A educação infantil é a primeira etapa da educação básica, contemplando crianças de zero a cinco anos. O projeto Novo Olhar, da Fundação FEAC, acredita que as escolas de educação infantil têm o papel de promover a cultura da infância e o desenvolvimento integral dos pequenos. “Nós queremos que as escolas sejam espaços brincantes, que privilegiem as atividades ao ar livre e que as crianças tenham protagonismo”, explica Teresinha Klain, analista de projetos do Programa Primeira Infância, da FEAC.
Mas, como sensibilizar as equipes escolares para repensarem o papel da educação infantil? De que forma as escolas podem colocar em prática um planejamento pedagógico democrático, que escute e valorize as crianças? Com o objetivo de apoiar os educadores nessa missão, a FEAC lançou, em fevereiro, a coleção de cadernos “Novo Olhar para a Infância”. (link download dos cadernos)
A coleção é formada por cinco cadernos temáticos, frutos de uma parceria da FEAC com o Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (Nepp) da Unicamp. O material é voltado para professores, monitores e a equipe gestora (orientadores, coordenadores e diretores pedagógicos) das escolas de educação infantil.
Novo olhar para a educação infantil
Com uma linguagem acessível, os cadernos oferecem referenciais teóricos e exemplos práticos, apoiados por ilustrações, de mudanças que podem ser aplicadas nas escolas, a fim de melhorar a qualidade da educação infantil.
“Nós defendemos um projeto educativo contemporâneo, pautado na prática democrática e com uma didática inovadora”, pontua Roberta Borges, professora de pós-graduação na Faculdade de Educação da Unicamp, coordenadora do Nepp e autora dos cadernos.
A pesquisadora destaca que o projeto educativo do caderno segue a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que orienta a educação de acordo com a Constituição de 1988.
Na didática apresentada, a criança é a protagonista do ambiente escolar. Roberta avalia que as escolas de educação infantil costumam reproduzir a cultura dos adultos. “Quando você passa em frente às escolas, vê muros desenhados por adultos, com figuras estereotipadas. Nós trabalhamos na contramão disso: a escola precisa transmitir a cultura das crianças que estão lá”, afirma a pesquisadora.
Escola amiga das crianças
A coleção aborda diversas temáticas que ajudam as escolas a serem mais acolhedoras para as crianças. O olhar é amplo e abrange desde as relações entre criança e professor até a arquitetura escolar, que também faz parte do aprendizado.
“A estrutura da escola precisa atender a criança da melhor forma possível. No parquinho, por exemplo, brinquedos de ferro não têm nenhum conforto térmico, e podem ser substituídos por materiais mais leves e orgânicos”, observa Teresinha, da FEAC.
Uma escola que dispõe de espaços da natureza, como jardins ou canteiros, estimula a “criança pesquisadora”, outra temática abordada nos livros. “Se você deixar a criança brincar num espaço que tenha natureza, ela vai ter todo um universo como referência de pesquisa”, analisa Teresinha.
A pesquisa da criança acontece a partir dos elementos que ela própria descobre. O caderno exemplifica um caso: um grupo de crianças participou de uma aula no Jardim Botânico de Americana (SP). Elas observam um buraco escondido no meio das folhagens do chão. “É um buraco de coruja ou de cobra?”, questiona um menino de cinco anos.
Junto às narrativas, o caderno exibe fotos do passeio. De volta à escola, as crianças desenham o que viram, elaboram perguntas e compartilham suas teorias. Enquanto isso, tudo é registrado pelo professor por meio de fotos e anotações, que vão compondo a documentação pedagógica da instituição.
