(Por Laura Gonçalves Sucena)

A violência policial já é tratada como um problema social que, além dos números elevados e de casos que chocam, se consolidou como aceitável para muitos. Não há explicação fácil. De um lado estão as pessoas das periferias que sofrem com a violência e de outro, a sociedade que muitas vezes é tolerante com isso.

 

Para falar sobre esse assunto, o Coletivo ‘Juntos pelo fim da violência’ – formado por jovens e diversos atores da rede de atendimento da região Norte-, realizou no último 6 de dezembro, o do seminário “Precisamos falar sobre a violência policial”. O objetivo foi discutir com a comunidade e representantes de órgãos públicos a violência policial.

 

Para a líder do programa Enfrentamento a Violências da FEAC, Natália Valente, é essencial que  os atores do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente, juntamente com os jovens, que são as maiores vítimas dessa violência, se mobilizem para debater e dar visibilidade à temática investindo em estratégias para seu enfrentamento.  

 

“O Seminário trouxe a voz da juventude que está mobilizada para debater o tema. Atitudes como essa dialogam com os objetivos do programa e é isso que buscamos, investir em ações propositivas que rompam com as situações de violências apresentadas”, explicou Natália. 

 

Durante a formação da mesa ‘Violência policial e o papel das instituições’, que contou com o ouvidor da polícia do Estado de São Paulo, Dr Benedito Mariano; com Cristiane Hillal, promotora de justiça; e com a defensora pública Lúcia Reinert, foram debatidos o tema e como os órgãos públicos podem atuar de modo a oferecer proteção, defesa e efetivação dos direitos humanos .

 

De acordo com Dr. Mariano, geralmente quem sofre com a violência policial são as pessoas que vivem em áreas de vulnerabilidade social. “Isso é uma característica da nossa polícia. Portanto, é preciso debater um dos maiores problemas do estado de São Paulo, que é a violência policial. Os adolescentes, sobretudo as juventudes negra e pobre são as principais vítimas da violência policial. Pelo nosso estudo, 65% das vítimas são jovens, negros e pobres que sofrem a violência letal, então é importante que essa juventude esteja preocupada com uma questão essencial para o Estado e para a sociedade”, comentou.

 

Para a promotora de justiça Cristiane Hillal, é necessário que a promotoria de justiça se aproxime da sociedade. “Nós trabalhamos para os cidadãos, por isso temos que ter esse diálogo e escuta, como o de hoje.  É muito importante que os jovens se mobilizem e façam ações como essas, que chamem as autoridades e cobrem posições de forma democrática e exercendo cidadania”, comentou.

Lucia Reinert, defensora pública também acredita na atuação conjunta das instituições do sistema de justiça com a sociedade civil. “Quando damos voz à população construímos uma sociedade mais plural e é isso que estamos fazendo hoje. O papel da defensoria pública é servir de canal, de intermediador entre a sociedade civil e o sistema de justiça”, falou.

 

Juventudes

 

Para os jovens que participaram ativamente do Seminário, o tema violência policial deve ser lembrado e falado constantemente. As polícias civil e militar mataram 2.886 pessoas no primeiro semestre deste ano no Brasil, de acordo com o Monitor da Violência, levantamento do G1 em parceria com o Núcleo de Estudos da Violência (NEV-USP) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

 

Com os altos números e problemas acontecendo constantemente com os jovens, nasceu o coletivo ‘Juntos pelo fim da violência policial’. Segundo Carolina Viel, assistente social do projeto Novo Amanhecer, do Centro Promocional Tia Ileide (CPTI), alguns jovens foram abordados de forma violenta em frente à instituição.

 

“Com isso, começamos a pensar e debater o assunto e levamos a pauta para a Intersetorial Estrela e convidamos vários atores para discutir o tema. Surge então o coletivo e demos início a reuniões sistemáticas e periódicas sobre o tema, sempre com a presença de jovens protagonistas.  Então veio à tona a necessidade de falar mais sobre esse tipo de violência que afeta o jovem de periferia. Não queremos bombardear ou acusar a polícia, queremos é refletir sobre o motivo da polícia existir: qual é seu modelo? A polícia é a mesma para todos?”, explicou.

