(Por Laura Gonçalves)

Quando as crianças calçam seus sapatos e começam a dar os primeiros passos na aula de sapateado já é possível perceber a paixão pela dança. Na Associação Beneficente Campineira (ABC), instituição conveniada à Fundação FEAC, com unidade localizada na região Norte de Campinas/SP, a oficina de sapateado é o carro-chefe entre as atividades oferecidas pela instituição.

No serviço de convivência, as crianças e adolescentes, de 6 a 14 anos, reúnem-se para o ensaio e desenvolvem a socialização. Além do aprendizado da modalidade artística, a dança ainda auxilia na coordenação motora, ritmo, integração e concentração.

O objetivo é propiciar aos pequenos, por meio da arte, condições para o desenvolvimento da cidadania, respeito, cooperação e ainda colaborar na formação do indivíduo.

“Acredito que essas crianças e jovens acabam ganhando autonomia e desenvoltura. Eles são os protagonistas dentro dos palcos e em suas vidas. Isso não tem preço porque o sapateado atua como ferramenta de integração onde todos fazem sua parte para que tudo dê certo, em prol de um objetivo comum”, explicou a pedagoga da instituição, Tânia Lupercínio de Paula.

Na Associação, o sapateado vai além de ser somente uma formação. A atividade é um meio utilizado para que se atinja o objetivo maior que é convivência e fortalecimento dos vínculos.  A arte é parte do desenvolvimento dos pequenos com eles próprios e com a sociedade. “A dança favorece a criatividade, a musicalidade, a socialização, e ainda proporciona o conhecimento do corpo, dá noções de espaço e de lateralidade. Por isso é importante que as aulas sejam dinâmicas para que se tornem prazerosas para as crianças”, completou a pedagoga.

Para a coordenadora da instituição, Raquel Pereira de Souza, as mudanças das crianças à medida que frequentam as oficinas são significativas. “Observamos que os pequenos apresentam uma transformação comportamental na questão da convivência e fortalecimento de vínculos. Melhoram a participação grupal e individual ao longo da vivência e convívio. O sapateado acaba ajudando na concentração e no controle por meio dos exercícios propostos”, informou.

De acordo com a assessora técnica do Departamento de Assistência Social (DAS) da Fundação FEAC, Carla Nascimento, trabalhar para que o objetivo do serviço, que é a Convivência e Fortalecimento de Vínculos, seja contemplado requer dos profissionais das instituições planejamento e planos de ação com estratégias de trabalho motivadoras para ingresso e permanência dos usuários. “O ABC São Marcos tem possibilitado, por meio das oficinas de sapateado, o interesse dos moradores dessa região em fazer parte da entidade, utilizando-se da arte como um meio norteador para fortalecimento das relações”, ressaltou.

Time de ouro

O sapateado começou na ABC há 16 anos, quando o educador Luyz Baldijão recebeu o convite para desenvolver um trabalho voluntário com as crianças da instituição. “A primeira coisa que fiz foi levar as famílias para uma apresentação de final de ano da minha escola de sapateado. Dessa forma, pais e filhos puderam conhecer a dança, ter um primeiro contato com essa arte. Lotamos dois ônibus e fomos todos para o Teatro Municipal Castro Mendes”, lembrou.

Após a apresentação, o professor chegou na entidade com o seu par de sapatos e um tablado para saber quais crianças gostariam de aprender o sapateado. “Logo de cara a maioria se interessou e daí comecei o projeto. Como tinha escola de dança, consegui 50 pares de sapatos usados e as crianças da instituição iam se revezando para usá-los. E assim fomos levando e crescendo como grupo. Todos comprometidos”, enfatizou Baldijão.

Em 2003, a ABC, por meio do sapateado, participou de um edital da extinta Fundação Vitae, que selecionou o projeto. Com a verba recebida foi possível construir uma sala própria para a modalidade e comprar novos sapatos para as atividades. “Nossas crianças eram muito envolvidas, apaixonadas pelo sapateado e conseguimos seguir com o projeto e nosso grupo só se consolidou”, falou.

De acordo com o educador, em 2006 foi a primeira vez que um dos alunos da entidade teve a oportunidade de viajar e fazer uma apresentação internacional. “Ia levar um grupo da minha escola para Nova Iorque e falei com a direção do ABC para também levar uma das crianças daqui. A ideia foi aceita e corremos atrás para agilizar a ida de um aluno comprometido, que pudesse servir de exemplo para os outros. As crianças se uniram, todos queriam que um deles fosse e lutaram por isso”.

