Como profissionais com deficiência vêm sendo tratados no mercado de trabalho brasileiro? Os seus direitos constitucionais estão sendo respeitados?  Os dados mais recentes trazidos pela última Pnad Contínua, 2022, divulgada em julho, são preocupantes e mostram que o país tem muito o que avançar quando o assunto é inclusão.

Atualmente, das 17,5 milhões de pessoas com deficiência em idade de trabalhar no Brasil, 12,4 milhões estão fora do mercado. A pesquisa aponta que o tratamento é desigual mesmo quando o profissional com deficiência possui nível educacional superior. Nestes casos, a taxa de desemprego chega a 46% entre quem tem deficiência e é de 15% entre quem não tem.

O analfabetismo é outro dado alarmante: atinge 11,5% da população com deficiência, de 15 a 39 anos de idade. Porcentagem que cai para 1% das pessoas sem deficiência nesta mesma faixa etária.

FEAC: “Inclusão não é favor, é um direito garantido”

Existem diversos fatores que influenciam esse cenário, desde a baixa escolaridade dessa parcela da população (leia mais abaixo), até o capacitismo que ainda está muito enraizado na sociedade. “É necessário que o tema inclusão esteja sempre em pauta, para que a sociedade compreenda que não se trata de um favor ou uma opção, mas sim de um direito estabelecido”, afirma Viviane Machado, líder do Programa Mobilização para a Autonomia, da Fundação FEAC, que desenvolve diversos projetos nesta área em parceria com organizações da sociedade civil (OSC), em Campinas (confira os projetos no final do texto).

Em Campinas, o projeto Desconstruir para Construir vem trabalhando este ano para impulsionar a inclusão profissional de pessoas com deficiência. Trata-se de uma iniciativa da Organização da Sociedade Civil (OSC) Patrulheiros em parceria com a Fundação FEAC e o Instituto Jô Clemente.

A Patrulheiros trabalha com socioaprendizagem há 57 anos. Oferta a jovens de baixa renda oficinas de formação para prepará-los e incluí-los no mundo do trabalho como jovem aprendiz. A organização é parceira de empresas públicas e privadas que buscam a organização para contratar jovens aprendizes.

Busca ativa para sensibilizar famílias e jovens

Com o projeto, a OSC está colocando a sua expertise na socioaprendizagem a serviço da inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. “Nós estamos treinando as equipes e fazendo algumas adaptações arquitetônicas de acessibilidade”, explica Adailton Silva, presidente da Patrulheiros.

“Todo o processo está sendo acompanhado pelo pessoal do Instituto Jô Clemente, que tem grande experiência e especialização nessa área. Nossa equipe de assistentes sociais, psicólogos e pedagogos, e também a parte administrativa e pedagógica educacional, todos passaram por treinamentos”, diz Silva. A primeira turma do projeto, que está com dez alunos, iniciou o curso de qualificação profissional no dia 9 de outubro (saiba mais no site).

Entre as prioridades do curso estão o estímulo à autonomia, protagonismo e desenvolvimento pessoal; a habilitação profissional (certificado de aprendizagem); o acompanhamento psicossocial e pedagógico e facilitar a integração da pessoa em formação com as empresas parceiras.

Silva afirma que outro desafio do projeto é encontrar pessoas com deficiência dispostas a participar. A OSC está fazendo busca ativa para identificar, sensibilizar e trazer este público para o curso de formação. Ainda há vagas disponíveis. “Algumas famílias temem deixar os adolescentes desprotegidos ou sujeitos a sofrer discriminação. Nós temos que quebrar esse paradigma para poder chegar até esse público-alvo e incluí-lo”, conta. Para participar do curso acesse e se inscreva neste link.

EqualiEJA apoia formação da pessoa com deficiência

Realizado desde 2022 pela Associação de Educação do Homem de Amanhã (AEDHA), mais conhecida como Guardinha, em parceria com o Sesi e o apoio da Fundação FEAC, o EqualiEJA busca enfrentar a evasão escolar entre as pessoas com deficiência. O projeto oferta aos jovens com deficiência a oportunidade de retomar e concluir seus estudos e assim obter a certificação que precisam para conseguir um emprego. 

