Em território nacional, a remuneração média dos docentes brasileiros é equivalente a 51% do valor médio obtido, em 2012, pelos demais profissionais com nível superior completo. Atualmente, o salário médio do professor brasileiro que atua na educação básica é R$1.874,50. Essa quantia, três vezes menor que o valor recebido por profissionais da área de Exatas, ilustra a desvalorização da carreira do magistério e daqueles que a ela se dedicam.

Superar esse demérito é o desafio da Meta 17 – Valorização dos Profissionais do Magistério – do Plano Municipal de Educação (PME) de Campinas/SP.

A meta visa valorizar os profissionais do magistério das redes públicas de educação básica de forma a equiparar seu rendimento médio ao dos(as) demais profissionais com escolaridade equivalente, até o final do sexto ano de vigência do Plano. Sancionado a 24 de junho de 2015, o Plano Municipal da Educação de Campinas, constituído por 22 metas que nortearão as ações voltadas para as redes municipal, estadual e privada além de universidades e Sistema S – instituições ligadas ao setor privado, como Sesi e Senai, tem validade para dez anos.

Além da equiparação salarial, a Meta 17 objetiva ainda garantir formação inicial e continuada, cuidado em saúde e condições dignas de trabalho.

Para Guiomar Namo de Mello, consultora em educação, diretora da EBRAP – Escola Brasileira de Professores, e ex-secretária de Educação do município de São Paulo/SP, valorizar o professor é importante uma vez que ele é fator principal para a qualidade das aprendizagens dos alunos da educação básica. “Para que a valorização não seja apenas uma “palavra de ordem” ou um slogan vazio, é preciso que a política pública coordene intervenções em todas as dimensões envolvidas no exercício da docência: formação inicial, formação continuada, carreira – aí incluída a remuneração, e condições de trabalho”, explicou.

Guiomar diz que é indispensável ter foco no papel de promotor da aprendizagem, deixando claro que o ensino e a aprendizagem são os processos mais relevantes da ação da escola. “Assim sendo, a formação do professor deve ser focalizada também para a aprendizagem das competências e habilidades que, dentro em breve, constarão da Base Nacional Curricular Comum elaborada pelo MEC e que será aprovada no Conselho Nacional de Educação até o final deste ano”.

“Nesse trabalho formativo a política nacional precisa catalisar a colaboração das instituições de nível superior que formam os professores, no sentido de alavancarem a qualidade dos futuros docentes por meio de um ensino rico em conteúdo, continuamente articulado com a prática na escola e na sala de aula, focalizado num perfil de competências do professor para ensinar o que é urgente ser discutido e pactuado para a nação, a fim de servir de norte para todos os cursos de formação docente”, explicou Guiomar.

Salário e valorização

No que diz respeito à carreira, a especialista acredita ser urgente a construção de uma nova visão da função do professor que não pode se limitar a “conscientizar” ou a pregar ideologias, mas sim dar aos estudantes instrumentos intelectuais, afetivos e sociais que tornem mais eficaz o trabalho de preparar alunos autônomos, que saibam pensar e fazer escolhas baseados nos conhecimentos e valores transmitidos pela escola e pela educação familiar.

Para Guiomar, o salário é um fator importante, mas está longe de ser suficiente. “O compromisso do professor, seu orgulho e entusiasmo com sua profissão também são decisivos. E, é claro, uma formação profissional de qualidade”, resumiu.

Sobre o impacto do salário do professor em relação à qualidade do ensino, Guiomar diz que muitos estudos realizados sobre o assunto não são conclusivos, mas que estes levam a concluir que apenas o salário não assegura ensino de qualidade. A habilidade docente e o saber ensinar não são assegurados a partir de uma melhor remuneração. “Hoje vários fatores afetam: mudou o modelo, as novas tecnologias apresentam um aluno mais autônomo e sofisticado do ponto de vista cognitivo e social, a população que está na escola ficou muito, mas muito mais heterogênea, e a diversidade precisa ser enfrentada entregando a cada pessoa uma educação de acordo com sua aprendizagem anterior e sua necessidade individual.  O mundo é muitíssimo mais complexo e ensinar os conteúdos curriculares não é apenas passar informação e cobrar igual. É fazer o aluno pensar, fazer escolhas, avaliar e atribuir valores, comportar-se de acordo com esses valores”, ressaltou. 

A coordenadora de projetos e relações institucionais da Escola do Futuro da USP, Samantha Kutscka, compartilha da opinião de Guiomar, no que se refere a complexidades atuais. “Ao professor são lançados inúmeros desafios, inclusive para o uso criativo das tecnologias da informação e comunicação como linguagem. Transformar uma aula é uma coisa complexa, mesmo porque muitos professores já têm uma sobrecarga de trabalho. Nesse contexto, reler, reformar uma aula é um trabalho extra. Mesmo porque não é o ato de trocar a lousa por um material em ppt. É mudar a dinâmica. E isso requer conhecimento da disciplina, de diversas tecnologias (para ter diferentes atividades, propostas de trabalho) e de cada turma, além de uma dose de criatividade”.

Para a diretora da EBRAP é preciso que a sociedade atribua real valor ao professor. “É preciso deixar esse discursinho da valorização de lado. Afinal, ninguém fala tanto de valorização do advogado (que tem salários bem aviltados) ou de valorização do médico. Porque essas profissões, certo ou errado, têm valor para a sociedade. O dia em que dermos valor à educação e a quem a faz talvez não precisamos mais dessa pregação da valorização. E, infelizmente, a sociedade quanto menos dá valor ao professor mais discursa de valorização exatamente para encobrir o pouco valor que a profissão tem”, enfatizou.

No que se refere à meritocracia, a especialista diz que remuneração por mérito é dar valor ao empenho, ao esforço e aos talentos humanos. Fico aborrecida quando vejo educadores bem posicionados no mundo da educação e na sociedade criticarem o mérito. O mérito é o único antídoto para um mal que acomete nosso país desde D. João VI: o compadrio. O nepotismo de dar chance apenas para os da minha família, os da minha terra, os da minha ideologia, os do meu partido”, pontuou.

Avaliação

Guiomar ainda falou sobre a cultura da avaliação, que está se firmando no País, apesar da resistência de uma parte dos professores.

Para a especialista a visão sobre as avaliações é nociva porque é disseminada exatamente por quem sabe o que é avaliação, mas não a quer por motivos ideológicos.

“Há quem diga que a avaliação é parcial, pois atrela o ensino à prova ou ao teste. Concordo se for feita apenas para selecionar, mas não para melhorar necessariamente. Além disso, a avaliação na escola inclui os procedimentos de observação e aferição em processos, não apenas em resultados. Dependendo da avaliação, não pode ser tomada sozinha como base de decisões, mas pode ajudar a navegar melhor nesse mar tão tumultuado que é o desempenho escolar – combinada com outros descritores”, concluiu.