Empoderado e cheio de energia, grupo de idosos do Progen ensaia musical Alice no País das Maravilhas que será apresentado dias 17 e 18 de dezembro
(Por Ingrid Vogl)
Há meses, Maria Reis Garburi, 79 anos, só pensa, respira e inspira uma coisa: sua participação no musical Alice no País das Maravilhas, iniciativa do projeto Arte e Cultura da Fundação FEAC que acontece nos dias 17 e 18 de dezembro no Teatro Iguatemi Campinas. A bisavó ativa e comunicativa interpretará uma das muitas Alices que farão parte do espetáculo e, para isso, ensaia sua fala e dança o tempo todo: seja fazendo crochê em casa, andando na rua ou enquanto assiste TV.
“Não penso em mais nada além de não esquecer nenhum detalhe da minha cena para fazer bonito no dia do espetáculo”, disse a simpática senhora, que quando questionada sobre sua experiência de participação no musical, dispara a falar com alegria.
“Viver tudo isso está sendo maravilhoso. Minha cabeça está ótima, como se estivesse rejuvenescida. Participar disso tudo prova para mim mesma que sou capaz de fazer algo que nunca imaginei que faria, que é participar de um grande espetáculo. Estou mais feliz, segura, e tenho certeza que vou arrasar sendo a Alice”, afirmou.
Contracenando com crianças, dona Maria já as acolheu e vem fortalecendo vínculos e demonstrando seu carinho por elas durante os ensaios. “São bacanas e educadas e me ensinam coisas novas, e eu compartilho minhas experiências com elas. Contracenar com as crianças faz com que me se sinta energizada”, contou.
Assim como dona Maria, a colega Laudevina Cruyer Sanches, 72 anos, é pura emoção quando fala do espetáculo. “Só quero saber do musical. Já esqueci até das dores que vem com a idade. Sarei de tudo!”, disse com uma gostosa gargalhada.
Laudevina fará o papel de uma das lagartas, que no palco, se transformam em borboletas com a ajuda das crianças, que estarão interpretando gatos. Uma bela analogia para a senhora que a partir da experiência com os ensaios do musical, cria asas, segurança e autoestima que extrapolam os limitem do teatro.
“Foi uma benção podermos participar. Nunca tive uma oportunidade dessas quando era criança, e ter isso agora é algo fantástico. Estou vivendo a infância e adolescência que não tive. Fico emocionada só de lembrar da nossa cena. Todos os dias bato asas para aprender a voar. Vai ser lindo”, apostou cheia de expectativas.
Transformação
Além de fazerem parte do espetáculo “Alice no País das Maravilhas”, Dona Maria e Laudevina frequentam o Progen (Projeto Gente Nova) há anos. Lá elas participam das oficinas oferecidas pela instituição como a de artesanato e de capoeira, e ainda participam das diversas ações sociais que são propostas. Segundo Davi Von Zubem Fantinatti, educador social do Progen, no segundo ano de participação da instituição no musical, o grupo de idosos vem com uma atuação maior, já que além de dançar e cantar, alguns deles têm falas durante as cenas.
Com o aumento da responsabilidade, o desafio deles também é maior, já que precisam decorar textos e caprichar na expressão corporal em cena e ter presença de palco. “Esse é um grande barato do musical: donas de casa e avós e bisavós que de repente se veem em um grande espetáculo. Eles estão empoderados, se vendo como artistas que têm papel importante no espetáculo, e isso resulta em interesse e comprometimento pelo que fazem, autoestima elevada, traz autoconfiança, se sentem valorizados e inclusive estão mais participantes nas atividades propostas dentro do Progen. Esses aprendizados eles também levam para diversas situações de seus cotidianos”, afirmou Davi.
Para o educador social, o convívio com pessoas de outras instituições e diversas idades que o musical proporciona é um dos principais ganhos para o grupo. “Esse fortalecimento de vínculos entre as várias gerações que se conhecem, se respeita e se ajuda em cena, é algo excepcional que o Arte e Cultura traz para o grupo”, opinou Davi.
