O Via Conexão, projeto de mentoria voluntária da Fundação FEAC, iniciou em setembro sua terceira edição trazendo duas novidades. Pela primeira vez, conta com uma parceria institucional, com a Azul – Linhas Aéreas. Também ofereceu um treinamento on-line sobre diversidade e inclusão para todos os mentores, mesmo àqueles que não formariam duplas com pessoas com deficiência, que são 28 dos 50 mentorados.
O projeto une voluntários de empresas, jovens em situação de vulnerabilidade e pessoas com deficiência, para que esses profissionais com mais experientes experiência compartilhem suas vivências e apoiem pessoas no início de carreira a construírem seus sonhos. É uma troca mútua, na qual mentores e mentorados ampliam seus repertórios de vida.
Amadurecimento
O terceiro ciclo do projeto conta com 50 duplas de mentores e mentorados. Pela primeira vez, 100% dos mentores são de uma só empresa. Até então, a iniciativa recebia como voluntários profissionais de diversas companhias, inclusive da Azul. O ótimo retorno dos colaboradores da companhia aérea é que a levaram a procurar a FEAC para fechar uma turma exclusiva de mentoria.
Marcela Doni, analista de projetos do Programa Cidadania Ativa da FEAC, explica que a parceria institucional inédita é um sinal da consolidação do Via Conexão. “Após os dois primeiros ciclos, o projeto agora se encontra maduro o suficiente para receber uma parceria como essa.” Até então, 62 duplas já haviam participado do projeto, que começou em 2020.
O vice-presidente da Azul, Jason Ward, considera que essa é uma oportunidade para os tripulantes – como os colaboradores da Azul são chamados – conhecerem melhor as diferentes realidades do Brasil. “Queremos que eles sejam ótimos seres humanos”, afirma.” Inclusive, Jason, que é norte-americano, também está participando como mentor.
Durante sua experiência como voluntário, ele conta que se emocionou quando perguntou a Michel Ricardo Santos da Silva, seu mentorado, sobre seus pontos fortes. Diante do silêncio, Jason pediu que a mãe de Michel o ajudasse a identificar as potencialidades do filho, que tem deficiência visual. “Foi muito emocionante ver a mãe falar sobre a determinação dele e ajudá-lo a entender que todos temos dificuldades na vida, mas também temos pontos fortes”, relembra.
O vice-presidente define a Azul como uma empresa engajada em pessoas. “Nossa filosofia sempre foi servi-las. Por isso, queremos que todos nós sejamos voluntários, que todos nós estejamos participando nas comunidades.”
Diversidade e inclusão
Já o treinamento sobre diversidade e inclusão de pessoas com deficiência aconteceu durante dois dias, num total de quatro horas. Nele, foi discutida a importância de a temática estar cada vez mais presente nas empresas e na sociedade. No final do projeto, a proposta é que os mentores passem adiante suas experiências e aprendizados.
“Ao longo do processo de mentoria, observamos grande adesão e muito interesse dos mentorados com deficiência. Além disso, desmistificaram-se possíveis preconceitos entres os mentores voluntários, já que estes foram desafiados a romper barreiras que poderiam ter e a adaptar a comunicação de acordo com a necessidade do seu mentorado”, explica Marcela, da FEAC.
Julia Tavares Dias é uma das mentoradas da terceira edição. Ela tem 17 anos e nasceu com deficiência visual. Já seu mentor é o gerente de qualidade e melhoria contínua da Azul Plínio Antonio Silva de Oliveira, que tem 44 anos de experiência profissional.
Para Julia, a deficiência visual nunca foi uma restrição para estudar, sonhar ou ser apaixonada por leitura. Na escola, por exemplo, ela conta com uma máquina de escrever em braille e, no tempo livre, está sempre buscando um novo livro de romance em braille para ler. “Eu nunca me senti limitada. Eu acredito muito que se você quer, tem que ter força de vontade e ir atrás”, diz.
Além de participar do treinamento, a cada encontro, Plínio aprende na prática, com Julia, a importância de se lutar por uma sociedade mais inclusiva. “Os limites pessoais percebidos, como no caso da Julia por ser deficiente visual, muitas vezes, são autoimposições. A Julia nos ensina que devemos nos superar buscando alternativas às nossas limitações, sempre com muita resiliência”.
No final da mentoria, a jovem espera estar mais próxima de realizar suas metas e no caminho de ser a advogada trabalhista ou civil que sonha em ser. “Eu acho que a mentoria é boa para todas, até para quem não tem deficiência. Eu, por exemplo, estou no final do ensino médio e chegou uma hora que eu fiquei confusa, me perguntei ‘o que vou fazer daqui para frente?’, e precisava de um apoio. Foi na mentoria que encontrei esse apoio, não só profissional, mas pessoal também.”
“Eu tenho a percepção que a inclusão tem que ser uma regra constante no meio social, tanto no mundo profissional como na sociedade como um todo. Para mim, isso é o que traz a riqueza das experiências”, completa o mentor Plínio.
Um vínculo que se constrói
Os encontros do Via Conexão são realizados semanalmente, durante três meses, via plataforma online e divididos em três blocos: atividades de autoconhecimento (quem sou?), reflexões sobre o atual contexto do mentorado (onde estou?) e planejamento de metas nas esferas pessoal, acadêmica e profissional (para onde vou?).
Jason diz que se surpreendeu positivamente com a trilha de reflexões proposta. “Um desafio do voluntariado é que, se as coisas não são bem estruturadas, as pessoas chegam com muita energia e depois desanimam. O Via Conexão tem feito o oposto disso: o treinamento, o apoio e o material são muito ricos. Assim, o voluntário se sente muito mais empoderado para fazer seu trabalho”, afirma o vice-presidente da Azul.
Já Plínio Antonio ressalta que a mentoria proporciona riqueza na troca de experiências pessoais e superação de desafios. “Acho que cada vez mais temos que espalhar iniciativas assim para outros colegas”, ressalta.
Júlia está no último ano do ensino médio e possui duas metas que espera alcançar em breve: estudar Direito em uma faculdade pública e conseguir seu primeiro emprego. “Espero que no final da mentoria eu esteja mais preparada para o mercado de trabalho”, almeja.
Nos próximos encontros, Plínio planeja apoiá-la na preparação para entrevistas de emprego, mostrando como ela pode destacar seus pontos fortes. Juntos, já identificaram que a comunicação de Julia é um deles. “Eu gosto muito de expressar minha opinião. Apesar de eu ser tímida, quando estou num debate eu perco toda minha timidez, adoro me posicionar”, diz.
A timidez, aliás, Julia conseguiu deixar de lado já nos primeiros encontros da mentoria. A cada semana, a confiança entre mentor e mentorado vai sendo construída. “A partir do terceiro encontro, acho que ela mudou o software e conheci outra Julia”, brinca Plínio. “Os dois primeiros encontros foram quebra-gelo e depois a comunicação se tornou plena.”