O trabalho voluntário surgiu como forma da sociedade civil exercer uma cidadania ativa, contribuindo para o bem comum e interesses coletivos. Porém, a cultura do voluntariado não é estática, reinventa-se de acordo com necessidades e valores da época. A pandemia da Covid-19 é um exemplo: as ações voluntárias se intensificaram e se voltaram a questões emergenciais, como a mobilização para doar alimentos e produtos de higiene.

Antes da crise do coronavírus, porém, o trabalho voluntário estava em baixa no Brasil. Em 2019, foi realizado por 6,9 milhões de pessoas no país, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua). Em 2018, eram 7,2 milhões. O número atual representa apenas 4% da população, o que é baixo em comparação a outros países. Nos Estados Unidos, por exemplo, mais de 30% da população se dedica ao voluntariado.

Mas há sinais de mudança no ar. Segundo relatório da plataforma Atados, que conecta pessoas interessadas em trabalho voluntário a vagas em organizações, nos três primeiros meses da pandemia, os números de inscritos para trabalho voluntário cresceram 43%, se comparado ao mesmo período de 2019.

Onda solidária

A pandemia escancarou desigualdades sociais e as populações vulneráveis foram as mais afetadas, o que demandou ações rápidas e pontuais. Nas periferias brasileiras, 71% das famílias estão vivendo com menos da metade da renda que tinham antes da pandemia, revela pesquisa do Instituto Locomotiva, em parceira com a Data Favela, feita em fevereiro de 2021 com 2.087 participantes de 76 favelas de todo o país.

O resultado, segundo estudo “O Brasileiro e a Solidariedade” de março de 2021, do Locomotiva, foi uma onda solidária: 27% dos brasileiros tiveram alguma atitude de solidariedade durante a pandemia, em 2020, totalizando mais de 117 milhões de pessoas.

Marina Frota, diretora da Atados, acredita que o desafio, agora, é fazer com que esse sentimento não se perca. “A pandemia evidenciou situações que já existiam. As pessoas se mobilizam muito num evento pontual, quando tem uma crise ou catástrofe natural, por exemplo, e isso é bom, mas como fazer as pessoas continuarem depois?”, questiona.

A FEAC busca estimular o voluntariado por meio do Programa Cidadania Ativa. Durante a pandemia, foi lançado o Via Conexão (leia mais sobre o projeto), projeto de mentoria voluntária on-line, e que também sentiu os efeitos do aumento da solidariedade.

“Quando o Via Conexão foi lançado, tivemos três vezes mais voluntários do que vagas”, aponta Camila Stefanelli, líder do programa, que acrescenta: “As pessoas estão mais sensibilizadas e querem ajudar.”

Evolução do trabalho voluntário

Se a pandemia colocou desafios atuais ao voluntariado no país, essa é uma prática com muita história para contar e que mudou bastante no decorrer dos anos.

Aqui, há registros de trabalho voluntário desde a colonização do Brasil, em unidades de saúde, como a Santa Casa de Misericórdia, fundada em 1543. Até o século XX, o voluntariado era uma atividade culturalmente feminina, praticada apenas pelas famílias abastadas.

“O trabalho voluntário, por muitos anos, ficou atrelado à questão da caridade. Eu organizo uma festinha ou levo brinquedos em uma organização e nunca mais apareço. Claro que isso tem uma importância em si mesmo, mas o potencial do voluntariado é muito maior do que isso”, exemplifica Dianne Melo, especialista em programas sociais do Itaú Social.

O trabalho voluntário foi regulamentado somente na década de 1990, por meio da lei nº 9.608/1998. Segundo a norma, trata-se de uma atividade não remunerada prestada por pessoa física, “que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência à pessoa”.

Marina Frota, da Atados, considera que, entre as mudanças ao longo dos anos, o voluntariado ligou-se mais à paixão por uma causa. “A gente percebe que, antes, era muito ligado a uma instituição. Agora, as pessoas mudam de organização, mas continuam atuando na causa que as movem.”

Em relação ao perfil do voluntário, a cultura ainda é feminina, mas já há indicativos de mudanças. Em 2019, por exemplo, mais de 73% do público na plataforma Atados eram mulheres; em 2021, são 68%.

Hoje em dia, o esforço é para que o trabalho voluntário não se reduza apenas às ações pontuais. “A gente tenta trazer o discurso para uma responsabilidade cidadã.”

“Todo mundo faz parte da sociedade, então todo mundo pode lutar para transformá-la. Se eu sou parte das questões que o meu país está enfrentando, eu tenho que ser parte da solução.

Marina Frota, diretora do Atados


Empresas e sociedade civil

Por meio de projetos de responsabilidade social, empresas também tendem a abraçar cada vez mais a cultura do voluntariado.

“A prática pode ser um caminho de entrada para a empresa iniciar suas ações sociais. Ela tem essa possibilidade de mobilizar pessoas e tem recursos para investir, só precisa fazer de uma forma estratégica e dar o suporte que o voluntariado precisa”, destaca Camila Stefanelli, da FEAC.

Os caminhos para as empresas são diversos, como realizar parcerias com organizações da sociedade civil e oferecer oportunidades para seus colaboradores atuarem como voluntários.

Pela experiência de Dianne no Itaú Social, ela acredita que, por muitos anos, o voluntariado corporativo foi visto com um fim em si mesmo. Nos últimos anos, no entanto, isso tem mudado. O voluntariado, segundo ela, tem sido visto como “um meio para se conseguir um impacto na sociedade, para de fato se engajar numa causa e atuar de forma mais profunda. Quando o voluntário descobre esse potencial, ele começa a ir além das ações pontuais e doação, para pensar em situações mais planejadas, em médio e longo prazo”. Sorte nossa.

Por Laíza Castanhari