As ações do Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, em 18 de maio, alertam para uma urgência: esse tema tem de estar na pauta e suscitar esforços de enfrentamento o ano inteiro.

De acordo com dados da Childhood Brasil, Organização que atua pela proteção à infância e adolescência, a cada quinze minutos uma criança ou adolescente é vítima de violência sexual no Brasil. Números do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022, apontam que o estupro de vulnerável representava 75% dos casos registrados no país em 2021 – na grande maioria, 35,7 mil (60%) dos registros, a vítima tinha até 13 anos de idade. 

O abuso, a violência e a exploração sexual estão cada vez mais presentes no dia a dia dessa faixa da população, especialmente com o advento da web e as ameaças reais do ambiente virtual, como mostram os números da SaferNet, Organização que tem a missão de defender e promover os direitos humanos na Internet. Por meio da Central de Denúncias, a Safernet recebe relatos de “pornografia infantil” na internet, terminologia que engloba a posse, produção e divulgação de fotos e vídeos de atos sexuais de qualquer natureza envolvendo crianças e adolescentes.

“A democratização do acesso à Internet e os avanços tecnológicos trouxeram muitos benefícios e oportunidades para crianças e adolescentes, mas é muito importante estar atento aos riscos e desafios que podem surgir nos ambientes digitais para este público”, observa a psicóloga Bianca Orrico Serrão, que atua na equipe do canal de ajuda e na área de educação da Safernet. “Algumas das principais ameaças e riscos que as crianças e adolescentes podem enfrentar na Internet incluem acesso e exposição a conteúdos inapropriados, violentos ou extremistas, compartilhamento não autorizado de dados pessoais sensíveis para fins de consumo, ciberbullying, assédio e ameaça de exposição de imagens”, completa Bianca.

Riscos reais

O meio digital fez surgir novas modalidades de abuso e violência sexual contra crianças e adolescentes, ressalta a psicóloga Beatriz Lorencini, coordenadora da área da prevenção das violências do Centro de Referência às Vítimas de Violência (CNRDE) do Sedes Sapientiae, em São Paulo. Ela destaca os principais:

  • Sexting – Transmitir mensagens, fotos ou vídeos com conteúdo sexual com a intenção de seduzir ou atrair outra pessoa, caracterizando exposição corporal de criança ou adolescente e crime de exploração sexual. Muitas vezes está ligado ao cyberbullying entre adolescentes.
  • Sexcasting – Troca de mensagens sexuais em serviços de conversas instantâneas.
  • Sextosión ou Sextorsão – Ameaça de divulgar imagens íntimas (em geral, compartilhadas por sexting) para forçar alguém a fazer algo, por vingança, por humilhação ou para extorsão financeira.
  • Grooming – Ação de um adulto que se aproxima de uma criança ou adolescente por meio de chats ou redes sociais visando praticar abuso sexual ou exploração sexual.

“Podemos dizer que hoje tudo o que acontece no mundo físico em termos de abuso e violência sexual contra crianças e adolescentes já acontece no meio virtual, inclusive intrafamiliar”, observa Beatriz. Os jogos online, por exemplo, são um terreno cheio de riscos. “Neles os usuários criam avatares e se comunicam pelos chats. Nessas conversas acontecem propostas para namorar dentro do jogo, convite para sair. Já ouvi de uma adolescente que entrou em um jogo com o pai a seguinte história: os dois criaram avatares e, em um dado momento, ele virou para ela e falou “vamos fazer filhinho?”, relata a psicóloga. 

Estupro virtual

Recentemente, a novela Travessia, exibida até o começo de maio pela Rede Globo, exemplificou essas ações por meio da história de uma das personagens, a adolescente Karina (vivida pela atriz Danielle Olímpia). Na trama, ela é enganada por um pedófilo que usa recursos de Inteligência Artificial (AI) para se passar por uma atriz da qual a personagem é fã. Essa suposta atriz envolve Karina numa relação de confiança e pede fotos íntimas da garota. Quando tem um bom arsenal desse conteúdo, o pedófilo finalmente revela sua verdadeira face, ameaça espalhar as fotos íntimas de Karina para seus colegas de escola e em sites de pornografia e assim a obriga a fazer o que ele quer, configurando um estupro virtual.