Conheça os cinco cadernos “Novo Olhar para a Infância”
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1) O projeto educativo da educação infantil
O primeiro volume convida os educadores a repensarem a escola para as crianças: qual é a sua finalidade? Por que a educação é tão importante nesse período? A partir dessas reflexões, é possível construir coletivamente um novo projeto educativo. Na escola proposta, as crianças aprendem o tempo todo (não apenas quando estão numa sala de aula), por meio de brincadeiras que estimulam sua autonomia e criatividade. Os próximos cadernos detalham os principais eixos que caracterizam esse projeto educativo. 2) As pesquisas das crianças e o professor pesquisador As crianças não são sujeitos passivos, que apenas recebem conhecimentos sobre o mundo: ao contrário, elas são exploradoras e a pesquisa deve fazer parte do cotidiano escolar. Brincadeiras na natureza, por exemplo, oferecem infinitas possibilidades de pesquisa. É importante lembrar que os professores também são pesquisadores: eles deixam de ser aqueles que transmitem o conhecimento e passam a ser aqueles que escutam atentamente as crianças e montam o contexto de aprendizagem. 3) A organização dos ambientes da escola de educação infantil Como organizar a escola para que os espaços sejam favoráveis para os aprendizados das crianças? Neste eixo, pedagogia e arquitetura se unem. O caderno aponta diversos caminhos para essa união, por exemplo: a entrada da escola com uma grande praça para acolher famílias, crianças e professores; um prédio que favoreça a iluminação e a ventilação natural; muros e paredes com diferentes texturas e cores. A publicação também explica como a sala de aula pode ser dividida, de modo a oferecer opções de escolha para a criança. Por exemplo, organizando-a por áreas de trabalho: a área da matemática, da ciência, da biblioteca, da arte, do faz de conta, entre outras. 4) As cem linguagens das crianças As crianças são feitas de múltiplos pensamentos e emoções, e a educação infantil deve oferecer linguagens, ou seja, modos de expressão, que incluam todo esse universo. Para valorizar a arte, por exemplo, o caderno propõe as escolas organizarem “ateliês”: espaços reservados para explorar a criatividade das crianças. Nesses espaços, os educadores podem oferecer materiais diversificados que se transformam em obras de arte. A própria natureza oferece ricas variedades, como folhas, flores e sementes. 5) A documentação pedagógica e o livro da vida O quinto e último caderno fala sobre a importância de registrar tudo o que é realizado pelos professores e crianças. O objetivo é tornar visível para a comunidade o aprendizado que ocorre na escola. A documentação pode ser feita de diversas formas, como fotografias e mini-histórias expostas nas paredes, que descrevem as atividades e registram diálogos das crianças. |
Mais de 400 profissionais já impactados
Em Campinas, diversas organizações da sociedade civil (OSC) que atuam com educação infantil já estão colocando em prática esses aprendizados. Entre março e agosto do ano passado, 33 instituições fizeram o percurso formativo Novo Olhar, oferecido pela FEAC em parceria com o Nepp.
Ao todo, mais de 400 profissionais participaram da formação, via plataforma virtual. Na época, os cadernos não estavam prontos, pois foram construídos a partir das temáticas do projeto educativo, divididas em cinco grupos de estudo.
Os cadernos chegaram para que o aprendizado não fique restrito às OSC participantes. “Estamos fazendo um trabalho de democratizar esse conteúdo, que é tão rico”, ressalta Teresinha.
As mudanças que estão acontecendo
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Professores e a equipe gestora da creche Casa da Criança Meimei, de Campinas, participaram do percurso formativo Novo Olhar. Ao entrar na instituição, é possível encontrar as mudanças: “Nossas paredes estão forradas de propostas das crianças”, conta a coordenadora Jeanne Camargo, referindo-se à documentação pedagógica que a creche adotou durante a formação.
Os educadores passaram a registrar o processo de aprendizagem das crianças, por meio de fotografias e mini-histórias, que retratam vivências e diálogos durante as brincadeiras. A creche também organizou um ateliê de arte, onde colocou à disposição das crianças diversos elementos como carvão, aquarela e argila, além do que pode ser coletado diretamente da natureza, como gravetos, folhas e sementes. “Nós aprendemos que não é só colocar os materiais para as crianças, a gente tem que entender o porquê daquele material”, explica Jeanne. |
O percurso formativo, aliás, ultrapassou fronteiras municipais e chegou em Rio das Pedras (SP): em agosto de 2021, a Secretaria Municipal de Educação começou a implementar a formação nas nove escolas municipais de educação infantil. Os grupos de estudo estão sendo coordenados pelo Nepp, com o apoio da equipe do Programa Primeira Infância em Foco, da Fundação FEAC.
É a primeira vez que uma metodologia da FEAC é replicada fora de Campinas. Isso foi possível graças ao Instituto Arcor, parceiro da FEAC, que possui sua matriz brasileira em Rio das Pedras.
“Aqui, o projeto se tornou uma política pública. O Instituto Arcor fez parceria com a Secretaria Municipal de Educação, que se interessou pelo projeto e aderiu”, explica Milena Drigo Azal, coordenadora de projetos do instituto.
Cerca de 110 profissionais de educação infantil já realizaram o primeiro grupo de estudo. A partir do próximo, os educadores já vão contar com o apoio dos cadernos Novo Olhar. “É um conteúdo riquíssimo que vai ficar à disposição dos professores, mesmo após a formação, para consulta e montagem de aulas”, destaca Milena.