Imagine tocar um instrumento pela primeira vez aos 70 anos de idade? Ou, ao escutar uma melodia, se lembrar de sua infância ou juventude? Essas são algumas das experiências que idosos de Campinas estão vivenciando no Projeto Nossas Gerações, que está completando nove meses de atividades em março.
Por meio da oficina de musicalização, o projeto busca promover bem-estar e melhor convivência entre os residentes de instituições de longa permanência para idosos (ILPI). Além do despertar de sensações e lembranças afetivas através da música, eles aprendem a tocar instrumentos construídos a partir de materiais recicláveis e sucata.
“A oficina de musicalização favorece as individualidades dos idosos como a valorização da própria história, o fortalecimento de vínculos e a inclusão a partir das capacidades e habilidades de cada um. Os momentos de integração proporcionados pelas atividades são importantes para trabalhar a história de vida deles”, diz Rebeca Silva, analista de projetos do Programa Acolhimento Afetivo da Fundação FEAC – que apoia a iniciativa.
O Projeto Nossas Gerações acontece em quatro ILPI do município: Lar São Vicente de Paulo de Campinas, Lar da Amizade, Lar Alice de Oliveira e Afascom. As atividades são conduzidas pelo músico e professor Ricardo Botter Maio, criador do projeto Pequenos Contos Sonoros (conheça seu trabalho no quadro no fim deste texto).
O despertar para a música na terceira idade
Na oficina, os idosos são encorajados a participar, seja tocando algum instrumento, cantando ou apenas escutando e sentindo o ritmo da música. “O projeto tem a intenção de melhorar a autoestima do residente, trabalhar a criatividade, o autoconhecimento, ampliar o repertório de música e o sentimento de pertencimento”, explica Cintia Fagiani, coordenadora técnica do Lar São Vicente de Paulo de Campinas.
Com o auxílio do professor, eles também aprendem a construir os instrumentos utilizados nas aulas, que são confeccionados a partir de materiais que seriam descartados, como tampas, garrafas plásticas, isopores e tubos de PVC.
A marimba feita de piso de porcelanato, por exemplo, é um dos instrumentos mais tocados na oficina. Seu formato é parecido com o do xilofone, normalmente encontrado como brinquedo. O instrumento possui uma sonoridade alegre e lúdica, remetendo a lembranças da infância.
“A proposta é trazer instrumentos que os idosos possam tocar. Em um momento da oficina, usamos esses instrumentos como parte da experimentação. Em outro, a gente canta algumas músicas que os residentes conhecem e eles fazem o ritmo junto comigo no chocalho ou no tambor. Eles não apenas escutam, mas fazem parte da melodia na hora de tocar”, diz Ricardo Botter.
O professor também toca alguns instrumentos tradicionais, como violão, ukulele, sanfona e piano, para complementar as melodias. Em uma das aulas, ele teve uma surpresa. “Quando eu trouxe a sanfona, a gente descobriu que uma das mulheres sabia tocar. Ela segurou, deu umas dedilhadas, e dava para perceber que ela tinha jeito. Eu acho que voltaram muitas memórias para ela naquele momento”, relata.
Em junho, o projeto completará um ano. Até o seu encerramento, a ideia é que os idosos desenvolvam uma melodia autoral com auxílio do professor e que seja organizado um sarau virtual para apresentações e troca de experiências entre as quatro ILPI.
Como recordação, foi produzido um vídeo que mostra um pouco a dinâmica da oficina. Assista:
Importância da música para a saúde do idoso
A oficina de musicalização se tornou uma das atividades favoritas dos residentes nas quatro instituições. “Os coordenadores das ILPI falam o quanto é um momento muito esperado pelos idosos durante a semana, o quanto eles gostam, aderem e se sentem pertencentes”, conta Rebeca Silva.
“Gosto da atividade pois me lembro de coisas felizes do passado”, diz Y.V., de 85 anos, residente do Lar São Vicente de Paulo de Campinas. Por solicitação da entrevistada o seu nome não foi divulgado.
Musicalização é a construção do conhecimento musical na prática. Segundo o professor Ricardo Botter, o principal objetivo é despertar as sensações que a música transmite, aguçando a criatividade, sensibilidade e as percepções auditiva, visual e tátil. “A musicalização é transmitir sons, toques, expressões, sensações, a mensagem da música. É criar, conhecer, um som que dá prazer e que ele possa ser executado junto com outras pessoas”, explica.
Os residentes do Lar São Vicente de Paulo de Campinas também participam de sessões de musicoterapia oferecidas pela própria instituição. De acordo com Cintia Fagiani, essa prática terapêutica trabalha com o aspecto emocional da pessoa idosa, como o alívio da ansiedade e estresse, estímulo do bom humor e coordenação motora. É um ótimo complemento à musicalização.
Transformando a sucata em arte |
Transformar materiais que seriam descartados em instrumentos musicais sempre foi um projeto de Ricardo Botter: o músico queria que a sucata tivesse uma utilidade social. Foi durante as aulas de musicalização que ele teve a oportunidade de colocar seu desejo em prática. Em 2011, Ricardo deu início ao projeto Pequenos Contos Sonoros, uma instalação sonora feita a partir de materiais recicláveis e sucata. O nome vem do encontro das diversas sonoridades, provenientes de distintos materiais, como tubos de PVC, madeira, latas e cordas. Segundo ele, cada melodia produzida é responsável por contar uma história. “Como são várias sessões de música, para mim cada uma conta uma pequena história pois são sons e timbres diferentes.” Em 2015, estreou a instalação Pequenos Contos Sonoros no Museu da Imagem e do Som (MIS), em Campinas, e voltou a se apresentar lá novamente em 2019. O músico já trabalhou em organizações como Instituto de Pedagogia Terapêutica Norberto Pinto, Centro Educacional Integrado Padre Santi Capriotti Campinas e Associação para o Desenvolvimento dos Autistas em Campinas (Adacamp). Hoje, atua na Sorri Campinas, Associação Pestalozzi de Campinas e nas quatro instituições que fazem parte do Projeto Nossas Gerações. Até então, Ricardo só havia dado aulas de musicalização para pessoas com deficiência. Esta é a primeira vez que trabalha com pessoas idosas. Para ele tem sido transformador. “Eu tenho aprendido muito. Além de lições de vida, musicalmente tenho aprendido canções que eles apresentam. Às vezes, a gente embala numa conversa e eles contam experiências e lembranças marcantes trazidas por músicas”, fala. |