A Safernet explica como se configura esse crime. A pornografia legalizada pressupõe a participação livre e voluntária dos atores ou adultos filmados ou fotografados em atos sexuais consensuais. Não é o que acontece com a nudez e sexo envolvendo uma criança ou adolescente. Nesse caso, por definição, não é consensual, por isso é considerado abuso ou exploração sexual. Se o adulto pedir para a criança tirar a roupa e se masturbar diante da câmera também é abuso sexual ou estupro virtual. Quando a pessoa que comete esse crime grava ou tira fotos desses momentos, comete o crime de pornografia infantil. Se compartilhar ou vender esse conteúdo incorre em exploração sexual infantil.

Em 2009 houve um importante avanço com a inclusão do artigo 217-A no Código Penal, que caracteriza o estupro de vulnerável manter conjunção carnal ou qualquer ato libidinoso com menor de 14 anos de idade, com previsão de pena de reclusão de 8 a 15 anos. Mas essa legislação não prevê o estupro virtual. Entretanto, uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de 2022 abriu caminho para o entendimento de que se a pessoa tem prazer com o ato de natureza sexual praticado pela criança ou adolescente, mesmo sem contato físico, isso configura estupro e não importunação sexual (artigo 215-A do Código Penal), crime de menor gravidade.

Com base nesse entendimento, o Ministério Público do Rio Grande do Sul conseguiu o que se considera a primeira condenação por estrupo virtual no país. Trata-se do caso envolvendo um garoto de 10 anos, morador de São Paulo, que se masturbava online a pedido de um adulto de 27 anos de Porto Alegre, que o menino conheceu em uma plataforma de conversas. Depois da condenação em primeira instância, a defesa do abusador entrou com recurso, mas o tribunal manteve a decisão.

O primeiro passo para a punição desse abusador foi dado pelo pai do garoto, que descobriu o abuso ao acessar as redes sociais do filho pelo computador que compartilhavam. A família tem um papel importante na prevenção dos riscos do ambiente virtual (veja quadro Prevenção na família), mas, segundo Itamar Gonçalves, gerente de advocacy da Childhood Brasil, não deve estar sozinha nessa batalha. “Essa responsabilidade é de todos nós. Está na família, nas escolas, no setor privado, no poder público. É um desafio de todos”, afirma.

Avanços necessários

Em várias frentes, os direitos da criança e do adolescente tiveram avanços significativos. “Em questões como o acesso à educação, saúde, combate ao trabalho infantil, o poder público deu passos importantes para melhorar os indicadores”, observa Itamar. “Mas com relação ao abuso, violência e exploração sexual infantil, os indicadores não diminuem. Ao contrário, só aumentam. Isso porque não temos um programa de Estado que aposte na prevenção. Isso não é função só de um ministério, tem que ser uma ação integrada”, defende.

Itamar ressalta que campanhas como a do dia 18 de maio são importantes, assim como canais de denúncia como o Disque 100, pelo qual é possível denunciar, de forma anônima, violações de direitos humanos.  “Mas precisamos ter um programa nacional permanente de prevenção de violência na perspectiva de proteção integral da criança e do adolescente, que contemple questões como a desigualdade econômica, racial, de gênero, educação sexual da criança e adolescente, entre outras coisas”, diz ele. Há ainda o desafio do ponto de vista legislativo, de regulamentação dessa área, com iniciativas como a do projeto das fake news que está em tramitação no Congresso.

Natália Valente, especialista em violências da Fundação FEAC, também aponta a necessidade de envolver diversos atores. “É dever de todos a proteção de crianças e adolescentes. Por isso, precisamos avançar para uma cultura de proteção efetiva, trabalhando de forma preventiva, com mudanças culturais e identificando os casos o mais rápido possível para retirar crianças e adolescentes vítimas, dessa situação”, afirma.

Ela destaca que avançamos na legislação de proteção de crianças e adolescentes, mas ainda há subnotificação dos casos e grande desafio no trabalho de prevenção.

Um passo importante para superar essas dificuldades foi dado pela Lei nº 13.431/2017, que ficou conhecida como “Lei da Escuta Protegida”, que entrou em vigor em 2018 (veja mais na matéria Campinas avança na efetiva implantação da Lei da Escuta Protegida). Mas ainda precisamos percorrer um bom caminho para sua efetiva implementação. “Essa lei acaba de completar seis anos e seu processo de implantação está muito lento. É preciso acelerar”, diz Benedito Rodrigues dos Santos, professor da Universidade de Brasília (UnB) e consultor da Childhood Brasil e do Unicef.