As aulas são ministradas através de uma plataforma online do Sesi e podem ser acessadas tanto de casa quanto presencialmente, de terça a sexta-feira, na sede da instituição. Durante o curso, a coordenadora responsável pelo projeto, Natália Mittestainer, explica que um educador fica à disposição para auxiliar no acesso às tecnologias, contato com o tutor ou em alguma dificuldade de leitura do texto e de resolução de cálculo. No entanto, os adolescentes têm plena autonomia para se organizar nos estudos e dentro do sistema. 

Evasão e abandono escolar dificultam inserção

Além das barreiras físicas que impedem ou dificultam a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, a evasão escolar na infância ou adolescência é outra realidade que afeta as pessoas com deficiência.

Talita Troleze, especialista em educação pela Fundação FEAC, explica que tanto o abandono quanto a evasão são comuns durante o processo de escolarização de pessoas com deficiência. Enquanto o primeiro diz respeito àquelas que saem do sistema escolar, mas retornam no ano seguinte, no segundo caso, o estudante não volta mais para finalizar a graduação.  

Diante de tantos impactos, a aprendizagem com certeza é a área mais afetada do desenvolvimento desse jovem. “Se você não conclui o Ensino Fundamental, as chances de você chegar no Ensino Médio diminuem e no Ensino Superior, reduzem mais ainda”, pontua Talita.

E é claro que a interrupção dos estudos irá dificultar o ingresso no mercado de trabalho, que começa logo no acesso às vagas. No geral, a escolarização básica completa é um pré-requisito para ser contratado. “Uma pessoa que não concluiu não vai ter tantas opções. Ela vai estar mais exposta a vagas de trabalho que nem sempre oferecem condições dignas”, explica a especialista. Como atestou o levantamento mais recente, da Pnad Contínua, isso leva ao engajamento em empregos informais, por exemplo, que não vão garantir os direitos, sustento e a independência que esse jovem precisa.

Por Bárbara Vetos

 

Atualmente, o EqualiEJA conta com duas turmas no período da manhã e recebe jovens com todo tipo de deficiência, oferecendo o suporte necessário para cada um deles. Afinal, o processo de aprendizagem não é linear e a iniciativa se propõe a compreender, respeitar e acolher os diferentes ritmos e dificuldades que surgem ao longo do caminho. Pensando nisso, os materiais utilizados passam por um planejamento semanal, para que estejam sempre atualizados e acompanhem o desenvolvimento dos alunos.

“O conteúdo pode ser o mesmo, mas a gente vai adaptando para diferentes realidades. Sempre pensando em uma turma heterogênea, com diversas faixas etárias, interesses, gostos, deficiências e habilidades que eles têm ou precisam desenvolver”, comenta a coordenadora. Um dos principais cuidados que o projeto tem é valorizar os interesses, experiências de vida e conhecimentos previamente adquiridos pelos estudantes.

Autonomia para decidir sobre o próprio futuro

De forma a incentivar a socialização entre os jovens, no EqualiEJA eles são divididos em pares para trabalharem juntos e poderem criar vínculos. Na hora do intervalo, eles também têm a oportunidade de conversar com adolescentes que participam de outros projetos da Guardinha. É um momento em que ficam livres para transitar e fazer amizades. 

“Eu tenho feito um trabalho de escuta com as famílias e elas têm trazido isso, que muitos ficaram anos sem frequentar lugar nenhum por não se sentirem aceitos nos ambientes onde estavam e, aqui, estão felizes com seus pares”, revela Natália.

Ao final do processo formativo, os alunos receberão um certificado de conclusão nos níveis de escolaridade do Ensino Fundamental e/ou Médio, validado pelo Ministério da Educação. O diploma permitirá que o jovem ingresse em uma carreira formal de trabalho ou, caso queira, continue na vida acadêmica. A ideia é que eles tenham poder de decisão sobre o próprio futuro, fazendo escolhas que estejam alinhadas aos seus interesses pessoais e profissionais.

