Empresas e organizações da sociedade civil (OSC) têm objetivos e tempos bem distintos. Enquanto as empresas visam a maximização do lucro no menor prazo possível, as OSC atuam em períodos mais longos em busca de transformações sociais, ambientais e econômicas. Podem dois setores tão distintos agir em parcerias mutuamente benéficas?

Foi apostando nessa colaboração que a Fundação FEAC e a Amcham Campinas lançaram em 2019 a Rodada Social, projeto que promove encontros entre empresas e OSC a fim de gerar conexões e potencializar impactos sociais positivos. A iniciativa tem o objetivo de mostrar que, além das parcerias serem totalmente possíveis, podem trazer soluções para ambos os lados.

O projeto realizou sua quarta edição no dia 28 de outubro. Cinco organizações da região de Campinas apresentaram produtos e serviços que podem ser adquiridos por empresas socialmente responsáveis. O evento foi realizado em formato virtual, transmitido no YouTube, e contou com a audiência de 16 empresas da cidade com perfis variados (médias, grandes e multinacionais) e atuação em setores como tecnologia, logística e indústria.

“Às vezes, a empresa pensa que, para contribuir com uma organização, tem que necessariamente doar dinheiro, mas existem outras alternativas”, diz Nathalia Garcia, líder do Programa Qualificação da Gestão, da FEAC.

Entre as soluções que foram apresentadas às empresas, estão serviços como curso de meditação e de comunicação não-violenta, contratação de jovem aprendiz, assinatura de cestas de alimentos orgânicos e palestra sobre diversidade e inclusão.

“Essa relação, que é comercial, também tem o grande benefício de causar impacto social, uma vez que os recursos gerados a partir da prestação de serviços e venda de produtos vão direto para uma organização com fim social”, analisa Rodrigo Mendes Cavalcante, empreendedor social da Phomenta, atual parceira da FEAC na iniciativa.

As apresentações para as 16 empresas foram realizadas por representantes das organizações em formato de “pitch”, um discurso breve com duração de em torno de cinco minutos, no intuito de conquistar clientes em potencial. Participaram as OSC Sorri Campinas, CEI – Santi Capriotti, AMIC, Patrulheiros e a Fundação Eufraten.

Compromisso social e estratégia

A multinacional da área de alimentação Arcor participou pela primeira vez da Rodada Social representada por seu instituto. A companhia, no entanto, já era um case de sucesso de parceria entre empresas e terceiro setor por seu histórico de compras inclusivas, ou seja, aquisição de produtos fabricados por OSC. 

“Há empresas bem-sucedidas em comunidades que não estão desenvolvidas, então é o nosso papel social contribuir com o lugar onde estamos”, afirma Milena Azal, representante do Instituto Arcor. 

Uma vez que a empresa se compromete com uma comunidade, as OSC são parceiras estratégicas nessa missão. “As organizações têm ativos muito importantes, como inserção no território, relacionamentos com diferentes stakeholders e entendimento de problemas sociais complexos”, destaca Rodrigo.  

 A Associação Cornélia Vlieg, de Campinas, uma das parcerias do Instituto Arcor, também deu um depoimento nesta última edição da Rodada – a instituição já havia participado de duas outras. A organização ministra oficinas de atividades como marcenaria, serralheria, arte em vidro e em ferro, e mosaicos para pessoas em situação de vulnerabilidade, dando oportunidade de geração de renda por meio da fabricação de produtos artesanais.  

O Instituto Arcor já comprou diversos produtos de papelaria, decoração e brindes corporativos feitos por artesãos qualificados pela Cornélia. “É uma relação de ganha-ganha, porque eu estou adquirindo um produto. Por que não comprar deles? É papel social da empresa adquirir de uma OSC”, questiona Milena.  

Segundo Rodrigo, da Phomenta, “as empresas precisam tornar a responsabilidade social uma estratégia dentro do modelo de negócio, não apenas uma ação de caridade ou de marketing.” 

De acordo com ele, são três fatores que determinam que investir em causas sociais pode ser estratégico para empresas: consumidores mais conscientes; colaboradores que buscam trabalhar com propósito; e investidores em busca de empresas que atendam aos critérios ESG (ambiental, social e governança, em português), usados para medir as práticas sustentáveis de um negócio.  

Benefícios para OSC

Entre as OSC que apresentaram seus produtos e serviços está a Sorri Campinas. A organização possui uma palestra chamada “Provocações”, que está à venda para empresas que desejam levar a temática da diversidade e inclusão para seus colaboradores.

A Sorri promove capacitação para pessoas com deficiência para colocá-las no mercado de trabalho. Adriana Cerveira, orientadora profissional e responsável pelo picth durante a Rodada, diz que não basta a contratação, é preciso fazer um trabalho de sensibilização com as empresas, para levar informações e desmistificar crenças negativas sobre profissionais com deficiência.

Além de fortalecer a cultura de inclusão das empresas, a venda da palestra permitiu a Sorri diversificar a sua fonte de renda. Adriana conta que a meta, agora, é gravar a palestra e transformá-la em um produto digital que esteja disponível para compra, no site da organização.

A ideia surgiu depois de um pedido de uma empresa, que se interessou em adquirir a gravação da palestra para exibir em turnos diferentes. O vídeo, porém, precisa ser acessível, com legenda, intérprete e audiodescrição, e isso tem custos.

Após a Rodada Social, a Sorri espera diversificar sua captação de recursos para que o plano seja executado. “[A Rodada] suscitou na gente mais uma possibilidade de intervenção. O mundo inclusivo exige recursos e nós temos que estar em movimento o tempo inteiro”, diz Adriana.

Triplo ganho  

A intenção do projeto é que a Rodada Social seja o primeiro contato entre empresas e organizações e, a partir desse dia, os relacionamentos comecem a ser criados. 

Milena, do Instituto Arcor, observa que os benefícios das parcerias não se limitam às empresas e organizações. O resultado são impactos que reverberam nos beneficiados pelas OSC. Ao alugar espaços de uma organização para fazer eventos e comprar dela serviços de alimentação, por exemplo, Milena ressalta que isso traz benefícios também para as crianças em situação de vulnerabilidade atendidas pela instituição. 

“Estamos contribuindo para o crescimento e fortalecimento das organizações sociais. Muitas vezes aquele trabalho de geração de renda, por exemplo, é para desenvolver outros projetos”, diz Milena.  

Rodrigo, da Phomenta, chama essa cadeia de impactos de “triplo ganho”: “as OSC ganham, as empresas ganham e os atendidos da comunidade onde essa organização está inserida também, uma vez que conseguimos gerar um fluxo de recursos e conexões que se expande para além de uma atuação individual e isolada das empresas e das OSC.” 

Por Laíza Castanhari

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