- Só um em cada quatro brasileiros de 18 a 24 anos está na faculdade. Entre os mais pobres, menos de um em cada dez
- Cursos preparatórios gratuitos em Campinas contribuem para a aprovação de estudantes em instituições como Unicamp, USP e Unesp
- FEAC investe recursos para garantir transporte e alimentação dos vestibulandos, além de apoiar a manutenção dos cursinhos
A educação é um direito garantido pela Constituição, mas chegar ao ensino superior ainda é um desafio para os jovens brasileiros. Três quartos da população de 18 a 24 anos estão fora das universidades e faculdades, mostra o levantamento mais recente do IBGE sobre o tema, a Síntese de Indicadores Sociais. O número, por si só desalentador, ainda embute uma intensa desigualdade. Entre os mais pobres, menos de um em cada dez jovens está no ensino superior; entre os mais ricos, a proporção sobe para quase seis em cada dez.

Fonte: IBGE, Síntese de Indicadores Sociais
Uma das estratégias para reduzir essa diferença são os cursinhos populares, que oferecem vagas gratuitas aos vestibulandos de baixa renda. A Fundação FEAC apoia cinco deles em Campinas, com recursos que ajudam a:
- Pagar professores
- Comprar materiais (como projetores e impressoras)
- Custear o transporte e a alimentação dos alunos, para evitar que abandonem os estudos
A atuação fortalece o ensino continuado preparatório, reduzindo as dificuldades de aprendizagem de diversos jovens da periferia — pobres, dos vários gêneros, negros, indígenas, quilombolas, com deficiência… Assim, coloca-os em posição mais equânime na busca por uma vaga no ensino superior, técnico ou no mercado de trabalho.
O primeiro universitário da família
Só neste ano, até a primeira semana de fevereiro, os cursinhos populares da região haviam ajudado a colocar cerca de 70 vestibulandos em universidades – o total deverá ser maior, pois alguns resultados ainda estão sendo divulgados. Quase todos passaram em instituições mais concorridas, como Unicamp, USP, Unesp e algumas federais.
São jovens como Victor Hugo Vinícius dos Santos, de 18 anos, que mora no Jardim Esmeraldina, em Campinas, com o pai, a mãe, dois irmãos e a avó. Em fevereiro, ele começa a cursar Letras na Unicamp. Também passou na Unesp, em biologia, e em enfermagem, na Universidade Federal Fluminense. Será o primeiro da família a entrar numa faculdade: o pai, motorista de ônibus, concluiu o ensino médio; a mãe, merendeira, nem chegou a terminar essa etapa. “Se dependesse só de mim mesmo para estudar, não teria passado. Minha família nunca teria condições de pagar um cursinho particular”, diz ele.
Iniciativas desse tipo surgiram ainda nos anos 1950, afirma Josely Rimoli, idealizadora e coordenadora do Colmeias, programa da Unicamp para cursinhos populares. Eles cresceram na década de 1990 e ganharam mesmo força a partir dos anos 2000. “Enquanto o ensino médio não for de qualidade, eles são necessários”, avalia.
O problema, porém, não se limita à qualidade do ensino. Desigualdades sociais e aspectos geracionais também ajudam a afastar alguns jovens da graduação. “Os filhos de pais e mães que cursaram ensino superior veem que eles conseguem emprego, os parentes estimulam o estudo”, observa Rimoli. “Já a grande maioria dos estudantes dos cursinhos populares não tem um familiar que passou na universidade. Alguns anos atrás, o nosso maior problema era obter apoio das famílias, porque os pais queriam tirar os filhos do cursinho para trabalhar”, contrapõe.
A trajetória de Victor indica que os cursinhos podem contribuir para transformar não só a história dos jovens. “Depois que fui aprovado, minha mãe e uma prima também querem fazer faculdade. Já estão procurando um supletivo para terminar o ensino médio.”
Como é a rede de cursinhos populares da Unicamp?