Isabelly: “Ter um emprego foi um sonho realizado”

Poder planejar a sua vida e ajudar financeiramente em casa sempre foi um desejo de Isabelly Martins dos Santos, 21 anos, moradora de Campinas. Sem os pés e as mãos (condição causada por uma meningite adquirida ainda bebê, aos seis meses), ela concluiu o fundamental e o ensino médio com muito esforço. Formada, Isabelly buscou empregos e fez entrevistas on-line por dois anos sem sucesso. “Sempre que eu falava que tinha uma deficiência física e dificuldade de mobilidade, as pessoas desistiam já na primeira etapa, na conversa on-line”, conta Isabelly.

No final de 2021, por meio da OSC Guardinha, ela enviou currículo e fez entrevista na multinacional francesa Capgemini Business Services, empresa parceira da organização. Isabelly conseguiu a vaga como aprendiz e seis meses depois foi efetivada no departamento financeiro. Hoje, ela trabalha com processamento e análise de notas fiscais em regime de home office. Ela diz que vai ao escritório presencialmente sempre que tem oportunidade e que é um lugar onde ela se sente muito bem.

“No começo eu tinha receio dos olhares, dos comentários, mas até o momento nunca tive problema com isso. A Cap é uma empresa que se preocupa com o bem-estar do funcionário. Eles têm um compromisso com a inclusão e a diversidade”, explica.

Para Isabelly, o emprego é um marco, um divisor de águas. Ela conta que aprendeu muita coisa dentro da empresa. Fez cursos de aperfeiçoamento profissional, aprendeu a operar o Excel e outros sistemas operacionais e está estudando inglês. E tudo isso trouxe também crescimento pessoal.

“Eu aprendi a ser uma pessoa mais confiante. Ver que o trabalho que eu faço só depende de mim me deixa muito feliz e grata. Porque eu sei que sou capaz. Isso ajudou demais na minha autoestima. Foi como realizar um sonho”, diz.

E o aprendizado também trouxe planos para melhorar a sua qualidade de vida. Isabelly, que mora com a irmã gêmea e a mãe, quer adaptar banheiro e cozinha para seu maior conforto. Aos poucos, planeja comprar um carro para facilitar a sua locomoção. “Muitas vezes o Uber não comporta a minha cadeira”, diz. Ampliar a sua escolaridade também está no seu radar: “Quero fazer faculdade de medicina ou biomedicina.”

Outros destaques do Pnad Contínua 2022

A população com deficiência no Brasil foi estimada em 18,6 milhões de pessoas de 2 anos ou mais, o que corresponde a 8,9% da população dessa faixa etária. Os dados são do módulo Pessoas com deficiência, da Pnad:

  • No terceiro trimestre de 2022, a taxa de analfabetismo para as pessoas com deficiência foi de 19,5%, enquanto entre as pessoas sem deficiência essa taxa foi de 4,1%.
  • Apenas 25,6% das pessoas com deficiência tinham concluído pelo menos o Ensino Médio, enquanto 57,3% das pessoas sem deficiência tinham esse nível de instrução.
  • O nível de ocupação das pessoas com deficiência foi de 26,6%, menos da metade do percentual encontrado para as pessoas sem deficiência (60,7%).
  • Cerca de 55,0% das pessoas com deficiência que trabalhavam estavam na informalidade, enquanto para as pessoas ocupadas sem deficiência esse percentual foi de 38,7%.
  • O rendimento médio real habitualmente recebido pelas pessoas ocupadas com deficiência foi de R$1.860, enquanto o rendimento das pessoas ocupadas sem deficiência era de R$ 2.690.
 

