Quem cuidará do meu filho com deficiência no futuro? Esta é uma preocupação compartilhada por muitos pais e mães e foi a partir dela que nasceu o projeto Asas, um método que se propõe a criar, fortalecer e ampliar a rede de apoio para pessoas com deficiência, visando que elas possam envelhecer com maior autonomia e qualidade de vida.

“Se, em uma família, só a mãe é responsável pelo cuidado do filho com deficiência, o que vai acontecer quando ela não estiver mais aqui? Se o filho não tiver uma rede de apoio, se ele não tiver amigos, se não fizer parte de mais nenhum grupo, com quem poderá contar?”, questiona Viviane Machado, líder do Programa Mobilização pela Autonomia, da FEAC.

A metodologia do projeto Asas foi desenvolvida no Canadá há mais de 20 anos, pelo Plan Institute, e é aplicada em diversos países. Em 2020, a Asid – Ação Social para Igualdade das Diferenças foi responsável por trazê-la ao Brasil, por meio de um projeto-piloto realizado via plataforma on-line, com 105 famílias de São Paulo (SP) e Curitiba (PR).

Agora, chegou a hora de trabalhar em rede e multiplicar impactos: a partir de maio de 2022, a Asid vai capacitar dez Organizações da Sociedade Civil (OSC) de Campinas, parceiras da FEAC, que atuam com a inclusão da pessoa com deficiência. O objetivo é repassar a metodologia Asas e auxiliar essas organizações a aplicá-la aos seus beneficiados.

Plano de vida e rede de apoio

“A assistência social, as escolas ou organizações sociais trabalham no ‘agora’ da pessoa com deficiência, mas pensam muito pouco no futuro”, avalia Pedro Ivo Toscano, líder de Novos Negócios da Asid.

Em uma das atividades do projeto, por exemplo, o familiar é convidado a escrever uma “carta para o futuro”, expressando como gostaria que as pessoas tratem seu familiar com deficiência, quando ele não puder estar presente.

Além de fomentar reflexões sobre o futuro, o Asas promove a criação de um plano de vida individual para a pessoa com deficiência, visando estimular o seu “voo”. Para isso, é fundamental trabalhar para o fortalecimento de uma rede de apoio, com quem a pessoa possa contar na ausência de seus pais.

“Nossos filhos vão ter que passar pela perda de familiares, mais cedo ou mais tarde. Para nós, falar sobre isso nunca foi um problema, mas durante o projeto eu vi que, em muitas famílias, esse assunto nunca veio à tona”, relata Lisabeth Aleoni Arruda, que participou do projeto-piloto. Ela é mãe de Claudio Aleoni Arruda (ambos na foto, acima), 37 anos, que tem síndrome de Down.

Ao todo, são 20 horas de oficina, onde a pessoa com deficiência e um familiar participam. O projeto é voltado para qualquer deficiência, mas 90% dos participantes do projeto-piloto eram pessoas com deficiência intelectual.

Isolamento da pessoa com deficiência

No Brasil, apenas 7% das sete milhões de pessoas com deficiência aptas para o mercado de trabalho estão empregadas, segundo dados de 2018 da Relação Anual de Informações Sociais (Rais). “Na nossa sociedade, tudo tende a fazer com que a pessoa com deficiência não esteja preparada para o envelhecimento: com frequência, elas são excluídas da escola e do mercado de trabalho, por exemplo, o que cria muitas barreiras para a rotina social”, afirma Pedro, da Asid.

O projeto Asas busca mudar esse cenário, estimulando a pessoa com deficiência a ir além do núcleo familiar, formando novas conexões. “A rede de apoio é importante para qualquer pessoa, independentemente de ter ou não deficiência. Para a pessoa com deficiência, ela triplica o peso, porque são pessoas que, apesar de terem autonomia em vários setores, precisam de apoios”, avalia Lisabeth.

