Mais do que um espaço agradável com alimentação saudável, uma oportunidade de inclusão socioprodutiva

(Por Ariany Ferraz)

Enquanto a cozinha trabalha a todo vapor, os visitantes são recepcionados pelo cheirinho da comida caseira num clima rural e aconchegante. Todo dia é assim no restaurante ‘Armazém das Oficinas’ da Associação Cornélia Maria Vlieg, localizado no distrito de Sousas, em Campinas/SP. Tudo começou com a produção de salgados nas atividades da Oficina de Culinária, que funciona desde 2001 no projeto Núcleo de Oficinas de Trabalho e que originou a atual oficina de Nutrição. Mais do que um simples restaurante, o projeto envolve atualmente 22 pessoas com transtornos mentais que participam da atividade e fazem o negócio acontecer. Uma forma de reabilitação psicossocial que tem além do  viés do trabalho, a promoção da inclusão social e geração de renda.

São produzidas mais de 150 refeições diárias servidas no restaurante, além de outras transportadas e para eventos sob encomenda. A equipe conta com uma coordenadora, dois monitores cozinheiros, uma monitora administrativa e mais uma pessoa na cantina.

Lavar, cortar os alimentos, temperar, cozinhar, montar o prato, limpar, atender, repor os alimentos, são algumas das atividades que trabalham a rotina e responsabilidade, entre outras. Tudo funciona em perfeita ordem e harmonia.O grupo se reorganiza para revezar as tarefas. Andrea de Martin, nutricionista e coordenadora da Oficina de Culinária e Nutrição, ressalta que o trabalho é muito dinâmico e ativo. “O ritmo dentro da cozinha é acelerado e precisa de muita organização”, comentou.

Na cozinha moderna e bem equipada, higiene e qualidade são questões primordiais e as normas da Vigilância Sanitária são totalmente respeitadas.“Tudo começa no restaurante, mas vai além. Consideramos o estabelecimento de vínculos e passamos  orientações de escopos diversos, como melhorar a higiene pessoal, cuidado com a casa, etc”, disse Andrea.

Com a proposta saudável de alimentação, outro diferencial é que parte das hortaliças, vegetais e legumes são provenientes da horta orgânica da Cornélia, que também é uma atividade desenvolvida junto aos usuários atendidos.

Uma novidade recente no restaurante são os cursos de gastronomia abertos ao público. Inovando com a parceria de quatro Chefs de Campinas, o programa de eventos  ‘Cândido Gastronômico’ lançou o projeto ‘ Nossa Cozinha’, que além de garantir a capacitação e treinamento dos oficineiros também proporciona aprendizado e experiências a todos os cidadãos interessados em participar. Os chefs e datas são constantemente divulgados nas redes sociais e cada encontro tem em média 3 horas de duração. O objetivo é gerar receita e destiná-la para adequações de cozinha e outras melhorias que visam o crescimento e qualificação do projeto.

Criada para atender uma população em situação de vulnerabilidade social e oferecer novas oportunidades, a iniciativa permite garantir autonomia das pessoas por meio da inclusão socioprodutiva, que as afasta das situações de violência. “O nosso público tem um histórico de vida de muita violência. O fato de ter um espaço de trabalho, de contato com o público e que permite renda, faz diferença na vida dessas pessoas. O objetivo principal é a inclusão pelo trabalho. Há ganhos de autonomia e autoestima. D.”, avaliou Cleusa Cayres, diretora da Associação Cornélia Vlieg. A entidade é uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, que conta com apoio institucional Fundação FEAC no âmbito do Programa Enfrentamento a Violências.

Inclusão social e geração de renda

Encaminhados pelos serviços de saúde e de assistência social, os usuários em sua maioria, excluídos das oportunidades de convívio social e exercício da cidadania, encontram nas oficinas da Associação Cornélia um espaço de convívio e  aprendizado, além da atividade terapêutica – diferencial no universo das instituições de saúde.

A forma de trabalho é de cooperativismo social, explica Andrea. Toda renda gerada é voltada para manutenção das atividades e também destinada às ‘bolsas oficina’ que os usuários recebem por horas trabalhadas, função e de acordo com desempenho. “Ter um olhar integral para o ser humano, preparando para uma vida autônoma e efetiva participação social, são aspectos que vão além da geração de renda e por esse motivo o trabalho desenvolvido pela organização, por meio da inclusão socioprodutiva, pressupõe articulação e ações intersetoriais, com olhar multifatorial, buscando a transformação da realidade social da população atendida”, analisa Natália Valente, técnica de referência do Programa Enfrentamento a Violências.

A profissionalização é outra questão importante já que existe uma dificuldade das pessoas com transtornos mentais de ingressarem ou se manterem no mercado de trabalho. “Muita gente vem aprender um ofício aqui e depois sai para o mercado formal de trabalho. Quem ficou fora do mercado por muito tempo tem oportunidade de retomar suas atividades”, observa Andrea.

Morando sozinho, a renda ajuda a pagar as contas da casa de Juscelino Martins, um dos oficineiros atendidos. Ele já trabalhou como pedreiro, mas conta sobre a dificuldade de se manter no mercado de trabalho. Após passar por outras oficinas, se encontrou na de culinária. “Eu escolhi aqui para aprender uma outra profissão e por causa da renda também. E é bom cozinhar! Quem não gosta? Eu gosto sempre de aprender coisas novas!”, contou Juscelino, que ainda aproveita para praticar o aprendizado na casa do irmão aos finais de semana.

Graças ao trabalho conjunto com a rede socioassistencial, os oficineiros contam ainda com acompanhamento, orientação e assistência da equipe. “A gente está sempre observando, às vezes existe uma necessidade especial, como precisar de um benefício ou ser um caso de violência doméstica, morar em zona de risco, etc Então fazemos visitas e dependendo dos casos nos comunicamos com os  serviços adequados”, relatou Andrea.

O funcionamento do restaurante é de segunda-feira a sábado, das 11h às 14h. Neste final de semana a programação conta com um almoço solidário especialmente programado em homenagem ao Dia dos Pais. O evento acontece no sábado, 11 de agosto, e a renda também será revertida para reformas na cozinha.

Informações:

https://www.facebook.com/pg/armazemdasoficinasarte/

Enfrentamento a Violências

O Programa Enfrentamento a Violências é uma iniciativa da Fundação FEAC que investe na mitigação dos impactos das violências e no enfrentamento para romper os ciclos que as perpetuam com objetivo de promover o bem-estar e a cultura de respeito, empatia, tolerância e paz.