O segundo setor é composto pelas empresas privadas. No terceiro setor, estão as organizações sem fins lucrativos. Mas há também instituições que estão no meio do caminho: visam o lucro – que pode ser totalmente reinvestido ou distribuído – ao mesmo tempo em que têm a busca de objetivos socioambientais no centro de suas atividades. São os chamados negócios de impacto (veja a tabela abaixo).
Apesar de existirem há cerca de 40 anos, foi só na última década que esse tipo de empreendimento começou a surgir no país. O fortalecimento do ecossistema em torno dele, no entanto, tem sido vigoroso.
Negócios de impacto: de Bangladesh para o Brasil
A origem dos negócios de impacto é o Banco Grameen, criado em Bangladesh em 1983 por Muhammad Yunus para dar microcrédito para pessoas que viviam na pobreza. Isso permitia que elas investissem em seus microempreendimentos, possibilitando mobilidade social. A iniciativa rendeu a seu criador o Prêmio Nobel da Paz de 2006.
Já no Brasil, o tema ganhou força mais de 30 anos depois, em 2014, quando o Instituto de Cidadania Empresarial (ICE), fundado em 2012 para incentivar ações capazes de criarem impacto para populações de baixa renda, lançou a Aliança pelo Impacto, para apoiar o desenvolvimento do ecossistema de negócios de impacto.
“O objetivo da iniciativa era gerar recomendações, fazer estudos e monitorar o desenvolvimento institucional em torno dos negócios de impacto”, explica Célia Cruz, diretora-executiva do ICE.
Fato é que, de 2014 para cá, o ecossistema se fortaleceu. Célia conta que, naquele ano, havia apenas três fundos voltados a investimento em negócios de impacto, o tema era estudado em apenas três universidades (USP, Fundação Getulio Vargas e Insper) e havia apenas duas aceleradoras voltadas para esse tipo de empreendimento.
Em 2021, o ICE conta com uma rede de 53 universidades espalhadas pelas cinco regiões do país. Agora, já são 28 os fundos voltados a investimentos em negócios de impacto e 84 as aceleradoras que atuam no setor.
Lucrar fazendo o bem?
Os negócios de impacto surgem não só para unir características positivas do segundo e do terceiro setor, mas também para superar gargalos existentes nessas duas pontas.
Por um lado, os negócios de impacto olham para um público normalmente negligenciado pelas empresas tradicionais. Jair Resende, superintendente socioeducativo da Fundação FEAC, explica que “eles são focados em criar serviços e produtos voltados para pessoas de baixa renda, capazes de melhorar suas vidas”.
Jair cita dois exemplos que explicam bem os negócios de impacto. “A Vivenda tem um modelo que possibilita que pessoas de baixa renda façam reformas em suas casas, tendo impactos na saúde e no bem-estar dos moradores. Já a 4You2 oferece cursos de inglês com professores nativos para alunos de territórios em situação de vulnerabilidade.”
Por outro lado, os negócios de impacto também conseguem atrair recursos para atuar com questões sociais e ambientais que muitas vezes encontram dificuldades de financiamento.
“O terceiro setor precisa captar recursos. Mas a cultura de doação no Brasil ainda é fraca e traz grandes desafios para a sustentabilidade das organizações da sociedade civil. Os negócios de impacto possibilitam acessar outros bolsos, que até querem causar mudanças sociais positivas, mas que desejam também ter algum retorno”, diz Célia.
Financiando negócios de impacto
A mistura entre retorno e impacto é fundamental para quem investe nesse tipo de empresa, até porque esses negócios costumam entregar rentabilidade menor do que os tradicionais.
“Empreendimentos de impacto costumam ter custos maiores do que companhias sem preocupações socioambientais. Por isso, não conseguem remunerar muito seus credores. Isso é um problema principalmente em momentos como o atual, no qual a taxa básica de juros (a Selic) está alta, diminuindo ainda mais a rentabilidade de se investir em negócios de impacto”, explica Bruno Girardi, gerente de investimento de impacto da Sitawi, uma organização que faz a intermediação entre investidores e negócios de impacto.
Uma solução é o blended finance, que mistura diversos tipos de fontes de financiamento para manter o fluxo de investimentos no setor de impacto. “Um negócio pode emitir duas dívidas. Uma com juros menores do que os de mercado, que atrai quem tem mais interesse nos impactos, e que ajuda a subsidiar a outra dívida, com juros maiores que os de mercado, para quem também quer retornos financeiros”, diz Bruno.
Jair, por sua vez, ressalta que o terceiro setor também pode fazer parte desse ecossistema comprando produtos e serviços de negócios de impacto. “A FEAC contratou o negócio de impacto Pé de Feijão para que dessem oficinas de hortas urbanas em bairros em situação de vulnerabilidade de Campinas, uma maneira de lidar com a insegurança alimentar”, conta Jair.
O terceiro setor também pode ajudar a criar um ambiente que estimule a criação de negócios de impacto dentro das próprias comunidades que podem se beneficiar deles. A FEAC também faz isso em parceria com a Casa Hacker, organização de inclusão digital de Campinas que atua ainda como incubadora de projetos. “Esses negócios criados dentro da própria periferia conseguem ter um olhar ainda mais acurado para problemas sociais e a busca de soluções que sejam também rentáveis e sustentáveis”, afirma Jair.
Os governos de todos os níveis também têm um papel importante nesse ecossistema. “O estado do Espírito Santo implantou na rede pública de ensino um sistema de inteligência artificial para aprimorar as habilidades de escrita dos alunos. O poder público ajuda a dar escala para negócios sociais”, afirma Célia.
O Programa Letrus, adotado pelo Espírito Santo, dá retorno imediato aos alunos sobre seu desempenho nas redações. Já os professores recebem dados sobre como seus alunos estão se saindo e quais os pontos que precisam ser reforçados.
Por outro lado, a crise fiscal que afeta o setor público acaba também abrindo mais espaços para negócios de impacto. “Muitos governos estão quebrados, mas há negócios que conseguem prestar serviços em áreas como saúde e educação. Eles podem ser parceiros fundamentais para lidar com a defasagem de aprendizado decorrente da pandemia, por exemplo”, finaliza Célia.
Por Frederico Kling
![]() | Edição 11 – Negócios de impacto• Aliando lucro e metas socioambientais, negócios de impacto crescem no país
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