Para se ter ideia do quanto a diversidade étnica e racial brasileira é pouco representada no universo infantil vale dar uma conferida nas bonecas vendidas nas lojas de brinquedos. A maioria é branca. Pesquisa feita em sites de comércio virtual de 22 fabricantes ligados à Abrinq (Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos) mostrou que bonecas negras representam 6% dos modelos fabricados (pesquisa Cadê Nossa Boneca, da organização Avante, 2021). Uma assimetria e tanto se olharmos para o Censo 2022, cujos dados mostram que negros e pardos são 56% da população brasileira.
A ampliação da representatividade na primeira infância é uma preocupação da pedagoga Karine Rodrigues Ramos, doutora em Psicologia da Educação (PUC-SP). “Promover representatividade negra na educação infantil, para bebês e crianças dos espaços educativos, é pensar na construção de um entendimento de mundo que precisa ir além e abarcar mais do que apenas a semelhança da criança com os outros”, ensina Karine.
“É preciso fazê-la entender que tem lugar na transformação do mundo e que pode ser protagonista neste processo e ocupar espaços que estruturalmente encontram-se reservados para o privilégio branco”, enfatiza, citando como exemplo desse privilégio brinquedos, contos de fadas, ilustrações de diversos livros infantis, comerciais de televisão, entre outros.
Comprometida a contribuir para a “descolonização da indústria dos brinquedos”, Karine fundou, ao lado de Elemar de Mello, o Ateliê Quero Quero, espaço voltado à pesquisa e desenvolvimento de mobiliários pedagógicos, entre eles, a coleção Erês Brincantes, de bonecos e bonecas que representam a diversidade racial (saiba mais abaixo).
Projeto FEAC impacta nove mil crianças da educação infantil
O tema também está na agenda de prioridades do Programa Infância em Foco, da Fundação FEAC, que firmou uma parceria com o Ateliê Quero Quero para renovar os espaços de convivência de bebês e crianças até seis anos. Através do projeto Espaços Educadores, que tem duração de um ano e meio, 33 organizações de educação infantil de Campinas estão recebendo mobiliários especialmente desenhados e fabricados para primeira infância. O projeto deverá impactar até nove mil crianças no município.
A iniciativa foca em promover salas de referência acolhedoras, atrativas e que desafiem e estimulem a autonomia e a criatividade desse público. O novo mobiliário inclui tapetes, almofadas, brinquedos, gangorras, mesas, cadeiras, pequenos armários, lupas, mesas de luz e o kit de bonecas Erês Brincantes (à esq.). Ao recebê-los, as professoras da escola passam por uma formação que é ministrada pelo núcleo pedagógico do Ateliê Quero Quero junto às equipes das escolas.
A pedagoga Teresinha Klain Moreira, analista de projetos da FEAC e especializada em cultura da infância e desenvolvimento infantil, considera a iniciativa “revolucionária”. Ela vem acompanhando a implementação do projeto junto às escolas e é testemunha do entusiasmo das crianças e equipes educativas com as novidades.
Bonecas Erês Brincantes representam diversidade racial
Em relação à representatividade racial, incentivada pelas bonecas e bonecos da coleção Erês, a resposta das crianças veio de imediato, primeiro através das meninas, conta Teresinha. “Professoras deram esse feedback de que as meninas negras se identificam e se reconhecem nas bonecas, assim como identificam semelhanças com seus irmãos/irmãs e outros coleguinhas da turma. Isso é muito rico. Nós sabemos que a construção do preconceito começa no final da primeira infância”.
A primeira escola em Campinas a receber o kit completo com as bonecas foi a Ana Brasil Goe, seis meses atrás. A introdução das bonecas na rotina das crianças trouxe perguntas, brincadeiras e interação entre elas. A equipe de educadoras observou que muitas crianças nunca tinham visto bonecas negras ou com traços indígenas. “Em São Paulo existem muitos bolivianos, venezuelanos, haitianos. Em Campinas, também, assim como sírios, japoneses. As bonecas representam algo muito comum na nossa cultura, que é a miscigenação”, aponta Teresinha.
A coleção Erês Brincantes reúne 18 bonecos, bonecas e bebês representando a diversidade étnica e racial. Até hoje, mais de 128 mil bonecas já foram produzidas para a rede de educação pública de São Paulo, e chegaram esse ano nas escolas de Campinas por meio da parceria com a FEAC.
“Valorizar e reafirmar nossas origens desde a infância é mais do que importante, é fundamental para que, desde pequenos(as), essas crianças se vejam no mundo com toda sua força e potência. Quem sabe assim, um dia, a luta antirracista não seja mais necessária”, defende Karine.
Conheça a coleção de bonecas Erês Brincantes |
O kit completo contém 18 bonecas, bonecos e bebês representando a diversidade étnica e racial em seus traços faciais, roupas, cabelos e cor da pele. Eles reforçam as diversas culturas e buscam valorizar e reafirmar as suas origens e costumes. O nome Erês significa brincadeiras e diversão na língua Iorubá, proveniente da Nigéria e Congo, na África, e muito presente no Brasil, especialmente em Salvador, na Bahia. Os nomes das bonecas(os) evidenciam diferentes culturas presentes na miscigenada sociedade brasileira. Cada nome tem uma história. São eles: Alika, Noa Black, Dandara, Akin, Lueji, Erê, Anaya, Kori, Larissa, Leo, Piatã, Luara, Omar, Aisha, Akira, Keiko, Antonella e Vitor. |
Por Natália Rangel
Edição 33 – Igualdade racial
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