No caso do seu filho Claudio, ela o auxilia na locomoção pela cidade, levando-o até os locais, contratando um motorista ou chamando um carro pelo aplicativo. Há dois anos, eles vivem em Piracicaba (SP), cidade da família de Lisabeth. Antes, moravam em São Paulo.

Em uma das atividades do Asas, os participantes realizam um mapeamento da rede de apoio, identificando possíveis parentes ou amigos para fortalecer laços. A família, então, entra em contato com essas pessoas para checar se há reciprocidade.

Durante essa atividade, Lisabeth descobriu que seu filho Claudio gostaria de morar com uma prima, quando os pais não estiverem mais aqui. “Na conversa que tivemos, ela se mostrou totalmente aberta. Em relação à rede de apoio, eu posso ficar tranquila. Claudio é uma pessoa com tanto empoderamento de sua vida, que não vai ser um peso para ninguém.”

Futuros possíveis

Rosângela Biano, assistente social e facilitadora do projeto-piloto, conta que, com o passar dos encontros, o projeto despertou novas possibilidades de futuro, acalmando o “susto inicial” dos pais ao pensar na problemática levantada. “Se amanhã eu não estiver aqui, o que posso já preparar hoje para meu filho? Eu vejo que esse é o maior impacto do projeto: os familiares enxergarem que existe uma saída”, diz.

Aos poucos, a possibilidade de uma vida mais autônoma começa a ganhar forma. “É maravilhoso quando percebemos que, apesar daquela limitação, a pessoa com deficiência pode vivenciar experiências como qualquer outra”, analisa Rosângela.

O projeto-piloto atingiu as expectativas: segundo a avaliação, 65% das famílias concluíram o plano de ação familiar durante as oficinas. As demais iniciaram o processo durante os encontros.

Os planos de ação desenvolvidos contemplaram diversas áreas da vida e incluem metas como: aprender a ler e escrever, iniciar um curso de pós-graduação, começar a trabalhar, iniciar aula de natação, casar-se, tirar carteira de motorista, conhecer um grupo de ciclistas, começar trabalho voluntário, entre outras.

As conquistas de Claudio

O participante Claudio já soma diversas conquistas em sua vida: movido por sua paixão pelos cavalos da fazenda dos avós, ele começou a fazer aulas de equitação na Sociedade Hípica Paulista aos 15 anos, sendo o primeiro aluno do clube de hipismo com síndrome de Down. O que começou como um hobby, tornou-se uma carreira, tamanha foi a sua dedicação.

Na hípica, Claudio se destacou e se tornou Auxiliar de Assistente de Equitação para crianças em pôneis. “Eu ajudava crianças a montar. Trabalhei lá por 10 anos. Como cavaleiro, fiquei por 20 anos”, conta Claudio, que participou de competições e conquistou títulos. Em 2009, tornou-se vice-campeão paulista e vice-campeão regional metropolitano de hipismo, saltando 0,60 metro e concorrendo com 118 cavaleiros onde apenas ele tinha síndrome de Down.

Durante o projeto Asas, Claudio e sua mãe descobriram que ainda há muitas conquistas por vir. “O projeto Asas trouxe tudo para mim. Foi importante para o meu projeto de vida e metas. Ele até transformou minha meta”, revela.

Devido ao alto custo de abrir um centro de equoterapia, Claudio decidiu deixar essa meta para o futuro e, no momento, investe em dar palestras para empresas e organizações. Nas palestras, o rapaz conta como a inclusão pelo esporte mudou a sua vida, mostrando que é possível, sim, uma pessoa com síndrome de Down ter autonomia e construir uma carreira.

Outras metas foram traçadas durante o Asas, como realizar uma capacitação para o mercado de trabalho, fazer curso de inglês e se casar com a sua atual namorada. “Eu quero fazer coisas diferentes e estar sempre em movimento. E vou continuar dando palestras”, diz Claudio.

Por Laíza Castanhari