gestão, de transparência, de compliance, entre outros temas”, explica Nathalia Gasparotti, líder do programa. 

A Fundação oferece soluções que lidam com temas que vão desde questões burocráticas do dia a dia, passando pelas maneiras de se adequar a novas normas como a adaptação à Lei Geral de Proteção de Dados, chegando até cursos completos de capacitação de gestão. 

Recursos para quê? 

A história da Phomenta, negócio de impacto que leva educação em gestão e inovação para o terceiro setor, está alinhada com a tomada de consciência sobre a importância do fortalecimento institucional das OSC. 

Criada em 2015, sua primeira missão era ser a ponte entre organizações do terceiro setor e potenciais doadores. Com o tempo, seus fundadores perceberam que havia um problema maior nessas organizações, um desafio de gestão. 

“Se eu der R$ 1 milhão para sua organização, o que você vai fazer? A maioria delas trava para responder. A captação é só a ponta do iceberg. Para captar, precisa investir, precisa de um plano claro de comunicação, de transparência, de gestão de projetos. As organizações percebem que seu desafio vai além do que simplesmente a captação de recursos”, diz Rodrigo Mendes Cavalcante, diretor de impacto e aceleração da Phomenta. 

O negócio de impacto colocou à prova essa nova “dor” logo no primeiro programa de capacitação que criou, em 2016. Os resultados de captação de recursos que as OSC participantes conseguiram eram bem maiores do que a Phomenta conseguia movimentar para o terceiro setor, fazendo com que a educação em gestão e inovação se tornasse o foco desde então. 

No final de 2018, a FEAC criou com a Phomenta o Gerir Estratégico, programa de qualificação que busca fortalecer as práticas das OSC em cinco frentes: identidade, comunicação e relacionamento, sustentabilidade financeira, adaptação a novos cenários, controle e cultura organizacional. 

curso, na verdade, é o desdobramento de outro, mais básico, chamado Gerir, ofertado pela FEAC desde 2017. “O Gerir Estratégico é maior, mais denso. O objetivo é ampliar o impacto social das organizações participantes”, diz Nathalia. 

Defesa de direitos 

A pandemia agravou uma situação que já era delicada para o terceiro setor. Márcia, da ABCR, aponta que, depois de “anos de conquistas sociais e melhoras de indicadores, as organizações da sociedade civil tiveram de começar a lutar pela defesa de direitos já conquistados” com a chegada da nova administração federal, em 2018“Não é muito a natureza dos empreendedores sociais brasileiros atuar desse jeito (defensivamente), o que nos inspira são os avanços”, ressalta Márcia. 

O terceiro setor passou a lidar também com o aumento de desigualdades entre as organizações grandes e pequenas, ainda mais diante de uma escassez de recursos, após um grande boom inicial de doações. 

Mas o período pandêmico não tem sido apenas de problemas – há também grandes aprendizados, que podem fortalecer o setor no futuro próximo. 

Rodrigo, da Phomentapor exemplo, aponta que “falava-se muito sobre atuação em rede, mas essa não era uma prática ainda verdadeiramente disseminada no terceiro setor, o que aconteceu durante a pandemia, que obrigou organizações de diversos tamanhos a se unirem para terem mais impacto num momento de urgência”. 

Já Márcia fala sobre os diversos arranjos de financiamento que surgiram em resposta à pandemia. “Mais organizações passaram a fazer doações de recursos em vez de gerir projetos próprios. Aquelas que já faziam isso desburocratizaram processos para permitir um uso menos engessado do dinheiro. Também houve uma maior horizontalidade na comunicação entre OSC doadoras e as que recebem doação.” 

Márcia, por sinal, faz parte do Movimento por uma Cultura de Doação, e tem a responsabilidade de reinstalar o Fundo BIS, criado em 2015 numa parceria entre a iniciativa e o Gife para financiar projetos de fortalecimento institucional do terceiro setor. Seu último edital foi lançado em 2019. 

“Os investidores sociais privados perceberam, mais do que nunca, como é importante apoiar também as OSC, e não apenas causas”, diz Márcia, que se permite uma ponta de otimismo: “O terceiro setor vai sair da pandemia estrupiado e sofrido, só que mais consciente, mais maduro e mais resiliente.” 

Por Frederico Kling

Revista Narrativa Social edição 4 - Impulsionando OSC

Edição 4 – Impulsionando OSC

• Qualificar a gestão ajuda a fortalecer o ecossistema do terceiro setor
OSC precisam pensar em sustentabilidade financeira para terem mais impacto
Pouco difundido no país, fundo patrimonial garante sustentabilidade das OSC
FEAC na escuta 5: as doações de recursos durante a pandemia de Covid-19

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