Os jovens já estavam entre os principais grupos que enfrentam desafios no mercado de trabalho. Com a pandemia, os problemas ficaram mais evidentes. Pesquisas indicam um considerável aumento dos “nem-nem”: jovens que não trabalham nem estudam. Por trás dessas evidências, encontram-se desigualdades sociais e educacionais que afetam principalmente as populações mais vulneráveis, que também pode ser chamadas de “sem-sem”, por não terem também acesso a serviços públicos e educação de qualidade, entre outras faltas.

Segundo levantamento feito pela FGV Social, a taxa dos “nem-nem” entre jovens de 20 a 24 anos foi de 28,6%, no último trimestre de 2019, para 35,2%, no segundo trimestre de 2020. Para a faixa de 25 a 29 anos, o percentual foi de 25,5% para 33%.

O cenário desanimador é um dos motivos, que se soma à falta de experiência dos jovens. “A pandemia inibe a busca de emprego. Eles estão desencorajados, acham que não vão conseguir por causa da crise, então deixam de tentar”, explica o economista e pesquisador da FGV Marcelo Neri, responsável pelos dados.

Entre os jovens mais afetados estão as mulheres, os negros, os moradores da região Nordeste e os com baixa escolaridade. É o que indica o estudo “Os jovens que não trabalham e não estudam no contexto da pandemia da Covid-19 no Brasil”, dos pesquisadores do Ipea Enid Rocha Andrade da Silva e Fábio Monteiro Vaz, publicado em setembro de 2020.

Tatiane Zamai, líder do Programa Juventudes, da Fundação FEAC, aponta que é preciso olhar para as questões estruturais envolvidas: “O desemprego sempre foi alto entre os jovens, especialmente nas classes D e E. Se pensarmos só na inclusão produtiva, ficam muitas lacunas.”

“É preciso extrapolar a inserção no mercado de trabalho, contribuindo para o rompimento de ciclos degradantes e de desigualdades, atuando em questões fundamentais como educação, saúde, direitos sexuais e reprodutivos, racismo, diversidade, comunicação, entre outros que afetam diretamente as possibilidades de inclusão socioprodutiva desta população.”

Tatiane Zamai


Renda e educação

No Brasil, o desemprego é uma face das desigualdades trabalhistas enfrentadas pelos jovens, mas não é a única. A desproporcional perda de renda também chama a atenção.  O problema, porém, já existia antes da pandemia.

Segundo a Pesquisa Juventudes e a Pandemia do Coronavírus, do Conselho Nacional da Juventude (CONJUVE), de junho de 2020, 33% dos jovens indicam ter diminuído a sua renda pessoal na pandemia. Dentre aqueles cuja renda continuou igual (52%), 1 em 4 já não estavam trabalhando nem procurando trabalho antes, portanto, seguem na mesma situação vulnerável anterior à pandemia.

Ainda segundo a pesquisa, jovens negros são mais vulneráveis: entre os brancos, 37% declararam ter perdido total ou parcialmente a renda; entre pardos, 44%; entre negros, 45%.

O pesquisador Marcelo Neri destaca que, apesar das evidências pouco animadoras, há um dado curioso: uma pequena diminuição da evasão escolar entre jovens de 15 a 19 anos. A falta de alternativa no mercado de trabalho pode ser um dos motivos no aumento da frequência escolar. “No final de 2019, a taxa de evasão era 62,6% e caiu para 57,9% em 2020. Não é uma revolução, mas é um dado relevante para políticas públicas”, aponta.

Por outro lado, essa faixa etária também é a que apresenta os piores índices de desemprego no mercado de trabalho – 44,2%, segundo dados da PNAD Contínua. Neri defende que, para o público adolescente, o olhar deve ser voltado à educação. “Os jovens de 15 a 19 devem ser atraídos para atividades educacionais, pensando menos na inclusão produtiva e mais em bolsas de estudos e mecanismos que permitam a continuação dos estudos, enquanto a pandemia não permite alçar voos maiores”, avalia.

Atentando-se à importância de oferecer oportunidades de educação e trabalho à juventude, o Unicef lançou o 1 milhão de oportunidades (1MiO) em outubro de 2020, em parceria com empresas, governos e a sociedade civil.

A meta é oferecer esse número de oportunidades para adolescentes e jovens de 14 a 24 anos de baixa renda em todo o Brasil, nos próximos dois anos. Quatro pilares são trabalhados: acesso à educação de qualidade, inclusão digital, fomento ao empreendedorismo e acesso ao mundo do trabalho.

Desde dezembro do ano passado, a FEAC é embaixadora da iniciativa. “É uma estratégia para criar um ecossistema que favoreça a inclusão, em um esforço de aproximar vários atores que atuam com juventudes”, diz a líder Tatiane Zamai. Os adolescentes e jovens interessados podem se cadastrar na plataforma digital para acessar oportunidades de emprego.

Desafios e oportunidades

Com poucas esperanças de inclusão no mercado de trabalho, muitos jovens acabam recorrendo a alternativas como o empreendedorismo. Porém, precisam de apoio e formação para que seu próprio negócio não se torne um trabalho precarizado.

Pensando em fortalecer os caminhos profissionais dos jovens tanto para o mercado de trabalho quanto para o empreendedorismo, o Programa Juventudes apoia, em parceria com organizações da sociedade civil, projetos como: Conectados ao Futuro, Categoria de Base e Jovens Chef. Todos nasceram em 2019 e, com o isolamento social, tiveram de recalcular rotas.

“Estávamos num bom ritmo de ações, desenvolvendo parcerias com empresas, fazendo eventos e contatos. Algumas portas começavam a se abrir e, com a pandemia, isso regrediu muito”, explica Tatiane.

O Jovem Chef oferece curso de gastronomia a jovens de 15 a 24 anos, visando a formação de mão de obra qualificada. Devido aos impactos que restaurantes e redes de hotelaria sofreram com a pandemia, o projeto acabou se direcionando para qualificar o empreendedorismo, ainda que a estratégia de busca por parcerias e emprego formal permaneça.

Já os projetos que migraram para o digital enfrentam outro desafio: proporcionar conectividade de qualidade para jovens em situação de vulnerabilidade. O Categoria de Base forma jovens de regiões periféricas para trabalhar com tecnologia e desenvolvimento de software e, até a pandemia, as aulas eram presenciais.

“Havia diálogo com empresas para facilitar acesso a vagas, mas isso se tornou mais difícil com a pandemia. Por outro lado, o trabalho remoto amplia possibilidades para eles. Essa semana, por exemplo,  tivemos a confirmação que três jovens do projeto Categoria de Base serão contratados para trabalhar em uma multinacional”, conta Tatiane. Agora, as aulas estão on-line e foram feitas parcerias com empresas para conseguir sinal de internet e equipamentos para todos.

Para superar desafios relacionados ao mercado de trabalho, a líder reforça a importância de enxergar o jovem na sua integralidade, atuando com três eixos em todos os projetos: trabalho, autoproteção e participação política. “Com a participação social e política, o jovem consegue cobrar o poder público para ter melhores condições de vida”, afirma Tatiane.

Por Laíza Castanhari

Edição 5 – Pandemia e mercado de trabalho

Na pandemia, crise econômica afeta mais as pessoas vulneráveis
Pandemia reforça desigualdade de gênero no mercado de trabalho
• Alto desemprego entre jovens afeta principalmente os mais vulneráveis

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