Os efeitos do isolamento social, durante a pandemia de Covid-19, e os recentes ataques em escolas no país alertaram a sociedade da necessidade de conversar sobre saúde mental de adolescentes e jovens. (Leia mais sobre no quadro no fim do texto)

Segundo pesquisa realizada pelo Datafolha, em meados de 2022, oito em cada dez brasileiros de 15 a 29 anos apresentaram algum problema de saúde mental nos últimos meses. Entre os problemas mais relatados estão pensamentos negativos, dificuldade de concentração, crise de ansiedade e tristeza excessiva.

O governo federal vem adotando estratégias para o cuidado da saúde mental, como a criação do Departamento de Saúde Mental no Ministério da Saúde. O órgão anunciou que o apoio psicológico é pauta prioritária em ações para enfrentar e prevenir violência nas escolas.

Em Campinas, a Fundação FEAC tem olhado para esse tema com atenção. Neste ano, foram iniciadas as atividades do Projeto Vem com a Gente, realizado em parceria com a Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) Terra das Andorinhas. O objetivo é proporcionar autoestima saudável, fortalecer os vínculos e prevenir sintomas de ansiedade e depressão.

“A importância desse projeto é ampliar os espaços de atenção à saúde mental de adolescentes e jovens e contribuir para diminuir os casos de ansiedade e depressão, promovendo o bem-estar e a autoestima”, diz Rodrigo Correia, coordenador do Programa Juventudes da Fundação FEAC.

Saúde mental das juventudes que vivem em áreas vulneráveis é mais afetada

Segundo a Secretaria Municipal de Saúde de Campinas, o índice de tentativas de suicídio entre pessoas de 15 e 29 anos, subiu 62,7% em 2021 em relação a 2020.

O Projeto Vem com a Gente surgiu a partir das demandas trazidas pelas juventudes, em especial pelo Conselho Jovem do Programa Juventudes. Durante a pandemia, eles observaram um aumento dos sintomas de ansiedade e depressão entre adolescentes e jovens. Também relataram a importância de se discutir e cuidar dos aspectos ligados à saúde mental.

Além do isolamento social, fatores como desemprego, insegurança alimentar, desigualdade social, risco de exposição a violências e sobrecarga de responsabilidades exercem forte impacto na saúde mental de jovens de áreas vulneráveis.

“Lidar com as emoções instáveis comuns no período é ainda mais difícil para quem vive nas periferias. Os jovens incorporam responsabilidades sociais aos próprios anseios pessoais e isso influencia o adoecimento mental”, diz Liliana Mussi, presidente da Terra das Andorinhas.

Suporte e cuidados à saúde mental de jovens

Diante desse cenário, o Projeto Vem Com a Gente busca oferecer aos jovens de 14 a 29 anos, em situação de vulnerabilidade social, o direito de acessar gratuitamente estratégias de cuidado à saúde mental, maior controle da ansiedade, redução nos sintomas depressivos, prevenção do suicídio, ganho de autoestima e empoderamento individual e coletivo.

“Precisamos entender saúde não como ausência de doença, mas como a busca por um bem-estar físico, mental e social. Os cuidados com a saúde mental são parte fundamental de uma atenção integral à saúde” fala Rodrigo Correia.

Para isso, a Terra das Andorinhas atua ao lado de escolas e Organizações da Sociedade Civil (OSC) de Campinas oferecendo oficinas de capacitação psicopedagógica a profissionais da educação e da assistência social. Entre elas a Associação da Parada e apoio LGBT de Campinas, a Associação de Educação do Homem de Amanhã (Guardinha Campinas), a Sociedade Educativa de Trabalho e Assistência (Seta) e o Centro Comunitário Jardim Santa Lúcia.

Os jovens têm a oportunidade de participar de grupos de apoio presencial, rodas de conversa, terapia on-line e oficinas terapêuticas e de teatro. As atividades trabalham temas como combate ao bullying, violência psicológica e moral como parte da atenção à saúde mental.

O projeto prevê ainda realizar uma campanha virtual para alcançar mais jovens, por meio de webinários, vídeos de reflexão, caixa de perguntas nas redes sociais e jogos on-line. Atualmente está sendo desenvolvido um avatar virtual para interagir e tirar dúvidas sobre saúde mental.

Liliane Mussi diz que também há planos para capacitar cinco jovens que atualmente participam das atividades para atuarem como monitores do projeto. Eles apoiarão a realização de oficinas conduzidas por uma equipe formada por pedagogos e terapeutas e receberão uma bolsa-auxílio.

 Acompanhe as atividades do Projeto Vem com a Gente no Instagram.

A escola precisa ser um espaço de acolhimento

Somente no início do ano, em um breve período de três meses, foram noticiados três ataques em escolas e um em uma creche nas cidades de: Monte Mor (SP) em 13 de fevereiro; São Paulo (SP) em 27 de março; Rio de Janeiro (RJ) em 28 de março; e Blumenau (SC) no dia 5 abril.

Um levantamento realizado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) registrou 22 casos de ataques por alunos e ex-alunos desde 2002. Nove deles ocorreram entre agosto de 2022 e março de 2023.

Segundo Danila Di Pietro, doutoranda em Educação pela Unicamp e uma das pesquisadoras do estudo, os ataques, normalmente, estão relacionados a ressentimentos gerados por situações na escola como bullying, advertência e conflitos mal resolvidos.

O estudo também identifica que o crescimento de casos é resultado de uma série de circunstâncias, como os efeitos do isolamento social, aumento do discurso de ódio e o relaxamento do controle de acesso às armas de fogo.

Segundo a especialista, nos últimos anos, as escolas têm encontrado dificuldades em se tornarem um espaço de acolhimento. São em comunidades on-line que os autores dos crimes encontram identificação e pertencimento e são expostos a conteúdos de ódio e tutoriais de atos violentos. “A escola tem passado por uma série de movimentos que têm cerceado o diálogo”, aponta Danila. Ela cita os exemplos dos projetos de “escolas sem partido”, dos ataques a uma suposta “ideologia de gênero” e o fato de os professores estarem sendo filmados.

Em abril, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, em parceria com a associação Safernet Brasil, anunciou o canal de denúncias Escola Segura para receber informações de possíveis ameaças e ataques às escolas. O canal faz parte da Operação Escola Segura, que realiza ações como monitoramento de conteúdos de discurso de ódio na internet.

Danila Di Pietro diz que a criação do canal de denúncias é um passo importante. Mesmo assim, chama atenção de que as ações também precisam ser realizadas dentro da escola. São necessárias políticas públicas que atuem na promoção da convivência escolar, trabalhando no acompanhamento dos alunos e na prevenção de violências.

“O trabalho precisa durar muito tempo. Quando você fala de saúde mental, não é um antibiótico que resolve o problema, é um processo que tem que ter acompanhamento”, explica.

Acesse o canal de denúncias Escola Segura.

 

Por Pietra Bastos