Ajuste de terminologia

A partir de 18 de maio, a Organização Safernet não usará mais a expressão “exploração infantil” em suas publicações e passará a recomendar que ela seja substituída por “imagens de abuso e exploração sexual infantil” ou “imagens de abusos contra crianças”.

Segue, com isso, o exemplo de outras organizações internacionais como a inglesa Internet Watch Foudation, que fez uma companha contra o uso da expressão pornografia infantil. E explica o motivo: “Pornografia infantil implicaria consentimento, mas crianças não podem ser cúmplices do próprio abuso”.

Nessa expressão está pressuposto também o consumo passivo do conteúdo, diminuindo a percepção de gravidade do ato de possuir ou distribuir tais materiais. O que não é o caso.

Como adverte a Safernet, quem consome esse tipo de conteúdo também incorre em crime, pode ser enquadrado como cúmplice de abuso e exploração sexual infantil.

O tema está na pauta da FEAC

Desde 2018, a Fundação FEAC investe em diversas ações para mitigação desse que é um dos piores tipos de violência contra crianças e adolescentes (veja quadro Principais ações da FEAC contra o abuso e violência sexual de crianças e adolescentes). O apoio a campanhas educativas como a do dia 18 de maio é uma delas.

“Atuamos também em ações mais estruturadas como projetos voltados diretamente para a ativação de rede, processos formativos, incidência e autoproteção”, descreve Natália. A FEAC marca presença ainda em espaços que dialogam diretamente com estratégias de advocacy, como a Coalizão Nacional pelo Fim da Violência Contra Crianças e Adolescentes.

O Programa Infância em Foco da Fundação FEAC investe no combate ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes. “Atuamos em parceria com Organizações da Sociedade Civil, através do apoio técnico e financeiro para o desenvolvimento de projetos focados em alcançar melhores resultados nas ações de prevenção e combate a esses tipos de violência”, explica Stelle Daphine Goso, líder do Programa.

“Acreditamos que a conscientização e a prevenção são fundamentais para o enfrentamento dessa questão. Por isso, as ações que desenvolvemos incluem atividades de sensibilização e conscientização junto às famílias, crianças e adolescentes, bem como a realização de capacitações e formações para os profissionais que atuam com esses públicos”, explica ela.

Principais ações da FEAC contra o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes

2018

– Ações no âmbito da Campanha 18 de Maio – Precisamos falar sobre abuso sexual de crianças e adolescentes.

– Protejo Novo Amanhecer — atua para potencializar as ações preventivas do Serviço Especializado de Proteção Social à Família (SESF) e sua articulação com os Serviços de Proteção Social Básica por meio de atividades lúdicas, formativas e informativas.

2019

– Ação no âmbito da Campanha de 18 de maio — FEAC e diversos parceiros desenvolveram atividades de conscientização para cerca de 1 mil pessoas em uma praça do centro de Campinas.

2020

– Lançamento da segunda fase do projeto Novo Amanhecer.

2021

–  Em parceria com a Childhood Brasil, FEAC lança o projeto Município Livre de Violências Contra Crianças e Adolescentes, com o objetivo de contribuir para a implantação da Lei nº 13.431/2017 em Campinas.

2022

– Em evento promovido pelo projeto CinemAqui, uma das iniciativas da FEAC, no Shopping Iguatemi Campinas, foi exibido o documentário Se eu contar, você escuta?, de Renata Coimbra, que aborda a história de meninas vítimas de violência sexual, seguido de debate sobre o tema.

– Desenvolvimento do projeto Conhecer para Mudar, voltado para profissionais do Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes. O objetivo é aumentar o repertório e o conhecimento dos mecanismos de proteção e autoproteção, promovendo atividades qualificadas voltadas a crianças e adolescentes vítimas e potenciais vítimas, de todas as formas de abuso e exploração sexual.

– Desenvolvimento do projeto Mandacaru realiza atividades socioeducativas e psicossociais com 80 crianças, adolescentes e jovens vítimas ou potenciais vítimas de violência sexual da região noroeste de Campinas.

– Lançamento da terceira fase do projeto Novo Amanhecer.

– FEAC estabelece parceria com a Coalização Brasileira pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes.

Prevenção na família

É importante que os pais e responsáveis acompanhem e orientem as crianças no uso das tecnologias e da internet, garantindo que elas tenham acesso a conteúdos adequados e seguros.