Daniela Fischer, diretora artística do espetáculo, chamou a atenção para o poder transformador da arte para os artistas que vivenciam o musical. “Cada cidadão que mergulha no universo da arte transforma a si e o mundo. A oportunidade de uma vivência estética no campo da arte pode chegar tarde, mas não deve ser descartada com a desculpa ’já estou velho para isso’. É justamente o que os idosos do Progen têm demonstrado: a vivacidade, a alegria, a liberdade de escolher: eu posso e vou fazer”, analisou Daniela.
Segundo a diretora artística, a participação de cada pessoa no espetáculo é importante, já que a arte do teatro se faz com o outro, em comunhão. E é exatamente o que o Projeto Arte e Cultura proporciona: esse encontro de vidas, onde todos compartilham experiências vividas.
“A arte proporciona esse espaço de convivência entre as pessoas. Para os idosos é um renascer da beleza de viver. É, para alguns, resgatar seu amor-próprio, sua alegria de viver, a capacidade que tem de se doar e sentir-se importante; para outros é a realização de um sonho que parecia distante – pisar num palco e receber os aplausos. Compartilhar responsabilidades da encenação de um espetáculo, enquanto artistas, com outras pessoas de diferentes idades proporciona ao idoso uma qualidade e um bem-estar emocional, e garante uma mente e um corpo saudáveis para muitos outros espetáculos ainda”, concluiu.
Espetáculo
O Progen junto com outras oito Organizações da Sociedade Civil (OSC) forma o grupo de 156 artistas de 10 a 80 anos que ensaiam desde o primeiro semestre de 2018 para o musical que acontece em dezembro.
O início do projeto aconteceu em fevereiro, quando houve a publicação de um edital que resultou na seleção das instituições que participam do Arte e Cultura com suas respectivas modalidades artísticas desenvolvidas com os usuários. Após a seleção, houve ainda a escolha do tema; o alinhamento da proposta do espetáculo; preparação do repertório, das cenas e do roteiro. Além dos ensaios que acontecem desde abril.
“Como já tínhamos participado do musical em 2017, nos inscrevemos para o edital deste ano e ficamos ansiosas para sermos selecionadas. É uma alegria estar aqui de novo vivendo esse desafio que nos estimula a aprender mais e mais”, disse Laudevina.
As instituições selecionadas foram Programa Gente Nova – Progen (coral performático); Centro Espírita Allan Kardek – Educandário Eurípedes (teatro); Associação São João Vianney (dança); Instituto Semear (hip hop); Sorri Campinas (dança); Grupo Primavera (coral); Casa de Maria de Nazaré – Casa Hosana (danças urbanas); Centro Comunitário do Jardim Santa Lúcia (maculelê) e Associação Nazarena Assistencial Beneficente – ANA DIC IV (dança livre).
Alice
O tema Alice no País das Maravilhas foi escolhido por votação dos artistas das instituições participantes do projeto em 2018. O clássico literário de Lewis Carrol publicado em 1865 conta a história de uma menina chamada Alice, que por meio de uma toca do coelho entra no País das Maravilhas, onde os animais e plantas podem falar. Ela passa a viver muitas aventuras com os habitantes deste mundo fantástico, que instigam Alice a refletir sobre si mesma e o mundo. Daniela Fischer é a diretora artística do espetáculo que ganhou uma roupagem própria e foi criado coletivamente com todas as entidades. Cômico em várias cenas, o musical também traz reflexões diversas ao público, como a crença em sonhos transformadores e em um mundo melhor.
O musical multiartístico, intergeracional e inclusivo que visa propiciar a convivência e o aprendizado dos usuários de Organizações da Sociedade Civil integra o Arte e Cultura, um dos projetos do Programa Fortalecimento de Vínculos, uma iniciativa da Fundação FEAC que investe na qualificação de ações integradas de cultura, esporte e cidadania com o objetivo de prevenir o agravamento da vulnerabilidade social.
Saiba mais: https://www.feac.org.br/fortalecimentodevinculos/