 

FEAC é parceira em projetos inclusivos em Campinas

Além do EqualiEja, a Fundação FEAC apoia atualmente mais sete projetos inclusivos em parceria com Organizações da Sociedade Civil (OSC). Conheça:

Projeto O Cuidado da Intervenção Precoce na Primeira Infância  

Realizado pela Organização da Sociedade Civil (OSC) Associação de Pais e Amigos de Surdos de Campinas (APASCAMP), atende bebês com deficiência auditiva de todo o município de Campinas. 

O objetivo é diminuir os atrasos no desenvolvimento motor, cognitivo e de linguagem de crianças nos primeiros anos de vida.  

Projeto Inter(agindo) com o Mundo 

Realizado pela Organização da Sociedade Civil (OSC) Centro de Apoio e Integração do Surdocego e Múltiplo Deficiente (CAIS) atende pessoas com surdocegueira de todo o município de Campinas. 

O projeto tem como objetivo ampliar as formas de comunicação de pessoas com surdocegueira, para que haja possibilidade de obter maior participação na família e sociedade, minimizando as barreiras atitudinais. 

Site: https://www.caiscampinas.org.br/  

Projeto Hub Inclusivo 

Realizado pela Organização da Sociedade Civil (OSC) SORRI CAMPINAS em parceria com o Centro Síndrome de Down (CESD) com o atendimento de empresas e pessoas com deficiência de todo o município de Campinas. 

O projeto tem como objetivo empresas livres de barreiras, construindo processo e gerando uma cultura inclusiva para a diversidade, tornando os espaços organizacionais mais acessíveis, disseminando boas práticas para que a pessoa com deficiência possa trabalhar com equidade, garantindo sua inclusão social e econômica. 

Site: https://www.hubinclusivo.org/ 

Projeto Reabilitação, Estimulação, Desenvolvimento e Inclusão – REDI 

Realizado pela Organização da Sociedade Civil (OSC) Casa da Criança Paralitica (CCP) atende pessoas com deficiência física (0 a 29 anos) da região sudoeste de Campinas. 

O objetivo geral do projeto é propiciar o processo de reabilitação, estimulação e inclusão a partir de atendimentos e orientações, as impulsionando a serem ativas na sociedade. 

Site: https://www.ccp.org.br/web/programas-projetos 

Projeto Em Construção 

Realizado pela Organização da Sociedade Civil (OSC) Centro Educacional Santi Capriotti (CEI) com atendimento de equipamentos socioassistenciais da região dos distritos de Sousas e Joaquim Egídio e as pessoas com deficiência de todo o município de Campinas. 

O objetivo é diagnosticar, assessorar e capacitar equipamentos socioassistenciais para o atendimento à pessoa com deficiência, disseminando os conceitos do modelo social da deficiência e instrumentalizando-as. Além da produção de dados e indicadores que demonstrem as barreiras existentes e que impedem a efetiva inclusão e o fomento de um novo olhar para a deficiência, consequentemente incluindo os usuários. 

Site: https://ceicampinas.org.br/projeto-em-construcao-espaco-incluir/ 

Projeto ASAS 

Realizado pela Ação Social para Igualdade das Diferenças (ASID), em rede com outras 10 parceiras, atende pessoas com deficiência e suas famílias de todo município de Campinas. 

O objetivo é responder à pergunta: “Quem cuidará do meu filho com deficiência no futuro?”. Trabalhando na elaboração e execução de um plano de vida efetivo e que vá ao encontro dos desejos e necessidades dessas pessoas e suas famílias. 

Projeto Acelera Saúde Auditiva 

Realizado pela Organização da Sociedade Civil (OSC) Associação de Pais e Amigos de Surdos de Campinas (APASCAMP) em parceria com a Secretaria Municipal da Saúde, o projeto atende pessoas com suspeita diagnóstica de deficiência auditiva de todo o município de Campinas. 

O objetivo é oferecer aos pacientes com suspeita diagnóstica de deficiência auditiva o diagnóstico assertivo, seguindo o fluxo adequado, que possibilite sua melhora no desempenho escolar, como também na autonomia social e na comunicação. 

 

Por Natália Rangel