Tiago Rodrigo Alves foi o primeiro a ir para Nova Iorque e lá, após a apresentação, o jovem ganhou uma bolsa para dançar por três semanas. Também recebeu um prêmio que era destinado a uma pessoa que estava disseminando o sapateado pelo mundo. “Sou muito grato ao meu primeiro professor e à ABC pela oportunidade que me deram. Aprendi a trabalhar em grupo, pensar no próximo, ter respeito pelos outros, concentração e responsabilidades. Tive a chance da minha vida quando fui escolhido para ir para os Estados Unidos e essa oportunidade não tem preço”, relatou.

Outros alunos da entidade se destacaram e ganharam bolsa para dançar nos Estados Unidos da América (EUA). Jéssica Naiara Bento foi a primeira a estudar sapateado em Washington; Henrique Moreira Gabriel viajou para Chicago; e Luiz Guilherme Lupercínio de Paula, recebeu uma bolsa para ir a Los Angeles. “Também recebemos uma proposta para levar a classe toda para se apresentar nos EUA, mas não conseguimos o dinheiro. Foi uma pena porque eles eram muito bons. Porém, conseguimos levá-los em apresentações por diversas cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro. Mas, mais que isso, nosso intuito sempre foi a interação e convivência das crianças”, ressaltou Baldijão.

Passando o bastão

Com o destaque da turma toda, o sapateado só ganhou adeptos na entidade. “As crianças sempre tiveram esse primeiro grupo como modelo e isso ajudou a fortalecer ainda mais as atividades. Hoje, olho para trás e vejo que fizemos um bom trabalho. As crianças adquiriram confiança, habilidade e lutam pelas suas conquistas. A dança facilita a sociabilização, além de vários outros aspectos e esses benefícios ficam para sempre com as crianças”, falou o professor.

Conforme Baldijão, todos esses 16 anos foram repletos de histórias, suor, conquistas e muita alegria. “Agora está na hora de eu me dedicar a outros projetos e não poderia deixar o sapateado da ABC em melhores mãos”, frisou. O comando, a partir desse semestre, fica nas mãos do ex-aluno Luiz Guilherme.

O novo educador frequentou a ABC desde criança e nunca deixou a instituição. “Entrei com 6 anos e nunca fiquei fora muito tempo, tenho um amor muito grande por tudo isso e devo minha vida e minhas conquistas ao sapateado. Sei que essas crianças estão sonhando o mesmo sonho que eu tive e que consegui realizar e isso é uma responsabilidade para mim”, esclareceu.

Para os pequenos, o mais importante é que o sapateado nunca pare. “Eu adoro os encontros, gosto do educador e quero ser uma sapateadora. Fico feliz quando estou aqui”, falou a pequena Ana Júlia da Silva, de 7 anos. Outro adepto da oficina é o menino Johnny de Paula Silva, de 12 anos, que está nas aulas há 7 anos. “Gosto de viajar com o grupo, me apresentar para um monte de gente. Gosto do sapato, do barulho. Isso é da hora”, disse.

 

Calendário Cultural 

Os meninos do sapateado da ABC também já se apresentaram na Fundação FEAC com o espetáculo Percusamba. A homenagem ao centenário do samba, passeando por várias interpretações de chorinho e outras canções que marcam o ritmo, foi realizada no ano passado, 2016.

Para a coordenadora Raquel, participar da apresentação da FEAC foi uma experiência muito produtiva. “Esses momentos contribuem para a visibilidade e reconhecimento do nosso trabalho e colaboram para o desenvolvimento da disciplina, do autoconhecimento e do enfrentamento do medo. Também estimulam o desenvolvimento de potencialidades, habilidades, talentos e propiciam sua formação cidadã”, ressaltou.

“É sempre uma emoção levar nossas crianças e adolescentes para uma apresentação. O comprometimento do grupo é grande e quando há um espetáculo ficamos ainda mais unidos. A FEAC é uma parceira que está sempre nos ajudando a desenvolver nossa arte e a atingir nosso objetivo de contribuir para o desenvolvimento motor, cognitivo, autoestima, disciplina, solidariedade, interação, sociabilidade, fortalecimento de vínculos afetivos, autonomia e formação cidadã”, finalizou Baldijão.