 

Para os irmãos Daiane e Daniel Balador, 17 e 20 anos, estar presente no Seminário, é dar voz aos jovens pela luta de seus direitos. “Nosso Estado não identifica a violência policial como existente, mas aqui no Padre Anchieta isso é muito comum. Precisamos tratar desse assunto. No nosso bairro a polícia é muito violência e isso é descarado. Temos policiais conhecidos por baterem nos jovens!  Não podemos ficar parados, temos que tratar desse assunto. Então trouxemos pessoas da justiça, da polícia e da sociedade para tratar o tema. E vamos mostrar dados concretos que acontecem nas regiões periféricas”, comentaram.

 

“Falar sobre a violência policial é mostrar que temos um problema na nossa sociedade. Eu já sofri a violência na pele, sei o que é apanhar de um policial. E sem motivo algum! Um dia estava com minha mãe na rua e fui agredida, fiquei com o rosto sangrando. Como moramos na periferia, os policiais já chegam abordando de forma violenta. Nós não temos proteção. Isso tem que parar. Temos que nos posicionar e mostrar que queremos por um fim nisso. Temos que mostrar que nós jovens estamos preocupados. Mais de 80% da população tem medo dos policiais porque eles abusam do poder que têm”, contou uma jovem presente no evento.

 

Outro jovem que já sofreu com a violência policial e que estava presente no Seminário foi G.C.B, 20 anos. “Já sofri violência policial de uma forma que nem podia imaginar. Estava atrasado, correndo para chegar em casa e pelo simples fato de estar correndo a polícia me parou e colocou a arma na minha cabeça, me ameaçando, me chamando do ‘neguinho’, o que é muita falta de respeito. Já sabemos que a polícia, mais cedo ou mais tarde vai nos abordar. Por isso que esse tema tem que ser discutido. Estou aqui hoje pra levantar essa bandeira, para que as pessoas saibam que isso acontece”, garantiu.

 

 

Mães de Maio

O encontro também contou com a presença da coordenadora do Movimento Mães de Maio, Débora Maria da Silva, que perdeu seu filho de forma violenta em decorrência da ação do Estado. “Meu filho era trabalhador, era gari, e foi executado”, falou.

 

Ela teve o filho morto durante a onda de assassinatos que ocorreu em maio de 2006, nas periferias da Baixada Santista. Na época, entre os dias 12 e 21, ataques promovidos por agentes do Estado e integrantes de uma facção criminosa resultaram cerca de 500 mortes em todo o estado de São Paulo – das quais mais de 400 jovens negros e pobres executados sumariamente.

 

Uma série de atividades é desenvolvida desde que as primeiras famílias de vítimas de violência policial começaram a superar o luto. Os principais eixos de atuação são o acolhimento e a solidariedade entre familiares e amigos de vítimas do Estado; a denúncia sistemática dos casos e da situação de investigações e processos; a participação em debates, seminários, encontros, conferências; e a organização de atividades de luta, como protestos, marchas e vigílias.

 

“O ataque de maio de 2006 não foi contado e temos que falar sobre isso porque quem pagou foram os jovens! Foi uma atrocidade o que o Estado fez e isso continua. Ele não foi o primeiro e não será o último. Queremos desconstruir a cultura de ódio, do extermínio, do desaparecimento forçado, da execução sumária porque não podemos admitir isso”, pontuou.

 

Débora também falou da importância das juventudes falarem sobre a violência policial. “Receber um convite para vir falar para jovens é muito bom porque eles que sofrem mais com isso e devem se conscientizar sobre o tema. Nós, as Mães de Maio, lutamos por eles”, finalizou.

 

Enfrentamento a Violências e Juventudes

 

O Seminário foi realizado por meio de uma parceria entre os programas Enfrentamento a Violências e Juventudes, da FEAC. O projeto Novo Amanhecer, executado em parceria com o CPTI, faz parte do Enfrentamento a Violências, iniciativa que investe na mitigação dos impactos das violências e no enfrentamento para romper os ciclos que as perpetuam com objetivo de promover o bem-estar e a cultura de respeito, empatia, tolerância e paz.

 

Mais informações: https://www.feac.org.br/enfrentamentoaviolencias/; https://www.feac.org.br/juventudes/