Algumas orientações importantes são:

  • Estabelecer regras claras de uso da internet e tecnologias, definindo horários e limites para navegação.
  • Conversar com as crianças e adolescentes sobre os riscos da internet e a importância de manter a privacidade e a segurança de informações pessoais. Isso inclui dar o exemplo: os pais também não devem fazer esse tipo postagem.
  • Utilizar ferramentas de controle parental para bloquear conteúdos inapropriados e restringir o acesso a certos sites.
  • Estar alerta a sinais que podem deixar o filho ou filha mais vulnerável à abordagem de abusadores, como baixa autoestima. Buscar ajuda profissional se for o caso.
  • Monitorar as atividades online das crianças e adolescentes, verificando os históricos de navegação e interações em redes sociais.

Fontes: Beatriz Lorencini, coordenadora da área da prevenção das violências do Centro de Referência às Vítimas de Violência (CNRDE) do Sedes Sapientiae; Stelle Dáphine Goso, líder do Programa Infância em Foco, da Fundação FEAC e Natália Valente, especialista em violências da Fundação FEAC.

Como identificar casos de abuso e violência sexual

No contexto familiar

Os pais e responsáveis devem ficar atentos a sinais de comportamento como:

  • Mudança brusca de humor ou de comportamento. Exemplos: era carinhoso e deixa de ser; era calmo e passou a ser muito agitado; era doce e passou a ser agressivo.
  • Demonstra irritabilidade excessiva.
  • Regressão do comportamento: mostrar-se muito infantil para a idade (na forma de falar, tipos de brincadeira, retoma hábitos de quando era menor, mostra maior dependência etc).
  • Perda ou aumento de apetite.
  • Passa a ficar sempre sozinho, arredio. Ou, ao contrário, tem medo de ficar sozinho.
  • Demonstra estar sempre em estado de alerta, tenso, ansioso, assustado.
  • Chora por qualquer motivo ou mais do que costumava.
  • Começa a ter medo ou pavor de determinados locais, como o quarto ou o banheiro em casa, na escola ou na residência de um parente ou amigo.
  • Demonstra desconforto na presença de alguém (não necessariamente o abusador, mas alguém parecido com ele).
  • Foge do contato físico e se mostra triste ou melancólico.
  • Começa a usar linguagem sexual, imprópria para a idade ou demonstra interesse por brincadeiras eróticas, sedutoras, com conotação sexual.

No contexto escolar

A comunidade escolar também pode ajudar a identificar abusos e violências sexuais observando sinais como:  

  • Alterações no comportamento, como mudanças de humor, isolamento, agressividade ou dificuldades de concentração.
  • Começa a apresentar dificuldades de aprendizagem e baixo rendimento escolar.
  • Apresenta lesões físicas inexplicáveis ou recorrentes.
  • Demonstra desinteresse ou evasão escolar.
  • Tem comportamentos sexualizados inadequados para a idade.
  • Recebe presentes ou dinheiro sem justificativa plausível.

O que fazer

Caso haja suspeita de abuso ou exploração sexual, é fundamental buscar ajuda especializada de serviços de proteção à criança e ao adolescente ou órgãos responsáveis pela proteção dos direitos humanos, como o Conselho Tutelar ou a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente.

Fontes:

– Beatriz Lorencini, coordenadora da área da prevenção das violências do Centro de Referência às Vítimas de Violência (CNRDE) do Sedes Sapientiae

– Stelle Dáphine Goso, líder do Programa Infância em Foco, da FEAC

Cartilha “Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes – O Silêncio que Destrói Infâncias”, do Ministério Público do Ceará.

 

 

História infantil ajuda a falar de abuso sexual para crianças pequenas

Era uma vez uma tartaruguinha alegre, brincalhona e vaidosa.  De uma hora para outra, a tartaruguinha, chamada Tartanina, passa a arrastar um baú misterioso que, com o tempo, vai ficando mais e mais pesado. A partir daí, seu comportamento muda. Ela começa a se isolar, demonstrar tristeza, evitar os amigos. Todo mundo nota que algo está acontecendo, mas Tartanina diz que não é nada.

Infelizmente, a história dela não se limita ao mundo fantástico da literatura. Essa é a realidade de muitas crianças no Brasil e no mundo.

Desenvolvido em 2005 por três psicólogas, Alessandra Rocha, Cristina Fukumori e Sheila Soma, o livro O segredo de Tartanina, que tem a tartaruguinha como protagonista, foi criado para facilitar os atendimentos. As profissionais notavam que as crianças tinham dificuldade em verbalizar o que sofreram, seja por medo, vergonha, culpa, ou até mesmo por não compreenderem ao certo o que significa o abuso sexual.