Victor estudou no cursinho popular Marielle Franco, que integra o Colmeias, projeto nascido pequeno em Limeira, em 2010, por iniciativa de professores da Unicamp, e que chegou a Campinas em 2022, quando se tornou um programa de extensão da universidade. Desde então, conta com o apoio da FEAC.
- A estrutura — Dez cursinhos, entre pré-vestibulares e pré-vestibulinhos (voltados à aprovação em colégios técnicos). Todos estão com matrículas abertas até o final de fevereiro (veja quadro no final do texto).
- O público-alvo — Estudantes de escola pública com renda familiar de até 1,5 salário mínimo por pessoa (R$ 2.118,00 em 2024).
- A verba — A Unicamp destina R$ 853 mil anuais à iniciativa. “O programa está no orçamento da universidade, então é uma atividade contínua”, destaca.
- O acolhimento — O trabalho envolve não apenas ensino, mas também respaldo emocional — é o que a coordenadora chama de “modo Colmeias”. Algo crucial para adolescentes que frequentemente se deparam com notas ruins nas primeiras avaliações. Victor, por exemplo, destaca a importância de uma professora de Literatura, Cecília Marcon, que lhe estimulou muito. “Ela disse que me ajudaria no que precisasse e que tudo ia dar certo. O cursinho foi fundamental para os estudos, com informações e, principalmente, apoio emocional”, comenta.
- Os resultados — Em 2023, atendeu 595 estudantes nos cursos pré-vestibulares presenciais. Até a primeira semana de fevereiro, são 66 aprovados e 97 aprovações (um aluno pode passar em mais de um curso, como aconteceu com Victor). Isso significa um aprovado a cada nove matriculados (no último vestibular da Unicamp, havia uma vaga para cada 25 inscritos). Ainda não há informações sobre a aprovação dos 360 que se matricularam na modalidade on-line, destinada a comunidades indígenas, quilombolas, pequenos agricultores, extrativistas e jovens da Fundação Casa.
Como a FEAC apoia os cursinhos populares?
“Sempre soubemos que em Campinas havia um número expressivo de cursinhos populares, iniciativas de pessoas do bairro, de jovens estudantes e professores. Então, procuramos potencializar e fortalecer essas ações”, diz Rafaela Canela, analista de projetos da FEAC.
O apoio tem as seguintes características:
- O princípio — Os alunos não precisam apenas de cursinhos gratuitos – precisam também de condições para se manter neles.
- A parceria — Em novembro de 2022, a FEAC firmou acordo com a Fundação de Desenvolvimento da Unicamp (Funcamp) e a Pró-reitoria de Extensão e Cultura, responsável pela gestão do Colmeias.
- O objetivo — Ampliar o acesso e a permanência de jovens periféricos nos cursinhos populares. “A evasão nesses cursos é muito grande”, reconhece Rafaela Canela. Por isso a parceria inclui também recursos para transporte e alimentação.
- O investimento — São R$ 387 mil ao longo de 24 meses.
- A abrangência — Cinco cursinhos pré-vestibulinhos e pré-vestibulares do Colmeias em Campinas: Herbert de Souza, Proceu, Malunga, Marielle Franco e Responsa.
- O efeito multiplicador — A ideia é que a Funcamp possa transferir para outros cursinhos as lições aprendidas: metodologia de ensino, modos de acessar recursos, como fazer uma gestão mais eficiente.
Esse apoio foi fundamental para o futuro universitário Victor. Estudante do Colégio Técnico Bento Quirino em período integral, ele conta que sua rotina começava às 6h, quando saía de casa, e terminava às 23h, após as aulas no cursinho. “Eu não seria aprovado sem as aulas gratuitas e sem o apoio com o passe e a comida. Para chegar ao cursinho e depois voltar para casa, pegava dois ônibus. Meus pais não teriam como pagar esse transporte. Como passava o dia todo fora, minha janta era a refeição que ofereciam lá.”
Cursinhos populares do programa Colmeias |
EM CAMPINASCursinho Herbert de Souza* |