Alessandra Rocha conta que presenciou, na sua prática, um aumento expressivo de crianças entre 3 e 4 anos que pareciam querer falar e não conseguiam. “Era muito desafiador. Tudo indicava que elas haviam sido vítimas de violência, devido aos comportamentos e sintomas apresentados, mas no atendimento elas não conseguiam falar. Parecia que havia algo bloqueando”, diz ela.

Na época, não havia nenhum conteúdo desse tipo disponível. “A Tartanina foi pioneira. Ela foi a primeira história infantil a tratar diretamente sobre o tema do abuso sexual”, conta a psicóloga. “Nós tivemos coragem de trazer à luz esse problema que é, por si só, escondido pelos autores, omitido pelas famílias e a criança não dá conta de pôr para fora por uma série de sentimentos e questões.”

A partir de um compilado de histórias reais, as autoras deram vida à Tartanina. Na narrativa, a personagem é vítima do polvo Malvo, pai de seu amigo Bonzo. A escolha de quem seria o abusador se deu justamente com o intuito de evidenciar o que os dados sobre o tema mostram: mais de 80% dos casos de abuso sexual infantil são cometidos por pessoas conhecidas pelas vítimas, de acordo com o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.

A escolha da personagem principal também não se deu por acaso. A ideia de colocar uma tartaruga como protagonista veio do modo como as autoras poderiam usar a metáfora do casco para falar sobre tirar a intimidade da criança e invadir seu espaço privado.

O fato de ela ser uma menina também foi proposital, já que elas são as maiores vítimas desse tipo de crime. Para não deixar os meninos de fora, levando em consideração que eles também sofrem abuso sexual, as psicólogas criaram o peixinho Glub, que foi exposto a uma violência ao ver Tartanina sendo fotografada sem o casco. 

A história, então, passou a ser contada nas sessões como forma de gerar identificação das crianças, que se viam na personagem e nas situações. Segundo Alessandra Rocha, elas começaram a relatar os traumas que haviam sofrido dizendo que tudo que aconteceu com a Tartanina havia acontecido com elas também.

Fora dos consultórios, a história passou a ser usada também pelos pais. “Com a Tartanina, eles dizem que aprenderam a conversar com os filhos sobre o assunto”, diz Cristina Fukumori.

Segundo as psicólogas, o ideal é introduzir o assunto aos 3 ou 4 anos, nomeando as partes do corpo – evitando apelidos – e explicando que existem partes que são privadas e que não devem ser tocadas por outras pessoas.

Essa faixa etária ainda é muito vulnerável e não tem noção de certo e errado. Por isso, é importante falar do tema aos poucos, sem mencionar diretamente o termo “abuso sexual”, porque a criança não vai entender.

Além disso, é preciso mostrar que existem contextos e que essas orientações de “não tocar” dependem das circunstâncias. O objetivo do médico, por exemplo, é examinar e ver se a criança está bem. Então, não dá para a mãe falar “ninguém pode tocar, de nenhum jeito possível”. Essas questões precisam ser orientadas, para a criança entender as diferentes situações e intenções, a fim de não generalizar, já que isso pode desencadear medos e bloqueios, piorando a situação.

Orientações como “tome cuidado com estranhos”, também não resolvem o problema, até porque a maior parte dos crimes é cometida por pessoas conhecidas.

Conforme a criança for crescendo, é preciso adaptar a abordagem. Alessandra enfatiza: “quanto mais cedo a criança for introduzida ao tema, maiores as possibilidades de ela ser livre da situação de violência”.

O foco do projeto, atualmente, é promover palestras, oficinas e capacitar a rede dos municípios, para que ela seja capaz de identificar situações potenciais de violências e possa proteger as crianças.

Saiba mais sobre o Projeto Tartanina.

Por Bárbara Vetos

 

Por Iracy Paulina

 

Revista Narrativa Social 27: 18 de maio

Edição 27 – 18 de maio

• Combater abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes é uma luta de todos
Campinas avança na efetiva implantação da Lei da Escuta Protegida
Revista Narrativa Social – Edição Especial: Violência contra a Criança e o Adolescente

 

Leia outras edições da revista Narrativa Social

Compartilhar no Facebook Compartilhar no LinkedIn Compartilhar no Twitter Compartilhar por e-mail